19 de novembro de 2008

Sobre santos que nunca existiram

Em Marca da Maldade, última obra-prima de Orson Welles, um investigador faz de tudo para descobrir a identidade e as razões de um crime cometido na fronteira com o México. Um honesto e culto policial mexicano confronta os métodos não-convencionais do americano, que é interpretado magistralmente por um Welles obeso e ofegante.

O mexicano consulta arquivos e verifica que o investigador americano vinha cometendo irregularidades há muitos anos, sempre com o fim nobre de prender criminosos verdadeiros.

A ambiguidade ética do filme e do protagonista reside na dicotomia entre as suas boas intenções e os métodos inconstitucionais que utiliza. Ao final, simpatizamos com o antipático e preconceituoso investigador, porque entendemos que a sua inteligência brilhante no combate ao crime chocava-se com uma legislação falha, cheia de brechas por onde malfeitores conseguem se evadir.

É o mesmo dilema, ao que parece, que viveu o valoroso delegado Protógenes Queiroz. Agora que liberou-se à imprensa a gravação da última reunião entre PF e Protógenes, podemos constatar duas coisas: que a conversa dos policiais, apesar de tensa, foi absolutamente normal, e que a PF, ao não divulgar seu conteúdo, assim como ao remover Protógenes da chefia do caso, tentou preservar a imagem do próprio Protógenes. Afinal, a Satiagraha, com todos seus acertos, também tinha erros, que talvez não comprometam a investigação em si, mas dão munição à defesa para criar obstáculos legais e, sobretudo, políticos, para a sua continuidade.

Lançado no meio de um furacão envolvendo: os homens mais ricos do país, mídia, ultra-esquerda, Polícia Federal, governo, Protógenes se viu desamparado, como aconteceria a qualquer um, e apegou-se a quem lhe emprestou apoio, como também faria quaquer um.

O contrassenso que vejo, por parte de quem resolveu endeusar Protógenes e apostar em teorias desprestigiosas para a Polícia Federal, é que ele incentiva uma leitura personalista do combate ao crime organizado. O que não é aconselhável, nem seguro. É perigoso, tanto para a instituição (cujo papel é diminuído, injustamente) quanto para o agente (cuja imagem fica excessivamente marcada e por isso vulnerável, física e psicologicamente). Os "fãs de Protógenes" esquecem que a luta contra o crime organizado somente será eficaz com uma instituição forte, respeitada, com um severo controle hierárquico. Insuflar "rebeldias" em agentes insatisfeitos (e nem estamos falando de salários, que são excelentes), conforme PSOL e alguns jornalistas estão fazendo, em nome da ética, é irresponsabilidade e contradiz o próprio discurso contra a corrupção. A PF, como qualquer instituição que lida com armas, combate ao crime e intensa exposição a bandidos de alta periculosidade, precisa de hierarquia rígida.

Por fim, também é contraproducente querer uma Polícia Federal perfeita. É a mesma história do PT. A PF tem representantes de todas as tendências ideológicas e de todos os perfils éticos. Não se pode exigir 100% de perfeição e sim que haja constante investigação interna. Se a Corregedoria está investigando seus policiais, isso é ótimo. Sem uma Corregedoria independente, forte, severa, antipática mesmo, nunca haverá uma polícia limpa. E, ironicamente, as instâncias sociais que mais pregam uma PF "limpa" querem desprestigiar a Corregedoria! Acusando-a de querer "punir" os policiais que participaram da Satiagraha! Não acho isso. Se o presidente da República pode ser investigado, um policial federal, mesmo o mais notável e valoroso, também deve ter a humildade de aceitar ser investigado. A reação agressiva e populista de Protógenes, para mim, não foi um bom sinal. Foi um erro dele, mas estou disposto a atribuir ao nervosismo inerente ao imbróglio midiático em que ele se meteu.

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A teoria de conspiração, segundo a qual Dantas teria comprado a cúpula da Polícia Federal e altos escalões do governo e do Judiciário, emagreceu um pouco nos últimos dias, com a continuidade de Fausto de Sanctis e o novo relatório da PF sobre Dantas, que é bastante duro e objetivo.

