31 de janeiro de 2009

Muita calma nesta hora



O exercício da política é uma atividade diária que requer paciência, determinação, bom humor, sabedoria e jogo de cintura. Os meios de comunicação, desde o fim da ditadura, vem lançando, entre a população, campanhas contra as instituições políticas do país. Contra os politicos e contra a política. O brasileiro comum, e notadamente a classe média, passou a acreditar que a classe política brasileira é mais corrupta do que a de outros países. Não é verdade. Existe corrupção em toda parte. Esta semana mesmo, um governador dos EUA foi impedido por ter tentado vender um cargo para senador. Para a vaga deixada por Barack Obama. Fosse aqui no Brasil, tentariam impedir o Obama também, com certeza... E mesmo que a classe política brasileira fosse a mais corrupta do mundo, as pessoas devem entender que essa é mais uma das consequências da ditadura militar, que acabou com os tribunais de conta e intimidava qualquer tipo de denúncia. Quem ousaria denunciar diretores e presidentes das estatais, quase sempre militares de alto escalão ou apaniguados deles? Com o fim da ditadura, uma economia destroçada, instituições políticas desorganizadas, uma sociedade traumatizada, serviram como prato feito para grupos políticos e empresariais tomarem o poder e assaltarem os cofres públicos. Os poucos funcionários ainda honestos que restaram nas instituições de auditoria do Estado ainda não se sentiam seguros (e falo de segurança pessoal e de suas famílias) para começarem a combater efetivamente a chaga da corrupção. Não se fala muito destas sequelas, mas entendê-las serve para não acharmos que a corrupção é inerente ao caráter do brasileiro. Besteira pensar isso. O ser humano é vulnerável à tentação em qualquer parte do mundo. O importante é termos instituições sólidas que possam dar segurança e realizar auditorias constantes da máquina pública. Assim se vence a corrupção, com democracia e Estado forte. É o que estamos fazendo.

A mídia corporativa, há décadas, difunde os valores americanos, mas de forma bastante seletiva. O ideal de nacionalismo, por exemplo, extremamente forte lá, aqui é zero. A participação da classe artística na política, nos EUA, é normal. Recentemente, roteiristas de todo o país realizaram uma greve geral. Pararam a produção audiovisual e teatral dos Estados Unidos! Claro que não vimos nenhuma reflexão por aqui sobre o novo sindicalismo americano. Clint Eastwood foi prefeito de sua cidadezinha natal. Depois se arrependeu, mas só o fato de ter se interessado, já mostra o quanto o americano pensa a política sem o constrangimento que há por aqui. Temos o Michael Moore... e nada me tira da cabeça que a eleição de Obama teve a ver com o prestígio conquistado por Morgan Freeman, Denzel Washington, Wesley Snipes, entre tantos astros negros. Os diretores criaram papéis especiais para eles: investigadores cultos, geniais, criativos; presidentes; gânsgters carismáticos. Enfim, é claro que a cultura tem a ver com a política e o último negro do qual me lembro na tv brasileira, afora a baianagem eterna de Lázaro Ramos, é um deputado corrupto interpretado por Milton Gonçalves. A culpa não é dos atores, nem necessariamente dos diretores. É uma culpa coletiva. Ninguém daria bola, lá, para livros que negassem o racismo. O Estado e as universidades privadas norte-americanos patrocinaram, por décadas, vastos programas de cotas, que inclusive estão agora em fase declinante, pois o percentual de negros no serviço público, por exemplo, chegou a um nível satisfatório.

A mesma coisa vale para o caso Cesare Battisti, o italiano para quem o governo brasileiro decidiu dar asilo político. Não há um colunista da mídia, na imprensa escrita ou na televisão, que defenda a soberania do Brasil. Um leitor do blog lembrou bem: há décadas que a Europa e os Estados Unidos concedem asilo a ditadores sanguinários de todo mundo, que mataram não quatro ou duas pessoas, mas centenas de milhares. Ninguém fala nada. A mídia de seus países não transformou estes casos em crises políticas contra seus próprios governos. Pior, a disputa entre Brasil e Itália só tomou as proporções que tomou porque a imprensa italiana defende a Itália e a imprensa brasileira defende... a Itália. O governo brasileiro não tem onde se apoiar a não ser na internet, na blogosfera, onde as opiniões são sempre fragmentadas, e que, infelizmente, ainda não adquiriu o status que merece junto às instituições formais. De qualquer forma, a blogosfera, universo fortemente anárquico, não transmite a segurança de um editorial de uma grande e tradicional publicação. Aposto que se um colunista da grande mídia, um só, um Veríssimo, um Zuenir Ventura, um Cony, tivesse o culhão de peitar os barões da mídia, esta crise diplomática esfriava rapidamente. Mas isso é difícil acontecer. Essas pessoas vivem cercadas, sob a pressão silenciosa dos sorrisos falsos e tensos que trocam nos coquetéis que frequentam, no custo de vida cada vez mais alto de sustentar filhos, netos e até bisnetos.

