1 de outubro de 2008

Making-of de uma geração

O filme de David França Mendes, inspirado no romance de Sergio Sant'Anna, trabalha essencialmente com a meta-linguagem, o conceitualismo, e brinca o tempo todo consigo mesmo, com seus autores, atores, usando imagens de making-of para produzir uma obra bastante original. Gostei muito da linguagem usada. Tiro o chapéu para o diretor e para o elenco. Mas não gostei do filme. É uma questão pessoal, porque não gosto de arte conceitual. Do Sérgio Sant'Anna, gosto de alguns de seus contos, mas somente dos que se afastam do conceitualismo, que acho frio, artificial, enfadonho. O filme, além disso, mostra uma angústia terrível que, acho eu, somente os escritores entenderão, que é o desespero da impotência criativa. O que platéia e mesmo os atores (ao interpretarem, no making-of) acham engraçadinho é uma desgraça miserável, e não vejo arte nisso. O filme-livro "Um romance de geração" traz um escritor que não consegue mais escrever, entrevistado por uma jornalista gostosa que ele procura seduzir, inventando mentiras sobre um suposto (inexistente) romance que estaria escrevendo. O formato, ia dizendo, é interessante, inovador, criativo, mas o roteiro poderia ser mais fantasioso, lúdico, arrojado. A ladainha repetitiva, melancólica, conceitual, do personagem de Sant'Anna me entedia mortalmente. O livro, ou filme, pode ser bom para se escrever monografias, estudos avançados sobre meta-linguagem, etc, mas me entedia e não acho que seja boa arte.

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Por falar em conceitualismo, vi ontem um exemplo deprimente de arte conceitual. É a exposição mais sem graça e cínica que vi nos últimos tempos, e olha que já vi muita coisa. Irrita-me pensar que os artistas se esquivarão de minhas críticas com um dar de ombros de desprezo, tratando-me como ignorante. Para eles, todo mundo é ignorante. Não se convencem de que fazem uma arte pobre, mesquinha e vazia. É assim: duas pás pequenas encostadas na parede. Uma cadeira voltada para a parede. Uma lâmpada pendurada. Quatro ou cinco fios de barbantes presos de um lado a outro. Uma imitação de um piso, com formato de palheta de pintura. A maior bobeira. Entendam. Eu gosto de muita coisa de arte pós-moderna, de assemblages, objetos. Eu mesmo também faço meus trabalhos com assemblage, amadorísticamente. Mas tenho a pretensão de saber distinguir o que é arte e o que não é. Arte tem densidade estética, tem sentimento, tem mensagem, tem volúpia, e fala à intuição. Fala diretamente à intuição. Esses trabalhos não falam à intuição. São egoístas, muquiranas, acadêmicos, frios, conceitualóides, pretensiosos. Além disso, são passados. Raushenberg trabalhava com objetos, assemblage, combines, desde os anos 50. Duchamp mostrou seu urinol em 1917. Que há de moderno ou pós-moderno, ou vanguarda, portanto, nesses trabalhos? A pretensão de que esses trabalhos seriam "subversivos", "contestatórios" ou "vanguardistas" me faria chorar de rir, se não me fizessem, antes, rir de tanto chorar. Eles são, a meu ver, decididamente retrógrados, anacrônicos, medíocres e desprovidos de qualquer elán ou vibração artística. Chamá-los de cínicos seria um elogio e uma ofensa à história do cinismo.

Por essas razões, não vejo crise na arte. Vejo simplesmente que existe muita coisa ruim sendo exibida, em detrimento de outras muito boas. Há, sim, uma crise de julgamento, de critérios. Os críticos desapareceram ou se acorvadaram. Ou ficaram espertos demais, ganhando muito dinheiro fazendo curadorias previsíveis, inofensivas ou assinando projetos para Lei Rouanet.

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