9 de julho de 2011

Analisando o Datafolha

O tema é atrasado, pois o Datafolha divulgou a pesquisa no dia 13 de junho, mas na época eu estava acorrentado a um trabalho e não pude lhe dar atenção. Os dados ainda são válidos, todavia, e merecem uma análise aprofundada, não apenas por sua importância política e possíveis desdobramentos eleitorais, mas por seu valor sociológico. Essas pesquisas, mesmo que as consideremos tendenciosas, nos dizem bastante sobre a sociedade brasileira e suas fraturas.

A pesquisa foi realizada nos dias 09 e 10 de junho e o seu objetivo principal pareceu-me que era exibir - como um troféu - os estragos que o caso Palocci infligiu à imagem da presidenta. E agora, que posso analisar as estatísticas mais detidamente, observo que o dano foi grande. O lado ruim da pesquisa ficou ofuscado pela avaliação média positiva da presidente.

Estou com saudades de uma velha e boa análise ponto por ponto. Temos bastante trabalho pela frente.

A primeira tabela que gostaria de analisar trata da evolução da popularidade de Dilma por gênero. Nesta aí, encontramos uma excelente notícia para a presidenta: as mulheres finalmente parecem demonstrar alguma solidariedade feminista, o que não ocorreu no processo eleitoral, em que Dilma passou a maior parte do pleito perdendo para seu adversário junto ao público feminino. Segundo o Datafolha, 50% das mulheres acham o governo Dilma ótimo ou bom, contra 37% que o acham regular e 10% que o consideram ruim/péssimo. Entre os homens, 48% acham o governo Dilma bom.

Por outro lado, nota-se que as mulheres, mais uma vez, revelam-se mais críticas e menos governistas que os homens. De março a junho, o percentual de mulheres que acham o governo Dilma "regular" (um conceito que eu considero negativo, sobretudo num início de governo) cresceu 7%. Entre os homens, o "regular" subiu apenas 2%. Enquanto a popularidade (ótimo/bom) da presidenta subiu 5% entre os homens nos últimos 3 meses; entre as mulheres, caiu 1%.

Note que o número de pessoas que alegavam não saber o que responder caiu drasticamente de março a junho. Os brasileiros finalmente se sentem informados o suficiente para opinar sobre a presidenta e seu governo.


(Obs: se a tabela aparecer cortada, clique nela para vê-la por inteiro).

A tabela por idade não traz muita novidade. A presidenta manteve-se estável em todas as faixas etárias. Os mais jovens (até 24 anos) são menos governistas. A idade na qual o governo Dilma tem mais popularidade é aquela entre 45 e 59 anos, o que é um bom sinal, a meu ver, por se tratar do período mais importante da maturidade, quando a maioria das pessoas vive o seu auge profissional. É uma faixa etária, além disso, com muita influência.


De qualquer forma, tanto a tabela sobre gênero quanto esta sobre idade não devem ser analisadas sem se levar em conta as diferenças profundas existentes entre as faixas de renda e escolaridade.  É agora, aliás, que a análise ganha um pouco mais de emoção.

A pesquisa Datafolha revela que, de março a junho, houve uma acentuada deterioração da popularidade da presidenta junto às classes médias, possivelmente em razão do caso Palocci. Entretanto, nota-se uma fenômeno interessante, de descolamento - numa mesma faixa de renda - entre aqueles que permanecem otimistas em relação ao governo e outros que passam a demonstrar desencanto ou mesmo repúdio.

Entre os mais pobres, Dilma atravessou a crise Palocci incólume, em mais uma prova de que ao povão interessa apenas situação econômica do país, e não os escândalos frequentes do noticiário político. Entre os que ganham entre 5 e 10 salários, porém, o percentual dos que acham ruim/péssimo o governo Dilma subiu 8 pontos, de 6% para 14%. Entre os mais ricos, com renda familiar média acima de 10 salários, o índice de ruim/péssimo bateu em 20% em junho, alta de 7 pontos sobre os 13% registrados em março.

Esses dados confirmam o que Fernando Henrique Cardoso já aventara em seu famigerado artigo "O papel da oposição", e que observamos no processo eleitoral: a cunha oposicionista deve atacar de cima para baixo. A teoria da pedra no lago pode não ter funcionado com Lula, mas ainda é a única arma de que dispõe as forças conservadoras, e a mesma tática já começou a ser usada contra Dilma. Segundo essa teoria, os escândalos políticos provocam estragos  inicialmente junto às classes mais altas, sempre vulneráveis aos ataques editoriais da mídia de opinião; daí eles seguem formando ondas ao redor desse núcleo, até atingir a maioria do eleitorado. Com Lula, contudo, esse processo estancava sempre junto aos mais pobres, em função do bom momento econômico, e influenciados também pela forte identificação psicológica com a figura do presidente. As ondas oposicionistas batiam no povão e voltavam. As classes médias, impressionadas com a força da popularidade do ex-metalúrgico, davam o braço a torcer.

