9 de fevereiro de 2008

David venceu Golias


Caravaggio, David e a cabeça de Golias


A história da vitória do pequeno e frágil David contra o gigante Golias é uma das mais belas do Velho Testamento. Trata-se de um mito poderoso, que simboliza a força da coragem e da inteligência contra a arrogância e a brutalidade. David venceu o gigante e tornou-se rei. Não apenas isso, tornou-se um dos soberanos mais poderosos e mais sábios da história do povo judeu.

Nesta madrugada de sábado do dia 8 de fevereiro, os pequenos Davids da blogosfera tivemos uma importante vitória contra os Golias da grande mídia. O escândalo dos cartões corporativos ameaçava tornar-se mais uma crise política a ser usada no interesse de determinadas forças partidárias retrógradas e reacionárias. Através de uma intensa mobilização da blogosfera política, a crise foi revertida. Em parte ao menos. O Jornal Nacional e o Jornal da Globo, os dois principais noticiários televisivos do país, anunciaram que o Estado de São Paulo gastou 108 milhões de reais com cartões corporativos, enquanto o governo federal gastou R$ 75 milhões. A Folha noticiou na primeira página e o Estadão em seu miolo. Falta o Jornal O Globo também dar a notícia.

Não se trata de lançarmos todos na lama e isso constituir uma vitória, mas de mostrar à sociedade que o uso de cartões corporativos é um fato normal, uma rotina dos executivos nacionais, não constituindo, em si, um crime contra o patrimônio público ou "farra". Há problemas com cartões como há problemas com qualquer outro gasto público, com a diferença de que, com o cartão, os problemas são facilmente identificáveis e, portanto, controlados.

Alguns usam esse fato - da imprensa ter dado destaque ao uso de cartão corporativo pelo governo de São Paulo - tentando desmerecer a análise de que temos uma imprensa tendenciosa e golpista. Não é tão fácil. Um bandido não deixa de ser bandido porque ajudou uma velhinha a atravessar a rua depois de assaltar o posto de gasolina. A imprensa sofre pressão da opinião pública. O golpismo de nossa imprensa não é uma escultura de bronze. Ele toma formas diferentes a cada momento e, sobretudo, é moldado pelo caráter golpista de setores da elite. Mas a própria elite não é um bloco homogêneo. O site do Globo publicou enquete perguntando se a CPI dos Cartões deveria investigar também o governo FHC. Dei uma olhada nas opiniões e mais de 90% delas diziam que sim, que queriam a investigação sobre o mandato anterior, e muitos pediam CPI também para o processo de privatização, para a crise cambial, etc. Ou seja, ao produzirem tensão política, os jornais se viram diante de uma realidade inexorável: grande parte de seus leitores, de classe média, bem informados, vem se tornando, mais e mais, fortemente críticos ao que identificam como manipulação ideológica das notícias. Não é questão de botar a mão no fogo pelo governo Lula. A história dos cartões é interessante. Os tais cartões, justamente por serem transparentes, devem ter seu uso monitorado pela sociedade e pela imprensa. Mas o tom usado foi agudo demais. É abusar da capacidade de indignar-se dos cidadãos criar uma pantomina por causa de uma tapioca de R$ 8 cujo valor já foi há muito devolvido. O cidadão brasileiro não perdeu a capacidade de indignar-se. Mas existe uma escala de valores para se indignar. Se formos nos indignar por cada tapioca (com valor devolvido, não nos esqueçamos), onde iremos parar? Há crianças morrendo de fome nas ruas. Há roubalheiras bilionárias. As taxas de juros continuam extorsivas. Os spreads bancários são indecentes. Etc, etc, etc. Definitivamente, há tapiocas maiores para nos indignar.

O que aconteceu, neste caso dos cartões, é que a euforia da direita ficou evidente demais. Foram com demasiada sede ao pote. Tentaram iniciar o ano legislativo com um novo mensalão. Nada mais conveniente para abafar as notícias positivas que pipocam no noticiário econômico. O crescimento do PIB em 2007 é algo que a oposição e a imprensa reacionária não engole. Não engolem também a descobertas dos megacampos de petróleo e gás. Os reservatórios de água do país voltaram a subir, eliminando qualquer risco de apagão elétrico por 2 ou 3 anos - enterrando a crise energética que fazia parte da orquestra sinistra que a mídia vinha regendo há alguns meses.