Outro problema que identifico é que, em vista dessa situação, algumas pessoas tendem a revelar um desespero que, de forma nenhuma, é conveniente à nossa luta. Demonstra fraqueza, temor, desorganização e falta de confiança. Começam a pedir a intervenção do presidente. Que ele vá para a televisão e debele a rebelião dos poderosos. É uma visão simplista. Esse enfrentamento direto é justamente o que a direita deseja, para poder lançar uma série de adjetivos pré-fabricados que guarda numa sacolinha só para essa ocasião. E vocês acham que a elite ficaria do lado de quem? Não dá para saber. O pior de tudo é que, infelizmente, o Brasil depende da elite. Poucos empresários respondem pela geração de milhões de empregos, e, paradoxalmente, os mesmos empresários não dependem desses milhões de empregos. Se quiserem, podem fechar as fábricas, demitir 600 mil pessoas, e irem desfrutar a terceira idade numa ilha do Caribe. Esse é o lado trágico da história, essa dependência, agravada na fase avançada do capitalismo em que vivemos.

Não importa, contudo. Não podemos nos desesperar. Confiem no povo brasileiro. Já vivemos crises muito piores, com a mesma mídia sempre sabotando tudo. A luta inclui a dor, o sofrimento, a renúncia. Querem desempregar? Querem sabotar o Brasil? Que o façam. O que não faltará são empresários para substituí-los. Nem todo mundo está nadando em dinheiro. Muitos empresários querem uma chance de chegarem ao topo. Se os nababos de São Paulo estão esnobando o país, que vão embora e dêem lugar a outros. É isso que irá acontecer.

Agora, é ingênuo e contraproducente fazer ultimatos ao presidente da república. Qual o sentido? Querem que ele vá à televisão denunciar a mídia em cadeia nacional? Seria cair em provocação. O que ele tinha que fazer já fez, que foi criar a TV Brasil, que não por outra razão sofreu violenta oposição da mídia corporativa e da direita. A TV Brasil ainda está se consolidando. Dêem um pouco de tempo para ela! E mais, não falamos apenas da TV Brasil. A TV pública é um projeto bem mais amplo que a TV Brasil. Cada aparelho de TV terá acesso a quatro canais abertos de TVs públicas, com espaço para programas da sociedade civil local, das câmaras municipais, das assembléias estaduais, além da TV federal.

E temos a internet, que é um fenômeno muito novo, mas que já está fazendo a diferença. O universo virtual e informático brasileiro não está conhecendo nenhuma crise. O comércio eletrônico registrou aumento espetacular em 2008 e continua aumentando. As vendas de computadores idem. O acesso à internet prossegue crescendo a ritmo exponencial. Dêem tempo para esses novos internautas amadurecerem!

Enfim, é preciso ter paciência e confiança. O povo brasileiro tem todas as armas em suas mãos. Vejam só: o aumento do consumo está concentrado nas camadas mais baixas. A expectativa de crescimento econômico também concentra-se nestes segmentos, os quais, por razões culturais, sobretudo de poder aquisitivo, demoram mais tempo para se integrarem de forma mais pro-ativa nas discussões políticas. Mas estão entrando, e enganar-se-á redondamente quem duvidar do potencial revolucionário, filosófico, político, dessa nova classe média emergente. Parte dela poderá até ser conservadora, mas será um conservadorismo diferente. Será um conservadorismo totalmente oposto do que a direita deseja, porque defenderá melhores salários e mais intervenção do Estado na economia. O conservador rico é que deseja Estado mínimo e reclama do salário mínimo. O conservador pobrinho, que ganha de 1 a 3 salários mínimos quer mais um Estado forte e, naturalmente, um padrão de vida mais alto para os trabalhadores. Também é nacionalista. Em qualquer lugar do mundo, os conservadores são fortemente nacionalistas. O Brasil é o único lugar do mundo onde a direita não é nacionalista. Eu sei porque. Porque é uma direita concentrada exclusivamente no topo da pirâmidade social. Mas isso vai acabar. Essa direita está se auto-marginalizando em toda a América Latina, e se não mudar radicalmente, será democraticamente banida de todas as instâncias de poder.