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O Conselho Nacional de Justiça divulgou ontem que o Brasil tem 11 mil grampos legais, número que está em linha com a "normalidade". William Waack, no Jornal da Globo, todavia, não acreditou. Prefere o número de 400 mil grampos inventado pela CPI. E assim divulgou a notícia. A pesquisa do CNJ desmente a teoria do Estado policial, patrocinado pela mídia, que tem servido para desmoralizar as grandes linhas de investigação da PF, onde as escutas telefônicas têm importância fundamental.

A PF tem chegado cada vez mais perto da cúpula do crime organizado no país, onde existem senadores, políticos, grandes empresários, jornalistas e, quiçá, donos de jornais e canais de tv. Não é por outra razão que a mídia tem se voltado contra os "exageros" da PF.

Para se fortalecer e continuar investigando os altos escalões do poder financeiro e político do país, a PF precisa de uma Corregedoria inabalável, que não hesite em investigar desde os diretores até os policiais de reputação mais ilibada. As operações não podem ser personalistas. Para serem eficazes, sobretudo a partir de agora, quando chegam tão alto, tem de ser institucionais, neutras. É a única forma de blindar a instituição contra ataques políticos.

(Foto: o mexicano culto de Marca da Maldade, de Orson Welles)

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Sugestão da semana: Escutem essa música. John Hammond cantando Jockey Full of Bourbon, o incomparável blues swingado de Tom Waits.

13 comentarios

Anônimo disse...

JUNGMANN: O ENTREGADOR DE FITA

Uma informação sobre o "entregador de fita". O nome da "fera" é Raul Belens Jungmann Pinto, e entre outras sujeirinhas, carrega uma denuncia do MP de que chefiou uma quadrilha no INCRA na época do FHC, responsável pelo desvio de R$ 30 Milhões.

O Inquérito Criminal está no STF (Rá-Rá-Rá), leva o número 2531, e está parado com o ministro menezes direito (Rá-Rá-Rá).

Além disso, segundo o site "As Claras", o nobre entregador de fita Jungmann foi financiado em sua campanha eleitoral de 2006, por quem?

Nada menos que o Dorio Ferman, VP do Opportunity, um dos acusados na satiagraha. Rá-Rá-Rá.
Esse "Pinto" espelha a sujeira do galinheiro todo.

fonte - Blog do Nassif
Enviado por: Paulo Eduardo

João Villaverde disse...

Concordo com a idéia, Miguel. Os grandes esquemas de crimes financeiros só serão enfrentados por uma instituição forte. A investigação personalista pode gerar um senador - se Protógenes vier a se candidatar - ou um mártir - se algo pior acontecesse. Mas não resolve nada.
O fortalecimento da Corregedoria, no entanto, é o passo mais importante. Ela é o alvo mais rápido para neutralizar investigações delicadas.

carlos disse...

prabéns pelo comentário, miguel.
não precisamos de heróis ou mártires na pf. a função de polícia exige discrição pela sua própria atividade de investigação.
estimular e personalizar agente e delegado de qualquer operação em andamento é, no mínimo, irresponsabilidade desses insanos "psolistas, ppsistas, demonistas et caterva".
abçs

Anônimo disse...

Muito lúcida sua análise Miguel.
Faz um contra ponto ao PHA (o louco) que resolveu bricar de mocinho e bandido na altura do campeonato. É uma
irresponsabilidade a forma como esses jornalistas ex-PIG tem tratado a operação Satiagraha. Se dependesse do pirado do PHA, Protógenes seria presidente da república. Isso é ridículo! Pra piorar, ainda se voltou contra Dilma, Lula, Tarso Genro, Zé Dirceu, Gilberto Carvalho... Eu hein...o cara pirou de vez!!! Tanta gana assim para ver Dantas na cadeia, é de se estranhar! Todos nós queremos ver Dantas na cadeia, mas de preferência dentro da Lei, dentro das regras, seguindo seu curso normal.
Parabéns Miguel, já espalhei seu artigo, pra deus e o mundo.

