26 de agosto de 2007

A volta das ilações mensaleiras

Ai ai ai, recomeçaram as ilações mensaleiras. No intuito de reacender o fogo da opinião pública, o Globo aparece com denúncias requentadas, que ele transforma em frases de efeito como "Laudo comprova emprego de dinheiro público em mensalão".

Não é questão de botar a mão no fogo por ninguém. É apenas o caso de apontar um processo de culpabilização viciado e fascistóide. Leiam o trecho da matéria abaixo, no qual o Globo procura converter tese em verdade. Sempre com auxílio de muitos gráficos, naturalmente. Daqui a pouco, o Globo irá lançar um vídeo-game inspirado no mensalão. Boa idéia, quero os royalties.

O laudo afirma categoricamente que verbas repassadas pelo Ministério do Esporte à agência de publicidade SMP&B, do empresário Marcos Valério, foram parar três dias depois nas mãos de Anita Leocádia da Costa, assessora do deputado Paulo Rocha (PT-BA), segundo reportagem do jornal "O Globo" publicada neste domingo. Sexta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu processo contra os três por lavagem de dinheiro. Valério será processado ainda por corrupção ativa e peculato, que é o desvio de dinheiro público.

De acordo com o relatório, de março de 2006, o Ministério dos Esportes repassou R$ 202,4 mil em 16 de dezembro de 2003. No dia 19, após movimentar o dinheiro em contas do Banco Rural, a SMP&B mandou Anita retirar R$ 120 mil em espécie
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Observaram bem? O Ministério dos Esportes depositou o dinheiro na conta da SMPB. Acontece que a SMPB era uma agência de publicidade que tinha contratos com o governo federal, desde os tempos de FHC. Pode, efetivamente, ter havido desvio de dinheiro público. Mas pode da mesma forma ter havido o pagamento de um serviço à SMPB, que era a maior agência de publicidade de Minas Gerais, com contratos milionários com governos estaduais, grandes empresas e com o governo federal. Quanto ao dinheiro depositado na conta do deputado, esse deve ser Caixa 2, recolhido de empresas privadas. O que o Globo procura, histerica e maquiavelicamente, na matéria é colar a etiqueta de DESVIO DE DINHEIRO PÚBLICO no esquema do mensalão. Isso porque, somente Caixa 2 não tem o efeito desejado na opinião pública.

Mas esta tese de Globo não cola. O Ministério pagou um serviço à SMPB, que, três dias depois, fez depósito em conta de um deputado. Ora, sabemos que a SMPB gerenciou o caixa 2 do PT. A relação entre o depósito do Ministério dos Esportes na conta da SMPB e a depósito desta na conta de um deputado, é uma relação suposta, incomprovada, mais uma daquelas interessantes ilações do Globo, que vinham às dezenas diariamente, e que, mais tarde, acabaram por produzir descrédito e teorias, essas sim bastante convincentes, de que os Marinho tinham interesse em explorar politicamente a crise do mensalão com objetivos partidários.

Diga-se de passagem que a reportagem não escuta o contraditório e que o Supremo está somente aceitando a denúncia. A culpa não está provada ainda, conforme lembra sutilmente a reportagem.

Repito, não boto mão no fogo por ninguém nessa história suja. O que me preocupa é a instalação de processos inquisitoriais, que ao invés de produzir justiça e reduzir o sentimento de impunidade, tranformam-se em grandes trunfos de poder da mídia, que amplia desta forma seu poder de chantagem e influência no jogo eleitoral. E sabemos muito bem a que partidos esse jogo beneficia... Seguramente, não são os partidos comprometidos com o interesse dos trabalhadores. A mídia não dá espaço ao contraditório e não busca as raízes do problema do Caixa 2. O jornalista Luiz Nassif lembrou, outro dia, que o uso de sobras de campanha para pagar dívidas pessoais era, ou é, uma tradição altamente enraizada na política brasileira, tendo sido praticada por políticos de todo naipe, inclusive algumas figuras altamente estimadas pela história (JK? Vargas? Mário Covas?). Como a imprensa nunca inclui esse detalhe em suas eternas chamadas de "Relembre o esquema do Mensalão", nem em seus infográficos coloridos, lembremos que Marcos Valério iniciou suas relações com campanhas eleitorais com o tucano Eduardo Azeredo, que inclusive já confessou o uso de Caixa 2, e que os contratos da SMPB com o governo federal são anteriores ao governo Lula.

