12 de outubro de 2006

Harold Bloom com vista para o morro da Mangueira

Ontem passei algumas horas na varanda da biblioteca da Uerj, local que frequento há muitos anos. A vista dá para o morro da Mangueira, imponente e cheio de personalidade, o metrô, o trem, ao fundo a baía de guanabara e a ponte rio-niterói.

Fiquei lendo O Cânone Ocidental, de Harold Bloom, famoso crítico literário norte-americano. Bloom defende uma visão eminentemente estética da arte, ou seja, que contemple a arte sem falsos moralismos ou viciados sociologismos.

Interessante notar que Bloom, a despeito de sua erudição, procura dismistificar qualquer suposta superioridade do homen "intelectual" frente aos demais cidadãos. O estudo dos clássicos, ou cânone, não nos tornaria pessoas melhores. Pelo contrário, se baseássemos nossa moral apenas no estudo dos clássicos nos tornaríamos monstros de egoísmo, diz ele.

A afirmação de Bloom me fez lembrar de inúmeros "intelectuais" brasileiros metidos a besta e a publicistas políticos, que se gabam tanto de seus conhecimentos literários, apesar do péssimo uso que fazem deles. A ideologia é burra, é um dos lemas da nova direita, omitindo de si mesma que a máxima vale tanto para a esquerda quanto para a direita.

Bloom não se ocupa de que forma os homens podem se tornar melhores. Seu campo é a estética, e para operar livremente ele afasta qualquer inferência moral ou política da análise literária.

Antônio Cândido, o famoso crítico brasileiro, não é tão peremptório quanto Bloom. Cândido tentará realizar uma síntese dialética entre a análise literária puramente estética, defendida por Bloom e a sociológica, defendida por outros autores.

Confesso que me inclino mais para a posição de Bloom, embora reconheça a coerência lógica do entendimento de Cândido, cuja estrutura teórica, inclusive, me parece melhor indicada para dar conta das transformações inerentes ao uso da internet como veículo de comunicação literária.

A grande novidade da internet, no terreno da literatura, a meu ver, é a interação, que transforma a maneira como lemos e, consequentemente, também irá mudar a forma como escrevemos um texto.

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Frases interessantes pescadas no livro de Bloom:

"Resenhar livros ruins, observou certa vez W.H.Auden, faz mal ao caráter".

"Ler os melhores escritores, digamos, Homero, Dante, Shakespeare, Tosltói, não nos tornará melhores cidadãos".

"A arte é inteiramente inútil, segundo Oscar Wilde, que geralmente tinha razão a respeito de tudo".

"Toda má poesia é sincera".

"O Cânone Ocidental, seja lá o que for, não é um programa de salvação social".

"A gente só entra no cânone pela força poética, que se constitui basicamente de um amálgama : domínio da linguagem figurativa, originalidade, poder cognitivo, conhecimento, dicção exuberante".

"Se lermos o Cânone Ocidental para formar nossos valores morais, sociais, políticos ou pessoais, creio firmemente que nos tornaremos monstros de egoísmo e exploração".

"Ler a serviço de qualquer ideologia é, em minha opinião, não ler de modo algum". (essa vale para certo jornalista político que acha que Dante e Robert Musil escreviam para defender o PSDB)

"Ler a fundo o cânone não nos fará uma pessoa melhor ou pior, um cidadão mais útil ou nocivo".

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Artigos políticos que aconselho neste feriado:

1) Perguntas de um trabalhador que lê... a "Folha de S. Paulo" .
2) O dossiê do dossiê III: a reviravolta
3) 4 perguntas sobre ética jornalística

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O romance Assunção de Salviano, de Antônio Callado, é uma sucessão de clichês. A escrita de Callado é elegante, como sempre, mas a história em si é fraca. Além disso, há um artificialismo visível no texto, como se pudéssemos enxergar suas engrenagens íntimas. O romance conta as aventuras de uma célula comunista em Juazeiro, Bahia, que trabalha para produzir um foco revolucionário no Nordeste. Um dos "quadros" simula uma conversão religiosa e torna-se um "profeta", uma espécie de Antonio Conselheiro, pregando a fé e a revolução social. Ocorre que Manuel Salviano acaba assumindo de verdade o papel que lhe cabia apenas representar e passa a acreditar em Deus, pregando cada vez menos a revolução e mais a salvação da alma. As multidões passam a venerá-lo e até milagres acontecem. O enredo em si não é mal, apesar de ser um tanto forçado (o autor queria incluir luta de classes, comunismo, revolução, na história, certamente por serem, na época, temas polêmicos). Os defeitos são muitos, mas pode-se resumi-los por: diálogos banais, dicção pobre, trama medíocre e inverossímil e personagens simplórios, maniqueístas, previsíveis.

6 comentarios

O Anão Corcunda disse...

