20 de outubro de 2008

Política X Literatura: a vaidade do preto velho

Eis um tema que me interessa há bastante tempo, tanto que até enjoei dele. Entretanto, mesmo que não o procure mais, ele vem até a mim, persistente, doloroso. A literatura, segundo eu mesmo, não passa de um nobilíssimo exercício de vaidade, individualista, solitário e divinamente arrogante, um jogo irresponsável, uma aventura suicida e transcendente, um combate obscuro e amoral contra a morte e o tédio, enquanto a política é um vôo de altruísmo, lucidez e sensibilidade social, um teste de coragem, uma luta quixotesca em prol da humanidade e da civilização. Ambos trazem risco, pois não há certezas na política ou nas teorias literárias, apenas fé, pesquisa e amor. Qual a relação, enfim, entre a política e a literatura?

A ligação reside, primeiramente, em quem faz política e escreve literatura: no homem, no sujeito, no escritor enquanto cidadão e no cidadão enquanto artista. Outro ponto que une os dois campos: o uso da palavra e a tentativa de seduzir o leitor. Tanto o escritor como o político querem convencer o leitor de suas verdades, usando contudo ferramentas distintas. O primeiro visa o senso estético, o segundo, o senso ético. As verdades do primeiro são estéticas, subjetivas, captadas pelos sentidos e materializadas na consciência do leitor.

O político, por sua vez, apela ao senso ético do eleitor, usando argumentos que atinjam seu lado racional, mesmo que atravessando seu inconsciente. Eleitores tendem a votar em candidatos com os quais se identificam. Leitores gostam de autores com os quais sentem alguma afinidade.

Os dois campos realizam-se em esferas absolutamente distintas, absolutamente singulares. A mistura entre as duas mediocriza a arte e debilita a política. É o que ocorre quando se vota em candidatos por conta de sua suposta "habilidade" ou "cultura" literária, ou se projeta luz sobre autores utilizando critérios estranhos à arte. Outro dia, folheei um romance de Tariq Ali, escritor paquistanês radicado em Londres, famoso e sagaz intelectual político. Não gostei, no entanto, da ficção política de Ali. Além de enfadonho, não deixa de ser previsível, mesmo onde o autor tenta ser original.

A questão permanece em mim, incômoda, e sinto alívio ao descobrir autores que conseguem unir os dois campos de forma brilhante, como Dostoievski, com todos os seus livros, principalmente em Irmãos Karamazov e n'Os Demônios, e Kafka, n'O Processo. Recentemente, um autor contemporâneo, Philip Roth, chegou perto, em Complô contra a América, um romance que inicia maravilhosamente, desenvolve-se bem, mas termina com um rotundo clichê, resultado da covardia do escritor em afrontar os tabus norte-americanos.

Ao contrário do que pensa o senso comum, a politização do texto literário ocorre, na maioria das vezes, quando o autor omite o fator político, o que é um fenômeno tipicamente brasileiro, resultado talvez de tantas décadas de ditadura militar. Por isso, às vezes se acusa o texto literário contemporâneo, no Brasil, de ser hermético, chato, pernóstico. Trata-se de uma escolha política. Não por ser "difícil" ou "elitista", por "não saber contar uma história". Escreve-se o que se sente, e não segundo um plano deliberado. A literatura vêm das entranhas e dirige-se às entranhas, e há autores de todos os tipos. A crítica destina-se, em verdade, à hierarquia promovida por mídia e curadores de eventos literários, embora não tenha coragem de assumir-se desta maneira - desvirtuando-se assim num ataque aos autores, que não têm culpa por seu hermetismo ou "chatice".

Minha experiência como blogueiro, por exemplo, mostrou-me que o interesse das pessoas pelo texto político também passa por um crivo estético, e por outro lado, os escritores que tentam interferir na política costumam falhar porque subestimam a exigência linguística do leitor não-literário: clareza, verossimilhança, agilidade verbal, persuasão, lucidez. Uma coisa que sempre me aborrece é valoração de textos ou opiniões por conta de serem emitidas por um "nome famoso". Quer dizer, compreendo o fato, compreendo o valor de uma opinião expressa por uma personalidade consagrada por seu trabalho intelectual. Mas o texto literário, e sobretudo o texto político, valem por si mesmos, têm um brilho próprio e parece-me indigno, por parte de leitor e meios de comunicação, criarem uma hierarquia baseada em nomes, e não no valor substantivo e singular de um texto específico.

1 comentário

Anônimo disse...

Trocadilho a partir de texto publicado no blog www.desabafopais.blogspot.com

Se você gosta do César Maia, vote Gabeira
Se você gosta do FHC , vote no Gabeira
Se você gosta do ACMinho, vote no Gabeira
Se você gosta do Bornhausen, vote no Gabeira
Se você gosta do Efraim de Moraes, vote no Gabeira
Se você gosta do Ermínio Fraga, vote no Gabeira
Se você gosta de tucanos e demônios, vote no Gabeira

Esses políticos vão fazer parte do governo Gabeira, de olho em 2010, para não cair no ostracismo, no esquecimento político.
Eles vão ocupar o governo do RJ.
Se você gosta de corrupção, maracutaias, roubalheira do dinheiro público, eleger Gabeira é um prato cheio.

Postar um comentário