11 de fevereiro de 2008

Não, Paulo, Tropa de Elite não é fascista


O PHA é um dos caras mais engraçados, mordazes e inteligentes do jornalismo político brasileiro. Morro de rir com as invenções dele. Mas, desta vez, discordo desse post do Paulo, sobre o filme Tropa de Elite. Publiquei minha contestação lá no blog dele, e reproduzo aqui também o que escrevi.

Leia a nota de PHA sobre o Tropa de Elite.

Não entra nessa, PHA. Tropa de Elite é um filme bem feito. Não é porque um gringo falou que está certo. Então Taxi Driver também é fascista e a lista será imensa. Veja o filme 174, do mesmo diretor José Padilha. Nenhum diretor que tenha feito 174, seria capaz de fazer um filme fascista. Fascista é Sexo com Amor, do Wolf Maya. Tropa de Elite não foi sucesso entre a elite não. Foi sucesso entre o povão que, livre de vícios ideológicos e intelectualóides, curtiu o filme pelo que ele é: uma história de polícia contra ladrão.

O filme mostra uma polícia corrupta e violenta. Para mim isso é denúncia, não fascismo. O fascismo está em quem se identifica com o Capitão Nascimento. O filme não é moralista, mas desde quando a arte boa se submete a moralismos. Aliás, em nome do moralismo se fazem as piores barbaridades. Amorim, o filme é bom, fez sucesso entre o povão, entre a classe média e as elites. Produziu polêmica enorme no Brasil e agora está produzindo lá fora.

A crítica desse gringo é a mesma que alguns fizeram aqui, o que obrigou Padilha a participar de centenas de debates, dando sua cara a tapa, para defender o seu trabalho. E o fez com muita galhardia e inteligência. Viva o cinema brasileiro. Não a opinião do primeiro gringo que vai enterrar um dos melhores filmes feitos em 2007. É um filme violento, e daí? A realidade das favelas cariocas é violenta demais para ser abafada com xaropadas românticas ou elocubrações intelectualóides.

O que me chateia é que agora vão dizer que a "esquerda" não gosta do Tropa de Elite. Falar da ditadura do "politicamente correto", etc, etc. Que se critique Tropa de Elite, mas que seja uma crítica mais séria, mais específica. Chamar de fascista é falacioso. Nenhum filme é fascista. Fascismo é uma política de Estado. Até existiu uma estética fascista, mas ela nunca chegou perto da voluptuosidade subversiva de um Tropa de Elite. Qual o sentido chamar de fascista um filme que denuncia a corrupção policial?

7 comentarios

Anônimo disse...

Pois é, também comentei lá no site dele. É um erro, é um ótimo filme e que arrasa com a velha história de que a polícia sofre por "alguns" maus policiais. Ele mostra como a polícia é a grande entidade organizadora do crime no país. Do secretário de segurança até o reboque, todos tiram um naco. A organização funciona é pra isso, o resto (combate ao crime) é discurso (e aí ta o fascismo do capitão).

E o comportamento de amizade com o crime de alguns jovens da classe média e alta é exatamente tão prejudicial quanto a amizade com o crime por parte de políticos, governantes e vips nos camarotes de carnaval. Ambas são fenômenos muito parecidos. Até nesse ponto o filme acerta.

Isso sem falar na delícia de assisti-lo acima de todas as considerações. A narração mostrando cada passo de como funcionam as chantagens e roubalheiras do dia-a-dia me lembrou Scorcese em Casino: o crupiê vigia o jogador, o gerente vigia o crupiê... e assim por diante.

muito bom

André Lux disse...

Miguel, desta vez eu discordo da sua opinião. "Tropa de Elite" acaba sim sendo um filme fascista, não por mostrar uma suposta realidade, mas sim por causa da forma como ela é mostrada.

O problema é a estrutura narrativa que o diretor adotou, especialmente na parte final, que é igual a dos filmes de ação de Hollywood, tipo "Rambo II" e afins, onde a platéia é levada a torcer pelos "heróis".

Pode até ser que o Padilha não tenha tido essa intenção, mas a verdade é que ele usou de recursos narrativos idênticos a esses filmes que citei. Ninguém tem problema em dizer que o Rambo ou o Jack Bauer, do "24 horas", são fascistas, mas já no caso do "Tropa de Elite"...

Repare que as reações do público em geral ao "Tropa" estão sendo iguais às que vemos em filmes do Stallone, Schwarzeneger, Segal, Norris e afins. Vamos dizer então que a culpa é do público que "que não entendeu" a intenção do diretor?

"Cidade de Deus", em comparação, é um filme que mostra a realidade do país, mas lança mão de recursos narrativos que fogem completamente aos esquematismos holywoodianos. E é justamente isso que o torna tão especial e memorável.

E eu não vi ninguém batendo palma para os "heróis" (até porque não existem heróis na narrativa), muito menos usando o filme como justificativa para ações truculentas e desumanas da polícia...

Miguel do Rosário disse...

