1 de julho de 2011

Voltando à malandragem

Pronto, já paguei minha cota de sacrifício ao deus do trabalho. Foram três semanas cruéis, trabalhando dia e noite para dar conta do prazo de entrega. Agora, como na canção do Simonal, voltemos à malandragem blogosférica! Isso aqui é trabalho duro também, mas é tão divertido que eu até esqueço do esforço.

Nesses dias de labuta insana, não parei de pensar nos temas queridos ao blog, sobretudo quando fazia uma caminhada pelas redondezas. Sem contar que eu participei do II Encontro Nacional dos Blogueiros Progressistas (II Blogprog) e não escrevi nada. De forma que tenho vários assuntos atravessados na goela.

Rola ainda uma rebordosa do caso Palocci, e os desdobramentos que perduram até hoje. A recente entrevista com o ex-governador Olívio Dutra, em matéria da Carta Capital prenhe de elogios à simplicidade franciscana, gerou uma nova rodada de polêmicas. Trata-se de um estímulo saudável à austeridade ou melancólico moralismo descalço? Onde termina o que poderíamos chamar viril convocação à moral socialista e começa o velho pobrismo eunuco pequeno-burguês?

A relação da blogosfera progressista com o novo governo permanece dominada por uma espécie de angústia. Durante o II Blogprog, tornou-se claro um certo mal estar em relação a seu papel de "defensora" e ao mesmo tempo algumas divisões em relação ao tema. Afinal, o mais difícil não é livrar-se da pecha de chapa branca, e sim fazê-lo sem que recaia na vala da crítica fácil, convencional, às vezes feita por vaidade, só para marcar posição e exibir uma falsa independência. Ou pior, sem aderir a uma postura crítica como forma de chantagem... No II Blogprog, falou-se disso nas mesas e também nos bares. No Feitiço Mineiro, um delicioso bar de Brasília onde houve uma confraternização na primeira noite, troquei ideias com um jovem diplomata, que acompanha os blogs e também queria vê-los mais críticos ao governo. Citou a blogosfera progressista norte-americana, que bate impiedosamente em Obama. O exemplo é importante, mas não resisti à ponderação de que o enfraquecimento do afronego permitiu o avanço da direita no Congresso americano, com a vitória dos republicanos nas eleições legislativas de 2010.

Essas questões me fizeram refletir em muita coisa. Até onde chega a legitimidade da pressão política? Por exemplo, meu amigo diplomata disse que o dilema pode ser resolvido fazendo uma crítica à esquerda. Certo, é assim que a blogosfera progressista vem conseguindo desvencilhar-se da imagem (que porém desempenhou com tanta paixão e idealismo) de cabo eleitoral. Por outro lado, como evitar o populismo, o oportunismo, o radicalismo? Trata-se afinal de encarar a política como a arte do possível, do diálogo democrático, da tolerância para com interesses necessariamente contraditórios de uma sociedade complexa.

Por trás dessas angústias, não teríamos também, infiltrados insidiosamente em nosso subconsciente por décadas de propaganda conservadora, preconceito e hostilidade, contra o sufrágio político, contra a democracia e suas inevitáveis idiossincrassias? Afinal, não seria também uma violência contra a liberdade de expressão, contra as liberdades individuais, esse constrangimento aos cidadãos que decidem apoiar, através de seus blogs ou simples comentários em redes sociais, o governo que ajudaram a eleger com tanto entusiasmo?

É saudável e necessário que haja crítica ao governo, mas isso tem de ser voluntário! Se for uma obrigação, acabou-se a liberdade!

Entende-se, além disso, que a mídia conservadora, que representa um poder que rivaliza com as instituições políticas, agrida os blogueiros progressistas com acusações de chapa-branquismo. Afinal, ela quer blogueiros que a ajudem em sua eterna guerra para enfraquecer as instituições cujo poder emana do sufrágio, com vistas a fortalecer o poder que emana exclusivamente do dinheiro e da herança. Mas é triste que os próprios blogueiros progressistas façam essa agressão a eles mesmos. Que se auto-agridam. Trata-se, além disso, de uma hipocrisia e de uma tolice: hipocrisia porque eles mesmos também são governistas e chapa-brancas, apenas se sentem constrangidos em sê-lo; tolice porque as forças conservadoras continuarão a chamá-los de governistas e chapa-brancas independentemente de suas veleidades. De maneira que essas acusações apenas os deixarão divididos, confusos, perdidos num limbo político. E isso sem falar na deselegância de cuspir no prato onde lancham. O governo federal ajudou generosamente a bancar os custos do II Blogprog. Por quê? Porque entende sim a blogosfera progressista como sua aliada. É um governo eleito e o que mais irrita os barões da mídia é que este governo eleito use o poder que lhe foi conferido pelo povo para tomar decisões tais como patrocinar eventos como o II Blogprog em vez de uma conferência do instituto Millenium.

Na minha opinião, portanto, a blogosfera deveria superar seus receios psicoanalíticos de ser ou não chapa branca. Trata-se de algo parecido com nossa mania (inclusive minha) de repetir que "não sou petista". Não pertenço ao PT, mas isso não impede que meus adversários me chamem de petista, ou que mesmo alguns conhecidos (anti-petistas) às vezes me recebam com um jocoso: "chegou o companheiro". Não podemos ligar para esse tipo de coisa.