Do que eu entendi dessa história toda, portanto, foi que houve uma grande farra com as sobras de campanha. O PT tinha conseguido realizar uma excelente arrecadação legal, e sobrou muito dinheiro depois da vitória de Lula. A SMPB, que tinha sido responsável pela arrecadação de um Caixa 2, iniciou a distribuição do dinheiro para diversos parlamentares. Havia ainda o acordo entre os partidos que haviam trabalhado juntos nas campanhas eleitorais de 2002, e cujas dívidas eleitorais precisavam ser pagas. Se o dinheiro pressionava, ou influenciava, o parlamentar a votar neste ou naquele projeto, isso é outra história e as reportagens indicaram que não. Que o governo perdeu inúmeras votações justamente no momento em que os pagamentos eram feitos. Outro fato que atrapalha bastante a tese do mensalão é o fato de que diversos parlamentares petistas o receberam, e petistas dos mais fiéis. Finalmente, não houve pagamentos mensais a ninguém. Aconteceram depósitos, em muitos casos apenas 1 depósito. Como chamar de mensalão os 15 mil reais que o deputado Luizinho recebeu? Mensalão seria se ele tivesse recebido, por determinado tempo, 15 mil por mês.

Lendo as Catilinárias, clássico latino de Salústio, que descreve as guerras civis do final da República Romana (antes da tomada de poder por Júlio César e o início do Império), observo como a luta pelo poder sempre incluiu sofisticadas intrigas senatoriais, falsas acusações, exploração de sentimentos públicos. Montaigne, por sua vez, lembra que, entre os gregos, o crime considerado mais grave, que implicava em punição mais severa, era o uso irresponsável da liberdade de expressão para fazer falsas denúncias. Era mais grave que a corrupção em si. Porque enquanto a corrupção causava evasão de divisas dos cofres públicos, a denúncia falsa desmoralizava o próprio conceito de democracia. E assim, tanto entre gregos como entre romanos, o uso irresponsável das liberdades acarretaram no declínio da democracia como forma de governo. A corrupção, por seu lado, nunca terminou. O denuncismo sempre acaba pegando alguns verdadeiros ladrões, visto que estes o são em tão grande número no Congresso Nacional, mas fere a essência democrática e só atrapalha as investigações para prender os criminosos maiores.

O que observamos, além disso, é uma campanha sistemática de desmoralização da classe política brasileira. Tá certo que eles, os políticos, contribuem decisivamente para tal, mas a imprensa não parece estar do lado das instituições democráticas. Ela parece se posicionar contra elas, o que indica uma contradição absurda, já que se trata da mesma imprensa que usa o nome da democracia para defender ou atacar qualquer coisa que se mova. Assim como setores midiáticos e partidários parecem querer uma democracia sem povo, agora também demonstram o desejo de uma democracia sem classe política. Se todos são ladrões, se todos são corruptos, entreguemos as rédeas da nação para os impolutos, para os eficientes, para os que conseguem manter sua imagem inabalável em qualquer circunstância, devido a sua orgânica relação com os meios de comunicação.

1 comentário

Vera Pereira disse...

Perfeito, é o que se deduz de ouvir as sessões do STF. A mídia precisa urgentemente achar alguma forma de confirmar a narrativa que inventou para derrotar o PT e Lula, mas que fracassou de cabo a rabo - Lula foi reeleito e o PT acabou como o partido que recebeu mais votos para a Câmara dos Deputados. Não corroborar essa narrativa é uma segunda derrota para a mídia. Quanto ao dinheiro do Ministério dos Esportes, sua reflexão é óbvia. E ainda que não fosse, esses 200 mil justificam os rios de dinheiro que a mídia gastou durante um ano e meio para criar sua narrativa mal-sucedida? Até agora não apareceu dinheiro público algum, já que a Visa Net é uma empresa privada. Basta acessar o site e ver sua composição acionária. Na ânsia de defender sua credibilidade perdida, a mídia está fazendo um trabalho deletério de desmoralização dos políticos, dos juízes, dos partidos, instituições imprescindíveis para a democracia. Mas, evidentemente, democracia e Brasil é o que menos lhes interessa nesse momento; a credibilidade sim, porque é disso que ela sobrevive financeiramente.

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