Anônimo disse...

é a turminha do zé? aqui pelo menos tem um ou outro comentário a mais do que na fonte. A bola está na marca de pênalti pro camisa 10 De Sanctis bater.

Anônimo disse...

É, Miguel, nao se pode dizer que você nao esteja fazendo todo o possível para justificar o injustificável...
Anarquista Lúcida

Anônimo disse...

Excelente análise!

José Carlos Lima disse...

os jornais goianos deram destaque à notícia de que Goiás é o recordista em termos de telefones grampeados legalmente, ou seja,autorizados pela justiça,
aproximadamente mil telefones,
os crimes que motivaram os grampos são tráfico de drogas (que causaram muitos assassinatos no Estado) e crimes hediondos.
nenhum telefone grampeado para apurar crime do colarinho branco, esta parte achei muito estranha.
afinal de contas por aqui a elite endinheirada e os políticos santos é que não são.

Anônimo disse...

Miguél, eu só faria essa tua defesa por grana. Como sou um pé-de-chinelo, nem precisava ser muita. Mas quanto à vc, tenho que lhe dar os parabéns, vc é um grande idealista! Fazer uma defesa dessas, não é para qualquer um.

Anônimo disse...

Escutem! Vcs vão deicar Bourdoukan falando sozinho?
http://blogdobourdoukan.blogspot.com/2008/11/israel-quer-matar-os-palestinos-de-fome.html

Anônimo disse...

Miguel,

Vou pegar uma carona. Desculpe. Acompanho sempre seu blog. Há três semanas faço o meu: Blog Bueno, no endereço http://joelbueno.blog.uol.com.br.
Se vc tiver tempo para uma visita... e se gostar... eu agradeceria uma força.

Anônimo disse...

Sei não, Miguel. Não me julgo bem informado sobre os fatos que cercaram a Operação Satiagraha para ter uma opinião formada sobre o delegado Protógenes, nem herói, nem canalha. Sonso, arrogante, messiânico, personalista, esperto, afoito em tirar conclusões "ideologizadas" que vão muito além do que os dados permitiam (a julgar pelos trechos do relatório publicado no Consultor Jurídico), creio, como você, que o delegado ficou sozinho numa hora em que era atacado por todo mundo. Apoiou-se em quem lhe deu a mão: o PHA e o PSOL. E ambos o estão incensando não porque estejam interessados na Operação Satiagraha ou na punição aos crimes do Daniel Dantas, mas, o primeiro, me parece, porque serve como instrumento de vingança pessoal; o segundo, porque permite a um partido menor tentar sair do gueto em que se meteu. Em todo caso, mais correta me parece a posição do juiz De Sanctis e do procurador da República, Rodrigo de Grandis, que não se envolvem com partidos e falam só o indispensável. Mas, é preciso convir que quem pôs a mão na massa nas investigações, durante 4 anos, quem foi atrás de indícios, provas e documentos, na maior moita, foi o delegado Protógenes. E assumiu riscos nisso. Não creio que foi por causa dos exageros, do impulso salvacionista dele, que a Operação se complicou. Complicou porque ameaça deus e todo mundo. Aliás, já apareceu o nome do outro delegado que informou a TV Globo, não é, um tal de Pelegrini. Como disse acima, são meras especulações, porque, de fato, sei muito pouco. Não gosto mesmo é de patrulhamento. Não é o que você faz, mas outros blogs fazem. Em todo caso, se o Protógenes for candidato, não votarei nele - prefiro que continue policial.

Anônimo disse...

Pelo que está expondo o site do Luiz Nassif de hoje sobre o segundo relatório da Satiagraha vale a pena moderar o endeusamento e também a demonização do delegado Protógenes. E junto com ele também o ministro Tarso Genro. Afinal, parece que a PF produziu um relatório enxuto e preciso. Em todo caso, a experiência dos últimos tempos me diz que é preciso aguardar com paciência de monge (será esta a paciência do Lula? Uma vez li que ele é leitor da Arte da Guerra do Sun Tzu.) o desenrolar dos acontecimentos.

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