6 de outubro de 2008

Opiniões heterodoxas sobre carga tributária

No artigo anterior, teci alguns comentários sobre a carga tributária e um leitor acusou-me de emitir uma opinião sobre o assunto mais direitista do que um político do DEM teria coragem de fazê-lo. Eu defendi o fim do imposto de renda, assim como do imposto sobre os salários e sobre o faturamentos das empresas (sem considerar sua lucratividade).

Bem, são opiniões polêmicas, diria até extravagantes. Mas não vejo graça em vir aqui incomodar vocês com lugares-comuns. Discordo todavia frontalmente do leitor que vê nelas uma visão direitista. Acho até engraçado que ele pense assim. Esclareço que sou completamente leigo em questões tributárias, mas sou um cidadão, pago impostos e, portanto, acho-me no direito de ter uma opinião sobre o tema.

O Brasil já é um país de classe média, segundo o IBGE. Ou seja, ela é maioriano país e, se tudo der certo, será ainda mais representativa ao longo das próximas décadas. Já li estudos indicando que, em vinte anos, o Brasil possuirá uma das classes médias mais numerosas do mundo. Conforme o próprio Lula já argumentou em entrevista recente, as bandeiras da classe média são bastante diferentes daquelas dos pobres. Problemas diferentes, soluções distintas.

Sou contra o imposto de renda por várias razões. A necessidade de preencher longos formulários, especificando tudo que possuo, faço, trabalho, ganho, parece-me invasiva e fomentadora de mentiras. A renda do trabalhador contemporâneo vem se tornando cada vez mais complexa. Eu sou um exemplo. Ganho dinheiro de mil formas diferentes. Todas são honestas, mas a grande maioria são informais e sinto-me extremamente receioso de inserir tudo num formulário da Receita Federal. Este ano, preenchi um formulário que baixei na internet e botei tudo lá, o resultado apresentava um imposto tal que seria totalmente inviável. Ganho meu dinheirinho, sou feliz, mas, confesso a vocês, sou incrivelmente pobre. Apenas a cogitação de pagar alguns milhares de reais por ano em imposto de renda me fez rir, de nervoso e incredulidade. Simplesmente, não tenho condições. Não tenho emprego formal. Não pago INSS. Não pago plano de saúde, nem para mim nem para minha esposa. Nem penso em ter filhos, porque não quero e também porque não tenho pretensão de ganhar dinheiro suficiente para sustentar uma outra pessoa por mais de vinte anos. Com o dinheiro que ganharei agora com três matérias para uma revista, comprarei uma máquina da lavar, pagarei alguns condomínios, a conta atrasada de telefone, renovarei o estoque de café por alguns meses, e pronto. De volta à estaca zero.

O que vejo é a classe alta com mil subterfúgios para não pagar imposto de renda, enquanto minha mãe, funcionária pública aposentada das mais humildes do município do Rio de Janeiro, foi obrigada a pagar quase dez mil reais em impostos atrasados, o que só foi possível vendendo o seu único patrimônio, um apartamento.

A política tributária, ensinava Adam Smith, deve ser simples, justa e eficiente. Não há nada mais complicado e nebuloso que o imposto de renda. O imposto deveria recair somente o consumo. Aliás, essa é a visão progressista da esquerda sobre uma reforma tributária que, há anos, está para ser feita no Brasil. Por que o leitor acusa-me de defender uma posição direitista? Por que confunde bandeiras ideológicas com dogmas duvidosos. O mundo hoje caminha para um cenário dominado por corporações gigantescas, de um lado, e uma classe média fragmentada, de outro. O mercado de trabalho se torna mais e mais complexo. A tendência hoje não é mais o acúmulo de propriedades por parte de uma classe média. As novas tecnologias estão fazendo com que a classe média gaste cada vez mais seu dinheiro com produtos tecnológicos (laptop, celular, dvd, tvs, eletrodomésticos) do que com casas de campo e apartamentos. O sonho da classe média, em termos de propriedade, é ter casa própria e carro, e fim. O Estado brasileiro, há séculos, que é draconiano com os remediados, benevolente com os nababos e indiferente para com os pobres. Meu avô era um pequeno fazendeiro do Triângulo Mineiro, que perdeu todas as suas terras para o Banco do Brasil, porque era fiador de um parente, cuja dívida explodiu depois do estouro da bolha especulativa com o boi zebu. Foi tremendamente injusto e meu avô nunca se recuperou desse baque.