Caro Miguel,
pra enriquecer a batalha, tô te passando a "Técnica do Crítico em Treze Teses", de Walter Benjamin:

A técnica do crítico em treze teses

I. O crítico é estrategista na batalha da literatura.
II. Quem não é capaz de tomar partido tem de calar-se.
III. O crítico não tem nada que ver com o intérprete de épocas artísticas passadas.
IV. A crítica tem que falar na língua dos artistas. Pois os conceitos do cenáculo são senhas. E somente nas senhas soa o grito de batalha.
V. Sempre a “objetividade” tem de ser sacrificada ao espírito do partido, se é digna disso a causa em torno da qual se trava a batalha.
VI. A crítica é uma causa moral. Se Goethe não reconheceu Hölderlin e Kleist, Beethoven e Jean Paul, isso não concerne seu discernimento artístico, mas sua moral.
VII. Para o crítico são seus colegas a instância superior. Não o público. Menos ainda a posteridade.
VIII. A posteridade esquece ou celebra. Só o crítico julga no rosto do autor.
IX. Polêmica significa aniquilar um livro em poucas de suas frases. Quanto menos se o estuda, melhor. Só quem é capaz de aniquilar é capaz de criticar.
X. A polêmica genuína põe um livro diante de si tão amorosamente quanto um canibal prepara para si um bebê.
XI. Entusiasmo artístico é alheio ao crítico. A obra de arte em suas mãos é a arma branca na batalha dos espíritos.
XII. A arte do crítico in nuce: cunhar palavras de ordem sem trair as idéias. Palavras de ordem de uma crítica insatisfatória traficam os pensamentos com a moda.
XIII. O público deve ser constantemente injustiçado, e no entanto sentir-se sempre representado pelo crítico.

(Benjamin, “Rua de mão única”, p. 33)

Miguel do Rosário disse...

valeu anão. muito interessante!

Anônimo disse...

Miguel, estou lhe enviando link do post de autoria de Mino Carta. Ele fala de "fato e foto", a bandidagem do delegado Edmilson Bruno. Imperdível. O assunto não tem muito a ver com o seu post, um comentário portanto como que alheio ao assunto em pauta. É que é bom que saibamos que, o que era apenas desconfiança, revela-se fato. O blog do Mino é o http://blogdomino.blig.ig.com.br

http://z001.ig.com.br/ig/61/51/937843/blig/blogdomino/2006_10.html#post_18659157

Anônimo disse...

esqueça o link do post, melhor acessar o blog e ler o artigo. É que o link ficou cortado

Anônimo disse...

José Lima, no blog do Dirceu http://blogdodirceu.blig.ig.com.br há um artigo interessante sobre o assunto. O cerco está se fechando contra esta estes trambiqueiros do PSDB/PFL. O link

http://z001.ig.com.br/ig/45/51/932723/blig/blogdodirceu/2006_10.html#post_18659386

Vamos ver se entra todo o link neste espaço

Anônimo disse...

Miguel, no meu blog http://abandon.zip.net faço=falo=vejo arte. Desculpa se no momento, ao invés de tecer comentários acerca do seu artigo, falo de política. É que tenho novidades.

Veja lá. Um dos meus amigos meus amigos, advogado da União. Aposentou-se recentemente. Ganha por volta de 10 mil reais. Por conta da reforma da previdência, passou a ser feito um desconto na sua remuneração. Foi este o motivo que o levou a desligar-se do PT. Hoje milita no PSOL para onde fez de tudo para me levar. Ponderei com ele que, quem sabe depois, que por enquanto continuava acreditando no PT. Hoje conversando com ele, o mesmo me disse que votará no PT por um único motivo: não quer a volta do PSDB ao poder. Só mesmo quem é desmiolado vota no PSDB, pois não tem cabimento o que eles fizeram. Segundo este mesmo amigo, eles venderam a Vale do Rio Doce e outras empresas, se é que se pode se chamar isso de venda. A Vale foi vendida com deságio de mais de 80 bilhões. Ele disse "cadê esta dinheirama?". O mesmo afirmou ainda que o governo arcou com os tais esqueletos da privatização: débitos trabalhistas, fiscais, etc. Ele arremata dizendo "isto não é venda. É doação."

PS: eu também sou formado em direito. Mas como me falta um parafuso na cabeça, me formei mas nunca fui buscar o diploma. Também me formei em artes visuais e nunca fui buscar o diploma. Sabes o motivo? Preguiça! Sei lá. Só faço coisas que me dão prazer. Não me vejo retornando àqueles locais para buscar um diploma. Posso até voltar, mas prá fazer outro curso. Quem sabe, de letras? Desde que eu não tenha que buscar o diploma, para mim a parte mais difícil. Será que me falta algum parafuso na cabeça?

Abraço,

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