André, torcer pelo protagonista do filme é normal, mesmo que seja ele um bandido. Há filmes em que se torce até por psicopatas. Sem querer entrar no clichê: esquerdista torce pra bandido, direitista torce pra polícia, acho que neste caso há um preconceito contra a polícia. Por que ela não pode ser herói, mesmo sendo bandida? De qualquer forma, dizer que o filme é fascista é, na minha opinião, conceitualmente errado. Vamos agora criar uma caça às bruxas? Um machartismo estético às avessas, fuçando elementos, narrativos, imagéticos, melódicos, que sugiram que o filme é fascista? É uma ficção. A meu ver, muito melhor que Rambo, ou outros milhares de filmes americanos que mostram policiais, militares e espiões violentos matando russos, coreanos, árabes e demais "inimigo". Mas não acho que exista, hoje, filme fascista. É um epíteto absurdo. Há filmes ruins, filmes bons, filmes de propaganda. Há, claro, filmes que agradam mais à esquerda e outros que agradam à direita, e filmes que agradam ambos. Eu gostei de Tropa de Elite e acho que a interpretação sobre a narrativa "fascista" é, no mínimo, duvidosa e, portanto, inconsistente. O filme denuncia, como nenhum outro, a corrupção policial. E Padilha está lá na Europa defendendo abertamente a liberação das drogas no mundo, uma bandeira que passa longe de qualquer bandeira de familia, tradição e religião, a tríada sagrada do fascismo. E o livro Tropa de Elite, é fascista também? Não, é um livro extremamente corajoso, cujos autores sofreram até risco de vida, por conta das revelações bombásticas sobre a corrupção na polícia fluminense. Não esqueça de que no filme assim como no livro, a corrupção está em todos os níveis, mas sobretudo no topo da cadeia de comando. Ninguém é mocinho no filme, nem a polícia, nem o bandido, nem os consumidores, nem as ongs, nem os políticos. A identificação e a torcida pela polícia faz parte da dinâmica e acho normal. Segundo a tradição narrativa moderna, a riqueza, carisma, profundidade e verossimilhança de um personagem resultam justamente da habilidade do autor em produzir um ser humano contraditório e angustiado, moral e psicologicamente, como somos todos nós. Por isso a identificação. Além do mais, todos hão de admitir que não é fácil, sobretudo sob o aspecto moral, ser um policial no Rio de Janeiro. Com salários baixos, sem armas modernas, sem infra-estrutura, sem moradias decentes, sem segurança pessoal e para sua família, com chefes corruptos, ainda enfrentam uma grande hostilidade. Ser policial hoje é um tremendo subemprego. Uma tremenda furada, e o filme de Padilha ajuda a entender um pouco disso. Mas, fora essas elocubrações políticas, é um filme que fez um sucesso estrondoso em todo país. As pessoas gostaram, se divertiram, ou seja, um filme brasileiro produziu felicidade e prazer para milhões de pessoas. Pode-se considerá-lo fascista e amargar, chorosamente, a decadência moral da classe média, a ignorância do povão e o cinismo dos ricos. Ou pode-se, mais objetivamente, qualificá-lo de forma mais simples: é um filmão, tecnicamente bem feito, com uma narrativa bem amarrada e personagens verossímeis. Enfim... é isso. Abraço, Miguel

André Lux disse...

Miguel, entendo seu ponto de vista e concordo que classificar uma obra de arte de "fascita" é algo um pouco redutor demais.

Porém, como tentei demonstrar antes, "Tropa de Elite" falha justamente naquilo que deveria ser seu principal foco: humanizar os personagens a fim de tornar as barbáries mostradas ainda mais terríveis. Eles tentam isso com a narração do Capitão Nascimento. Só que ela é totalmente incoerente com o que vemos na tela (sem dizer que ele narra fatos que jamais teria como saber), deixando o filme esquizofrênico em sua essência.

A corrupção da polícia pode até ser mostrada de forma realista, mas essa abordagem torna-se ridícula no que diz respeito ao BOPE, que é apresentado com incorruptível e moralmente irrepreensível - afinal eles só torturam e matam, no filme, bandidos confessos e seus apoiadores! E está aí o argumento que mais agrada a direita hidrófoba.

O fato da turma da direita e seus papagaios torcerem para os supostos heróis do filme (que no fundo são tão bandidos quanto aqueles que torturam e matam) apenas diz respeito à realidade mundail atual. Mesmo nos filmes mais pró-imperialismo dos EUA de antigamente jamais veríamos o suposto herói praticando tortura, mas sempre recebendo. Hoje temos aí o Jack Bauer e afins distribuindo torturas numa boa. Ecos óbvios do domínio dos neocons extremistas sobre Washington.

E já vi filmes onde o diretor não manipula a platéia para "torcer" para algum personagem. "Cidade de Deus" me vem à mente. Mesmo que simpatizemos com o protagonista, ele nunca é agente ativo na história, servindo mais como testemunha dos fatos e em momento algum a narrativa tenta nos manipular para torcer para algum personagem. Tanto é que todos eles, bonzinhos ou bandidos, nos comovem de alguma maneira.

"Tropa de Elite" passa longe disso. É um problema puramente estético mesmo, de falha da estrutura narrativa do filme. Na minha opinião, é claro...