Confiram a tabela:


A tabela abaixo, com a avaliação regional, também diz muito sobre o processo político brasileiro. O governo Dilma não perdeu 1 ponto no Nordeste. A deterioração da popularidade de seu governo se dá exclusivamente no Sul e Sudeste. No Centro-Oeste/Norte, há um aumento de 3 pontinhos no percentual de ruim/péssimo, mas que é amplamente compensado pela alta de 5 pontos no bom/ótimo, o maior crescimento dentre todas as regiões.


O estrago provocado pelo caso Palocci afetou menos o governo, ao que parece, do que a imagem pessoal da presidente. Os pontos positivos ainda superam os negativos, mas houve uma forte deterioração. O percentual de entrevistados que achavam Dilma "indecisa" mais que dobrou, passando de 15% para 34%. O mesmo aconteceu aos que a consideram "pouco inteligente": passaram de 9% para 20%.

Por outro lado, ela ganhou pontos num item muito importante: caiu o número de pessoas que a consideravam "autoritária" e cresceu muito os que a acham "democrática".


A tabela abaixo traz um dado que gostaria de salientar. Repare na coluna de idade, na faixa etária 60 anos ou mais: a maioria dos entrevistados dessa faixa, 23%, deram nota 10 aos primeiros seis meses do governo, numa carinhosa demonstração de entusiasmo. 15% do público feminino também deu nota 10, sinalizando, como já disse, o nascimento de um sentimento de solidariedade feminina para com a primeira presidente mulher, um fator que poderá ser muito relevante nas próximas eleições.


A tabela abaixo é muito importante, por revelar uma diferença profunda entre um Nordeste ainda repleto de esperanças no desempenho do governo e o resto do país, mais cético. Entre os entrevistados do Nordeste, 22% deram nota 10 aos seis primeiros meses do governo Dilma, contra apenas 5% no Sul, 10% no Sudeste, e 12% no Norte/Centro-Oeste. Há uma diferença também extremamente acentuada entre região metropolitana e interior: na primeira, 9% deram 10 ao governo Dilma, contra 16% no interior.



Na tabela abaixo, evidencia-se a boa imagem de Dilma junto às mulheres e aos mais velhos. Enquanto 58% dos homens a consideram "muito inteligente", esse percentual sobe para 66% entre as mulheres. Ainda em relação à sua inteligência, os entrevistados com mais de 60 anos registraram a opinião mais positiva: também 66% a consideram "muito inteligente". A imagem pessoal de Dilma perdeu força sobretudo entre os mais ricos, se é que teve algum dia.



A tabela abaixo, na qual você terá de clicar para vê-la em tamanho maior, traz dados pertinentes ao atual momento histórico, em que vemos emergir poderosas manifestações políticas, lideradas por jovens, em várias partes do mundo, motivados pela falta de perspectivas profissionais. No caso do Brasil, a situação é distinta. O jovem brasileiro é otimista. Na faixa dos 16 aos 24 anos, 47% dos jovens acreditam que o país mais melhorar, contra 16% que acham que vai piorar. Curiosamente, os entrevistados com mais de 60 mostraram-se ainda mais otimistas nesse ponto: somente 13% acham que a situação econômica do país vai piorar.

Note ainda que os mais ricos revelam-se bastante céticos em relação ao futuro do país: entre os que possuem renda familiar acima de 10 salários, 27% acham que vai melhorar, 25% que vai piorar e 48% que vai ficar como está.


A pesquisa do Datafolha tem dezenas de tabelas com perguntas sobre o Palocci. É um exagero, como se a única coisa que houvesse ocorrido de relevante no país entre março e junho tivesse sido o noticiário envolvendo o ex-ministro da Casa Civil. A Folha quer exibir a cabeça de Palocci para a posteridade. De quebra, mostra as entranhas do que constitui o fato político mais importante no Brasil de hoje: o escândalo de ordem moral. Como ele nasce, amadurece, desenvolve-se, mantêm-se durante tempo indeterminado no noticiário, desgastando a classe política, e provocando espasmos de indignação na opinião pública. Pode-se apostar que, não fosse o bom momento econômico, as crises políticas geradas, por exemplo, pelos casos Sarney e Renan Calheiros, poderiam provocar manifestações juvenis tão importantes como vimos na Espanha recentemente, organizadas via Twitter e Facebook. Teriam à frente lideranças conservadoras como Marcelo Tas e Luciano Huck. As redes sociais acordaram o monstro que ficou adormecido durante os anos Lula: a pedra no lago. A opinião pública tradicional, fragmentada e enfraquecida com o surgimento da blogosfera, ressurge com força nas redes sociais, porque aí, à diferença da blogosfera, onde todos são iguais, conta o número de seguidores, e ninguém tem mais seguidores do que aqueles que tem espaço na grande midia. Perigo à vista.

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