O imposto brasileiro deve ser - e isso deveria ser feito urgentemente - unificado. É ridículo que os brasileiros tenham que pagar dezenas de impostos. Isso praticamente inviabiliza muitos empreendimentos e sufoca milhares de pessoas simples. Outra coisa é a irracionalidade de você pagar por uma renda que teve no passado. Um imposto como a CPMF, por exemplo, é justo porque tira o dinheiro que você efetivamente possui.

O imposto concentrado exclusivamente sobre o consumo teria a vantagem ainda de incentivar a moderação no consumismo. O disperdício na sociedade contemporânea é absurdo. Eliminando o imposto de renda, da folha salarial e do rendimento, e focando sobre o consumo, ou seja, sobre a água, luz, gás, alimentos, bebidas, objetos de luxo, brinquedos, combustível, roupas, teria a vantagem de incentivar que os brasileiros economizassem água, luz, combustível, etc, e fossem mais frugais em tudo. Permitiria, sobretudo, uma grande desburocratização. Não haveria formulários a ser preenchidos e o brasileiro poderia calcular seus gastos de maneira mais objetiva e racional.

Essa mudança também permitiria a descriminalização da política tributária. Do jeito que está, somos eternos bandidos tentando ludibriar o Estado, ou fugindo do Estado. Muitas vezes, não por intenções malignas, mas por impossibilidade de pagar. Estou há anos tentando solucionar pequenas dívidas da micro-empresa (falida) da minha família. Já paguei milhares de reais e quando penso que acabou, aparece outra coisa. E olha que é uma empresa mais que micro, é uma empresa átomo, cujo único funcionário sou eu, há anos (antes era meu pai, minha mãe e eu. Agora sou só eu). Quase não existe uma empresa no Brasil sem algum caco tributário. É uma política criminalizante, opressiva, e por fim incompetente, porque sufoca empresas e cidadãos que, ao morrer financeiramente, deixar de contribuir para o Estado.

Temos, por outro lado, grandes instituições financeiras, hiper-mercados, corporações gigantes que pagam pouco imposto, seja por uma legislação frouxa, seja por múltiplos programas de desoneração fiscal de que são beneficiárias.

Os ricos, por outro lado, contratam firmas de contabilidade especializadas em encontrar brechas constitucionais que os permitem pagar quase nenhum imposto. Essas são as razões pelas quais defendo o imposto sobre o consumo e sobre a movimentação financeira. Um imposto único, simples e eficiente, que teria função fiscalizadora e higiênica, que não criminalizaria a renda. Daria a sua mordida básica, sem culpas. Movimentou dinheiro, comprou um carrão, adquiriu uma nova tv de tela plana, viajou à Paris, comprou uma roupa linda, um batom? Pagou imposto. Sem exageros ou extorsão, tudo conforme acordos políticos costurados no Congresso Nacional e com os diversos setores sociais, beneficiando os produtos mais básicos, voltados para a baixa renda, como alimentos simples e remédios e onerando os mais supérfluos, como cerveja (olha como sou desprendido...), cigarros, carros e mercadorias de luxo.

Claro que é uma idéia verdíssima, ainda em estágio utópico, quase uma fantasia. Uma idéia inocente de um leigo cuja ocupação, nos últimos tempos, tem sido justamente a de inventar e pensar de maneira não ortodoxa. Aliás, a esquerda não irá avançar no Brasil e no mundo se não for criativa e se livrar da pecha de anti-classe média. O anti-petismo fortaleceu-se tanto no Brasil por isso. Os republicanos ganharam o poder nos EUA (e quase destruíram o mundo) por isso. É preciso entender o adversário e roubar-lhe as armas. O princípio da esquerda não é ter uma carga tributária assim ou assada, e sim lutar por uma sociedade com menos pobreza, mais segurança social, um Estado mais forte e equânime, com menos poder político para elites financeiras e mais poder democrático para as maiorias.

7 comentarios

Patrick disse...

Como você abriu um tópico próprio, repito minha mensagem a seguir.

Miguel, vou exemplificar:
1) Quem ganha pouco, 1 salário mínimo, gasta todo seu rendimento com o consumo. Se a alíquota sobre o consumo é de 30%, a carga tributária bruta dessas pessoas será de 30%.
2) Já quem ganha 100 salários mínimos, não consome todo seu rendimento. Pode, e isso é comum nesse caso, poupar/investir 70 salários mínimos e consumir "apenas" 30 salários mínimos por mês. Sendo a alíquota sobre o consumo para essas pessoas de 100% (uma perspectiva muito otimista dentro de sua lógica), pagarão 15 salários mínimos por mês de imposto. Isso significa que terão uma carga tributária de 15% do seu rendimento bruto mensal.

Fernando Cesarotti disse...