Esta nobreza tão sonhada, essa independência utópica, não a alcançaremos nunca estabelecendo regrinhas de comportamento coletivo, ou forçando uma postura crítica artificial. A força da blogosfera está no que o detetive Hercule Poirot, nos livros de Aghata Chrisite, chamava de "massa cinzenta". Aí está a nobreza: na análise inteligente e franca, na liberdade de linguagem, no idealismo genuíno, no debate aberto, democrático, na busca pela verdade que só a transparência da internet aliada ao voluntarismo infinito dos ativistas digitais pode empreender.

A nobreza do blogueiro, por fim, é uma questão de beleza. Não adianta criticar ou elogiar se não há beleza no estilo, o que inclui uso racional e equilibrado de ferramentas lógicas, retóricas, estatísticas, humor e poesia. De nada adianta uma crítica neurastênica, que reage mal a qualquer contra-crítica. As verdadeiras críticas tem o vigor e a autoconfiança que o interesse popular e a lógica democrática lhes conferem. Receberão apoio social e serão legitimadas pelos especialistas bem intencionados.

Quando eu falo em beleza, não me refiro a nenhum tipo de pedância nem excluo o indivíduo leigo em conhecimento teórico de qualquer espécie. A realidade da blogosfera revela que qualquer um, seja um simplório trabalhador em restaurante, seja uma faxineira, tem capacidade política para fazer uma crítica elegante e racional. Refiro-me à beleza da própria simplicidade, à beleza dos argumentos consistentes, cuja força não reside no impacto contingente, efêmero, das afirmações demagógicas, mas na resistência ao fogo implacável da história.

Mas a beleza propriamente estética é igualmente fundamental à blogosfera, para lhe conferir poder de convencimento, sem o qual ela não teria sentido.

Sente-se no ar também uma espécie de depressão pós-eleitoral que, embora tenha amainado um pouco nos últimos meses, ainda tem gerado muito negativismo nas redes sociais. Neste ponto, eu cito com muito prazer (e com a ironia alegre de um ateu) nosso amigo Jesus Cristo: "não vim trazer a paz, e sim a espada". Continuo achando que a discussão política é também um divã, onde as pessoas filtram problemas íntimos, angústias, expectativas, fracassos ou sucessos pessoais, no coador de suas opiniões. Tudo está na conta, mas é preciso separar as coisas, examinar minuciosamente as diferentes opiniões, às vezes uma por uma, num trabalho de formiguinha que somente a blogosfera, com sua maravilhosa capilaridade, pode realizar.

8 comentarios

Anônimo disse...

Bem vindo!!!!

André Rezende

jose marcos disse...

Miguel, em primeiro lugar feliz retorno.Quanto ao texto eu acrescentaria que os blogs progressistas podem e devem criticar o governo, porém no sentido de uma ajuda critica e sincera e não simplesmente ataca-lo como ja faz muito bem o PIG. Quer um exemplo de uma critica construtiva? a area de cominicação social do Governo esta péssima, veja o caso das licitações para as obras da copa, deixaram que uma medida altamente positiva fosse deturpada pela midia em funçao dos interesses das grandes construtoras e ai depois que a confusão foi feita, o governo tenta explicar através de entrevistas que são editadas ao sabor do interesse da midia. As medidas do governo que podem gerar polemicas devem ser previamente comunicadas de forma bem didatica a população, antes que o "carnaval" seja feito. Agora temos o caso do pão de açucar, é bom , é ruim??? não sei. De qualquer forma ja deixaram população concluir, num trabalho muito bem feito pela midia, que o BNDS ia "torrar" dinheiro publico, quando na verdade é investimento através do BANESPAR.Isto é uma critica que visa construir e não simplesmente atacar. Pelo amor de Deus, a comunicação do governo com o povo esta péssima, ela tem que ser pró-ativa, principalemnte nas questões mais polemicas e naão podemos nos esquecer que o Lula supria as deficiencias nesta area com o sua extraordinária facilidade de falar ao povo, mais o Lula não é mais presidente.

Anônimo disse...

Feliz retorno, Miguel. Estou de pleno acordo com o seu artigo. Como sempre, lúcido e equilibrado. Agora concordo também com a opinião do José Marcos. A SECOM do governo Dilma está precisando de uma sacudida. Está muito lenta. A propósito, sou obrigada a comentar com o perfil de anônimo porque não me enquadro nas demais opções.
Abraço,
Maria José

Anônimo disse...

Belo comentário Miguel e benvindo ao seu blog que é muito bom.

Allysson Garcia disse...

Gostei do post, mas não entendi o 'afronego', referência estranha para Obama.

Ana Maria disse...

Fico feliz em poder me expressar através de seu blog, gostei do post expressa bem o que penso em relação a blogosfera nem sempre vamos dizer amém as decisões de Dilma,mas não vamos usar de baixarias para atacar quando não simpatizamos com esse o aquele ministro, fritando a criatura com paixões que só vemos nas manchetes feitas por jornalistas tiranos do pig.

Miguel do Rosário disse...

Oi Allysson, eu e um amigo gostamos de chamar o Obama de afronegão, carinhosamente. Mudou agora para afronego, para variar. Se fosse oriental, chamaríamos japa, se fosse branco, branquelão, ou então nada porque presidente branco nos eua não tem nada de original.

Anônimo disse...

"Onde termina o que poderíamos chamar uma viril convocação à uma moral socialista e começa o velho pobrismo eunuco pequeno-burguês?"

Olá, caro blogueiro, você poderia trocar em miúdos o que é uma coisa e outra? Sem um esclarecimento, eu fico achando que me enquadro na segunda opção.

Grato, e parabéns pela naturalidade com que escreve.
Roberto

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