Nas últimas semanas, a blogosfera tem acompanhado as ações da mídia em busca de pretextos para desgastar o governo. O caso da febre amarela constituiu um crime que não esqueceremos. Alguém tem que pagar pelo pânico provocado, pelo prejuízo à saúde pública e à imagem internacional e, sobretudo, pelas mortes de pessoas incitadas pela mídia a se vacinarem sem necessidade. A tal Eliane Cantanhede deve pagar, de alguma maneira, por sua irresponsabilidade. Creio que ela deve estar tendo, se tiver um pingo de auto-crítica, alguns pesadelos com o episódio. Não é só ela. Lembro de editorial do Globo em que o jornal procurava minar a confiança das pessoas nas informações do governo, mesmo após especialistas diversos, não ligados ao governo, terem afirmado de que a situação estava absolutamente controlada.

Esses fatos, creio eu, devem ter contribuído expressivamente por esse recuo estratégico da imprensa. Mas não nos deixemos iludir. Uma imprensa que não festeja a descoberta de campos gigantes de petróleo e gás e torce contra as grandes obras de infra-estrutura do PAC, que fomenta pânico na população por epidemias não existentes, não merece nossa confiança. A confiança é um patrimônio que se conquista com o tempo.

O caso dos cartões, por exemplo, ainda não terminou. Defendo que os funcionários que tiveram seus nomes expostos na mídia, sem que tenham cometido nenhuma irregularidade, sejam ressarcidos moralmente. Temos uma parcela crescente da população insatisfeita com as táticas da mídia. Cada vez que a mídia ataca um político, uma instituição, um funcionário, em sua luta cega, histérica, birrenta e infantil contra o governo Lula, ela aumenta o número de pessoas críticas à sua atuação. A Marinha, por exemplo. Imagino que os funcionários da Marinha devem estar revoltadíssimos pelo Globo ter exposto a instituição à execração pública por gastos irrisórios, como chocolates, adquiridos para presentear esposas de altos oficiais estrangeiros em visita ao território nacional. O mesmo acontece com centenas de outras instituições.

Hoje o Arnaldo Jabor, em seu comentário no Jornal da Globo, quase não fala do caso dos cartões, naturalmente por causa das inevitáveis implicações com o governo estadual do PSDB. Jabor diz que os cartões são um problema menor em função dos bilhões roubados pelas Ongs. Quanta irresponsabilidade. Claro que é importante que as Ongs que prestam serviço ao governo federal sejam monitoradas, mas daí a partir para esse ataque generalizado é uma leviandade absurda, porque bota no mesmo saco Ongs honestas e não honestas. Ou seja, mais um setor entra na lista negra do Globo. Executivo, judiciário, legislativo, movimentos sociais, militares, e agora as Ongs. Quem fica de fora da inquisição global?

A imprensa recuou neste episódio dos cartões em virtude da batalha movida pelos cidadãos, sobretudo através da internet. Mas voltará a atacar. A nossa mídia não descansará enquanto não atingir seu objetivo maior: eleger José Serra para a presidência da república. Ela pode até conseguir, mas não será fácil. A blogosfera está atenta. Estamos criando uma nova mídia. Uma mídia libertária, que toma partido sim, mas que, neste sentido, é franca, flexível, sempre pronta para ajustar suas idéias à realidade, desde que os interesses nacionais assim o exigirem. A mídia direitista tentou transformar o pragmatismo da esquerda num defeito, numa fraqueza. É sempre assim. O pragmatismo na direita é considerado uma força, uma qualidade. Na esquerda, é uma venalidade. Tentam associar esquerda e totalitarismo, quando todos os governos totalitários da América Latina foram direitistas. Tentam associar esquerda e ignorância quando a maioria dos grandes intelectuais, artistas e poetas da América Latina foram homens de esquerda: Pablo Neruda, José Martí, Castro Alves, Drummond, Ferreira Gullar, Niemayer, Cortázar, Jorge Amado, Oswald de Andrade, Lima Barreto, Antônio Cândido. E os que não eram de esquerda, foram injustamente chamados de reacionários porque havia, de fato, uma esquerda muito pentelha e patrulhadora em determinada época, do tipo "não está comigo, está contra mim", que não aceitava figuras independentes ou mesmo apolíticas.

O mais importante de nossa batalha é que a América Latina, finalmente, está superando algumas de suas terríveis mazelas históricas. O desemprego declina em todo continente e observa-se um prodigioso processo de renovação industrial. Um economista ou jornalista econômico mininamente honesto tem de admitir que o Brasil, em particular, vive um momento raramente visto na história: crescimento industrial acelerado, inflação baixa, juros em queda, formalização do mercado de trabalho, melhora na distribuição de renda, autosuficiência energética e descobertas de campos de petróleo, construção de hidrelétricas, reservas cambiais recorde, dívida pública em queda, sem dívida com FMI ou Banco de Paris, prestígio internacional - com perspectiva de ingressar no Conselho de Segurança da ONU.