Eu sou um partidário da CPMF como imposto único. Com alíquota mais alta do que as anteriores, obviamente, mas é o mais justo dos impostos: mexeu na conta, pagou, seja rico ou pobre, não importa o quanto tenha. E contribui proporcionalmente à renda, e só pode ser burlado de forma insegura, que é guardando dinheiro no colchão ou terceirizando cheques.

Patrick disse...

Um imposto único sobre movimentações financeiras exigiria uma alíquota de 7 a 8 %. Favoreceria em muito sua elisão. Quanto mais impostos e taxas diferentes um sistema tributário tiver, mais justo ele é.

Anônimo disse...

"Sou um cidadão, pago impostos e, portanto, acho-me no direito de ter uma opinião sobre o tema". Palavras do Miguel mas que cabem na boca destas mal-amadas de shoping. Quem não paga não opina!

Miguel do Rosário disse...

Opa, anonimo. todo mundo paga imposto, já que os mesmos incidem sobre todos os produtos e serviços que usamos.

Patrick, pode e deve haver (como já há) justiça social nos impostos, reduzindo os mesmos sobre alguns produtos mais importantes e criando categorias distintas para consumidores distintos. Por exemplo, menos imposto na eletricidade para apartamentos menores; em bairros populares; e por aí vai. O consumo de pessoas ricas é dispendido em mercadorias mais caras, que podem ter aliquotas masi caras. E o imposto sobre a movimentação financeira é o mais difícil de elidir, visto que as empresas pagam salários através de depósitos bancários. O imposto, nesse caso, seria compulsório. Porque favoreceria sua elisão? Seria um imposto muito mais rápido, simples e eficaz, sem necessidade de preenchimento de enormes formulários e análises minuciosas sobre a renda de cada cidadão. Sobretudo, descriminalizaria a política tributária. A reforma tributária que está sendo discutida no Congresso, e que é defendida pelos parlamentares da base aliada, é reduzir o imposto sobre a produção para aplicá-lo no consumo. Os preços não vão aumentar, porque o custo maior embutido no imposto do consumo é descontado da redução do custo de produção. O negócio é simplificar e fazer da política tributária algo mais simples e justo e não essa aventura, esse suspense, que os experts conseguem burlar. E que cobra dos cidadãos por uma renda que ele, muitas vezes, já não tem. Estou pensando no futuro, num Brasil com maioria de classe média, a maior parte ganhando decentemente, e que constituirá a massa da classe trabalhadora. Se a esquerda não pensar essas questões, irá perder espaço no futuro para a direita conservadora, como ocorreu nos anos 60 e 70 e 80 em todo planeta, sobretudo nos EUA. Afinal, o que é ser retrógrado, senão estar fechado à mudanças de paradigmas, a pensar de maneira diferente, a encontrar soluções criativas?

Jurandir Paulo disse...

Miguel,

Primeiro, acho um tema muito interessante. Falta esta discussão na sociedade. Segundo, não sou especialista da área econômica, mas como cidadão que paga (muitos) impostos tenho opiniões:

1) Faz parte das injustiças no capitalismo o sistema tributário que tira mais impostos, proporcionalmente, de quem tem menos renda. Em todos os países, infelizmente.

2) Sua proposta é de aumento dos impostos indiretos. Não concordo por achar que hoje esses valores já são altíssimos e punem principalmente as camadas menos favorecidas. Há muita injustiça com quem ganha um salário-mínimo ser obrigado a pagar o mesmo valor de imposto que um cidadão que recebe 100 salários.

3) São os impostos diretos, como o IR, que deveriam fazer justiça, mas infelizmente não fazem por sempre permitirem brechas para a astúcia de grandes empresas ou grandes fortunas. Um exemplo: bancos, que vivem de renda, não pagam imposto de renda. Mas este fato não impede que possa existir um sistema melhor monitorado pelo estado, impedindo a sonegação. As empresas sempre ameaçam passar para os preços os seus custos, mas isto é relativo. O que faz o preço de um produto não é o custo de sua produção, mas o valor deste produto para o consumidor.

José Carlos Lima disse...

quando se tenta tirar alguma coisa dos ricaços eles usam os meios de comunicação para dizer que estão prejudicando o povão quando a verdade é bem outra.

foi o que ocorreu com a CPMF, um imposto que era pago pelos ricos para o custeio da saúde.

no então as Miria Leitão da vida repetiram na mesma tecla que o prejudicado era o povão e que inclusive os preços dos alimentos iriam cair se a CPMF foi derrubada.

no dia seguinte à derrubada da CPMF os preços dos alimentos subiram.

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