Não li o livro, portanto, não posso opinar sobre ele.

O Anão Corcunda disse...

Não vi Tropa de Elite, mas achei Cidade de Deus uma porcaria. Engraçado é que tudo que o André Lux acusa, em termos de narrativa, no Tropa, está lá no Cidade, hollywood até o talo. Aquele personagem principal, o fotógrafo, boa praça, inocentezinho, que ganha a vida sem passar pela bandidagem, o mocinho moralista "quero ser fotógrafo". Fora o tom de Globo Repórter que percorre o filme todo, e a trilha sonora "gueto chic pra gringo ouvir".

Miguel do Rosário disse...

Corcunda: Não acho Cartola, James Brow, Raul Seixas, música de gueto chique. E se for, então, eu adoro "gueto chique". Aliás, adorei essa expressão. E já que voce botou Cidade de Deus na roda, aí vai um texto que escrevi sobre esse filme, que é, de longe, o filme mais visto e mais apreciado do cinema brasileiro em todo mundo.

http://hellbar.blogspot.com/2008/02/volta-do-marginal.html

O Anão Corcunda disse...

Do jeito que as músicas são recortadas pelo filme, viram música de gueto chique (para gringo ouvir!, eis a expressão completa).

O que importa é o recorte, sempre. E o do filme é de um didatismo, ao meu ver, execrável, cheios de lugares comuns, tratando o espectador como um débil mental. "Olha aqui, espectador, sua anta, é década de 70, não tá ouvindo o James Brown não?".

E aí nem Cartola se salva, nem James Brown, talvez nem Bach se salvasse, nem Pixinguinha.

Além disso, esse historicismo didático, ainda mais quando só lança mão dos hit parades, me soa como uma puta falta de criatividade e falta de pesquisa.

Por isso, quando eu vejo o Evangelho Segundo São Mateus, do Pasolini, vou ao delírio ao escutar uma guitarra (meio blues) no meio da Palestina na época de Cristo, uma música quase imperceptível, que tá lá no fundo fazendo um papel importante, que certamente não é o de vender trilha sonora.

Quanto ao ensaio no Hellbar, acabei de ler: achei que fosse de outra pessoa!

Discordo totalmente do texto. Acho que Cidade de Deus não tem nada de "estética negra", só se for a do Michael Jackson pós-sabão-em-pó. O filme é branco até a alma. E muito menos de "estética marginal": marginal é o Bandido da Luz Vermelha, marginal é o Terra em Transe, marginal, ao meu ver, é justamente aquilo que não entra, que não encaixa no senso comum. E Cidade de Deus é justamente a hegemonia estética do senso comum. Como você bem disse, de "dar inveja aos melhores técnicos de Hollywood" - nessa hora você entrega o ouro e põe o CDD no seu devido balaio estético: um aspirante a Hollywood, talvez melhor que a grande maioria do que vem de lá (o que não é muito difícil, convenhamos né?). No máximo, uma boa imitação do que tem de menos pior por lá.

(Isso sem esquecer que a Globo Filmes tinha um claro e notório objetivo com Cidade de Deus: ganhar o Oscar) [ponto parágrafo]

Achei também que as analogias do filme com mitologia ficou uma grande forçação de barra, assim como todo o pretenso "realismo" da obra. Essa busca por "realismo", ao meu ver, na grande maioria das vezes cai em um lugar obsessivo, positivista, catalogador, anti-artístico. Como se fantasia fosse antônimo de realidade!!! Lembro que eu ouvi o seguinte comentário na saída do filme, quando o assisti: "Finalmente um filme que mostra a realidade". Ora, bolas. O centauro no início do Medéia, discursando sobre a modernidade, é menos realidade que a galinha sendo perseguida pra fazer churrasco? As pudicas pornochanchadas dos anos 80 mostram menos realidade que a pornografia bizarra dos anos 2000, com câmeras dentro de úteros? A loucura de um asilado é menos realidade que o discurso higienista de um bancário? O sonho é menos realidade que as artimanhas da consciência?

Por isso, quando você diz que Corisco e Manuel são produtos de fantasia, enquanto Zé Pequeno é um ser "autônomo, real, auto-referente, personagem nascido pronto", acho que você cai no imenso erro de achar que existe obra de arte sem fantasia. Se for verdade o que você diz sobre os personagens de Cidade de Deus, e talvez seja, então não é um filme, é um comercial de refrigerante (aliás, o filme todo me parece um grande comercial, um grande videoclipe feito pro Disk MTV, pras paradas de sucesso). Bom, se vermos as coisas sob esse prisma, não podemos deixar de concordar: nisso, o filme é muito bem sucedido...

(Isso tudo sem desmerecer comerciais de refrigerante, que podem ser ótimos)

Outra coisa: "Filme universal", cuja primeira tomada é de um lugar "atemporal", "divino"? Tudo bem você ter gostado do filme, mas não precisava exagerar tanto...

E, por fim, quando você diz que é o filme do cinema brasileiro mais visto e apreciado em todo mundo, acho que isso nos indica alguma coisa sim, até mesmo algo sobre a qualidade do filme: só não sei se a favor ou contra...

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