Democracia é isso. Não tem voto, dançou. Não existe "cota" reservada para a direita ou esquerda. Se algum partido ou espectro político quiser sobreviver aos próximos sufrágios, terá que rebolar e não apenas oferecer novas plataformas políticas, mas, quando no poder, pô-las em prática. Mostrar serviço. Reduzir o desemprego, melhorar os serviços públicos, criar um ambiente mais livre para a sociedade. Não creio que o PSDB possa oferecer isso. Fosse um governo do PT que demitisse sumariamente o dirigente da Orquestra Sinfônica de São Paulo, o mundo viria abaixo. Ainda mais sabendo que o presidente da tal orquestra é nada mais nada menos que o famigerado Fernando Henrique Cardoso. E o Globo hoje deu uma notinha que parecia inteiramente escrita pela assessoria de imprensa de FHC. Ninguém faz um editorial protestando contra esta demissão arbitrária, assim também como nenhum colunista cogitou comentar a demissão de Luis Nassif da TV Cultura. Ai, se a TV Brasil demitisse um figurão desses!

5 comentarios

Anônimo disse...

Assino embaixo. Acho, inclusive, que a direita está forçando um confronto, uma crise diplomática, entre Brasil e Itália - e a mídia, que como você muito bem disse defende os interesses de tudo que for contra o Brasil e o Governo Federal, vai na onda. Inclusive o Mino. Pensei até (quando começaram os ataques midiáticos) na estratégia de "forçar confronto" dos governadores bolivianos da região da Média Luna na ocasião do referendo, lembra? A tática, se não for idêntica, pelo menos assemelha-se. Apesar que lá foi através da violência (com uma pequena 'ajuda' do embaixador americano) e uma clara tentativa de golpe. Aqui, está sendo com ataques virulentos e diários nos principais meios de comunicação. Lá, Evo resolveu o conflito de maneira a evitar o confronto direto, porém firme. Da maneira que eu acho que deveria ser feito pelo Itamaraty. Além de calma, muita inteligência e jogo de cintura nessa hora pra resolver um assunto que, fosse por outro viés político, já estaria morto e enterrado.

Anônimo disse...

Ou antes, outra idéia, já postada no Cidadania.com e no blog do Mino: a melhor saída para essa questão seria... conceder dupla cidadania a Battisti! Hahahahah!!! "Agora é brasileiro também, Berlusca, essa não deu... meus cumprimentos ao Cacciola". Rsrsrs! A direita raivosa teria um ataque cerebral...

Anônimo disse...

O maior inimigo do Brasil não é essa nossa direita, que consegue a proeza de ser mais atrasada que a da Venezuela e Bolívia. O que nos achata é essa mídia vil e servil que temos. Vão dizer: "Mas a mídia é a direita". É certo. Mas é certo também que um povo mais conscientizado e organizado pode ocupar alguns espaços midiáticos importantes. Isso foi bastante debatido no FSM. Mais importante do que o Lula partir pra cima seria ver uma parte do nosso povo partir pra cima da mídia através dos movimentos sociais. Aí sim, veríamos um governo popular agir sabendo que está abalizado pela parte mais importante da sociedade. Se o Lula chutar o balde e partir para o enfrentamento direto quem irá apoiá-lo quando o bicho pegar? Quem irá para as ruas defendê-lo como fazem os povos venezuelanos e bolivianos? Sim, alguns irão. Como fomos no dia em que protestamos contra Gilmar Mendes. Eu e mais 15 bravos companheiros. A população daqui é de 1.300.000 habitantes.

Anônimo disse...

Em tempo: No FSM Lula esteve junto com Correa, Chávez, Evo e Lugo no evento sobre a crise e a AL. Porém, um pouco antes só Lula não foi convidado para um evento coordenado pelo MST.

Felipe disse...

Excelente!

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