As coisas estão acontecendo. Por isso, é tão irritante que a mídia procure estragar tudo por conta de sua histeria anti-petista. As elites brasileiras precisam se acostumar à existência do PT. Quando lemos manifestações políticas, de leitores ou blogueiros, que maniqueízam da forma mais imbecil os problemas brasileiros: atribuindo todos os males nacionais a um abstrato "petismo" e usando o termo "petralha" como ofensa definitiva, pode-se constatar que parte da sociedade ainda se apega a uma mentalidade colonial, escravagista, além de alimentarem um dogmatismo estúpido e inflexível. Fala-se petralha como quem se refere a um "judeu sujo", a um "negro boçal", como se tratasse de uma raça inferior da qual nada se espera de bom ou útil. Trata-se de uma intolerância radical, nazistóide, monstruosa, e as suas vestes de alta cultura não lhe escondem os chifres, rabos e demais deformidades. Aliás, sem querer ser racista, mas repare que o PSDB é um partido exclusivo de brancos azedos. Não tem um moreno, nem um moreninho claro. E como escolhe seus líderes e candidatos? Através de jantares em restaurantes de luxo. Grande partido democrático. O DEM, por outro lado, tornou-se um partido hereditário, oligárquico, com seus principais quadros "herdando" capital político de seus pais e avós (ACM Neto e Rodrigo Maia, para citar apenas dois exemplos).

Num país com milhões de pobres, seria óbvio que a tendência política penderia para o trabalhismo, não? Se em países como Inglaterra, França, Itália e Alemanha, com suas sociedades altamente desenvolvidas, com poucos pobres, os partidos trabalhistas, socialistas e comunistas são poderosos e respeitados, porque isso não ocorreria nos países latino-americanos?

Diante do crescimento industrial que assistimos no governo Lula, com a consolidação de um vigoroso mercado de massas, perguntamo-nos porque o conservadorismo tupi ainda mantém um discurso incoerentemente ideológico, vendo fantasmas comunistas embaixo da cama e no fundo de baús empoeirados. O que os governos de esquerda estão realizando, neste momento, é uma grande recuperação econômica. O PIB dos países latinos sob governos de esquerda duplicaram. Os países latinos estão mais ricos, mais desenvolvidos, mais felizes. O Brasil voltou a ser olhado como uma grande potência. Os programas sociais do Brasil estão sendo copiados no mundo inteiro, diz a prestigiada The Economist, inclusive em Nova York. Que mais querem os conservadores?

A luta política, no entanto, faz parte da natureza do homem civilizado. Essa tensão política tem seu lado positivo. A paz às vezes não passa de uma quimera grotesca de um homem doente de preguiça e covardia. O homem está sempre em luta contra alguma coisa. Contra si mesmo, contra o mundo, contra a mídia, contra o governo. É nesta luta que ele forja a sua liberdade. Acredito que vivemos, no Brasil, um momento histórico interessante. Dentre os países do chamado terceiro mundo, temos as melhores condições industriais para deflagrarmos um processo de avanço social sustentável e acelerado. Uma revolução, se preferirem. Mas sem sangue derramado. Apenas o sangue de nossas angústias reunidas, convertidas em fúria intelectual e entusiasmo ideológico.

A dialética da natureza é maravilhosa. A revista Veja, por exemplo. Ao usar dos métodos mais espúrios, seja através de suas reportagens mentirosas, seja através de seus colunistas vendidos, a Veja conseguiu reunir uma notável energia social. Produziu-se uma blogosfera e um bloco de jornalistas célebres, que se uniram em torno de uma "causa", que é derrubar, ou ao menos debilitar, a ditadura midiática que vivemos no Brasil.

3 comentarios

Anônimo disse...

Puts, a melhor coisa do mundo é acordar e ler um texto desses!

Tem dia que a gente nem sabe mais o que está acontecendo. Agora posso ir pra praia pois sei que tem gente normal por aí!!! :P

Bom dia pra você também!!

Anônimo disse...

Caro Miguel, mais uma precisa reflexão. Tô passando adiante.

Wilson Cunha Junior

Anônimo disse...

Caro Miguel,

Postei em meu blog, agora há pouco, matéria de extrema gravidade, escrita por Sebastião Nery, na Tribuna da Imprensa de hoje. Lá, ele diz, baseado num livro de uma jornalista francesa, que FHC é agente da CIA desde 1969. Grave, gravíssimo! É caso de crime contra a segurança nacional! Leia e repasse. Assim como botamos o PIG nas cordas, no caso dos cartões corporativos, vamos levar a blogosfera a ir fundo nessa questão!

Abraço do Igor

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