3 de novembro de 2008

Quando voam as cegonhas




Em 1957, o mundo assistiu, embevecido, o novo filme do diretor russo Mikhail Kalatozov, Quando voam as cegonhas. O título não tinha muita ligação com o enredo. A mocinha protagonista gostava de contemplar as cegonhas voando no céu, em formação, e cantar uma musica que falava nesses pássaros tão peculiares, que passam o ano atravessando o país para fugir do terrível inverno asiático. Em breve, a felicidade dela se transformará em pesadelo, por causa dos ataques nazistas à União Soviética, que levam seu noivo a se alistar no exército e sumir de sua vida.

Penso nesse filme ao analisar os resultados das eleições municipais deste ano. As cegonhas observadas pela jovem russa não informavam nada sobre o futuro de dor e solidão que a guerra lhe traria. Assim os resultados eleitorais. Pode-se interpretar o vôo dos candidatos sob inúmeros aspectos, mas o que acontecerá daqui pra frente, as batalhas políticas e intempéries a ser enfrentadas pelos cidadãos, é impossível prever. Se não podemos saber para onde voam as cegonhas, contudo, podemos especular sobre o que vemos: o ritmo com que batem asas, sua velocidade, a altitude de seu vôo, quem é o líder, etc.

Gostaria de compartilhar alguns pensamentos sobre as eleições em duas cidades: Rio de Janeiro e São Paulo. Embora tenham vivido situações políticas e partidárias bastante distintas, é possível inferir alguns pontos em comum. O que mais me chamou a atenção, é o caráter extremamente classista que as eleições tomam nos grandes centros urbanos.

São Paulo

Na maior cidade brasileira, houve uma forte polarização entre Marta Suplicy, candidata do PT e muito próxima do presidente Lula, e Kassab, do DEM, ligado ao governador José Serra. Marta registrou desempenho espetacular nos bairros mais pobres. Em Parelheiros, extremo sul de São Paulo, Marta obteve 77% dos votos válidos. Kassab destacou-se nas áreas mais ricas: em Jardim Paulista, teve 84% dos votos. Qual o significado desses números? Para mim, eles revelam exatamente onde está concentrada, geograficamente, a direita e seu eleitorado. Ao contrário dos EUA, onde os conservadores têm força principalmente em áreas periféricas onde residem operários urbanos, a direita brasileira apóia-se, para sobreviver, num fenômeno puramente geográfico: a concentração de pessoas ricas em São Paulo, em poucos bairros. Creio que a esquerda paulistana poderia crescer substancialmente se patrocinasse uma campanha para que os milhões de nordestinos que vivem na cidade transferissem para lá seu título eleitoral.

Rio de Janeiro

No Rio, ocorreu situação similar. Gabeira foi quase unanimidade nas áreas ricas. No Jardim Botânico e Lago, ele obteve 75,8% dos votos. Desconfio que ele só não teve um percentual maior nos bairros nobres porque eles possuem tradicionais enclaves “populares” (eufemismo para favelas). Paes, por outro lado, registrou seu melhor desempenho na região mais pobre, 69% em Santa Cruz e Campo Grande. Gabeira ganhou musculatura em virtude da forte concentração de votos na zona sul, ali nas mesmas ruas por onde circularam manifestações em prol da família, propriedade e religião, num nem tão distante final de março de 1964. O caminho para a esquerda carioca é, por um lado, investir politicamente na periferia, através de ações públicas substantivas e de grande impacto, em prol da saúde, educação e cultura; de outro, procurar reconquistar parte do eleitorado ultra-jovem que votou em Gabeira patrocinando iniciativas ligadas à internet, como sites de discussão política voltados para os jovens.

Lições

Acho que as lições mais importantes que podemos tirar dessas eleições é que o processo de escolha do canditado se dá muito antes do calendário eleitoral. Os ricos estão fortemente organizados para apoiar seus candidatos. Os jovens não têm mais um perfil ideológico. No Rio, sua impulsividade natural tem se revelado, desde a época de Collor, altamente manipulável por televisão e jornais.

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