6 de janeiro de 2009

Uma guerra de 10 mil anos

Tenho grande dificuldade em escrever alguma coisa sobre a guerra entre judeus e palestinos. Mas não posso mais fugir a esse assunto. Vamos lá. Primeiramente, trata-se de uma guerra entre o Estado de Israel e o Hamas. Entre um governo de extrema-direita, apoiado financeiramente pela extrema-direita americana, contra um grupo também extremista, embora neste caso não faria sentido conferir-lhe qualquer selo ideológico. O Hamas é um partido político não ideológico, eminentemente militar, voltado para suas causas com uma determinação obsessiva.

Os árabes, por ser um povo com milenar tradição comercial, têm uma histórica e genética ojeriza ao comunismo. São muito ciosos de suas propriedades, suas mulheres, suas conquistas pessoais. Os árabes são extremamente individualistas. Esta é, aliás, uma das razões pelas quais a região ainda enfrenta tantas dificuldades políticas.

Falo dos árabes, e não somente dos palestinos, porque acho que somente entenderemos a questão palestina se analisarmos a região como um todo. A guerra de Israel, portanto, não é somente voltada contra o Hamas, mas é também uma espécie de guerra preventiva contra todo o mundo árabe. Como se avisasse: não brinquem com a gente!

E não dá para falar de árabes, nem de sua ideologia, sem falar de sua religião, que exerce influência profunda, determinante, na visão de mundo de todo cidadão árabe. Há alguns anos, comprei o Alcorão, e fiquei impressionado com a extrema agressividade de sua poesia. Talvez a tradução seja ruim, mas há inúmeros trechos que exalam forte hostilidade contra os chamados "infiéis". Embora na prática, os cristãos também tenham se revelado terrivelmente agressivos e bélicos, os textos bíblicos, sobretudo a partir do Novo Testamento, exigem do fiel que não julgue severamente nem pecadores nem os pagãos. Por conta de meus estudos de latim, venho estudando a fundo a Carta aos Romanos, do apóstolo Paulo. Há versos lindos, que exalam a virtude cristã da tolerância e da humildade, condenando duramente, como arrogância e hipocrisia, aqueles que se arvoram juizes do pecado alheio. Leiam estes versos:

Por isso, meu amigo, quem quer que sejas, não tem desculpa, tu que julgas. Quando julgas os outros, a ti mesmo te condenas, pois praticas as mesmas coisas.


Ora, segundo a ideologia cristã, não nos cabe julgar nossos irmãos. O julgamento vem de Deus. Não quer dizer que devemos viver num mundo sem leis, nem respeitar as autoridades. Paulo explicará detalhadamente seus pensamentos nos versos seguintes. A carta teve grande impacto junto à poderosa civilização romana, tanto que, alguns séculos depois, Roma se tornaria, oficialmente, um império cristão.

Curiosamente, Maomé, autor do Alcorão, incluiu no livro a história de Jesus. Mas, para Maomé, e portanto para os árabes, Jesus nunca foi crucificado. Deus pôs um outro homem, igual a Jesus, em seu lugar. E Jesus ascendeu aos céus sem passar pela expiação pela dor. Maomé, um líder vitorioso, que encerrou sua vida com dezenas de esposas, centenas de filhos, dono de vastas terras, rico e feliz, não quis admitir, em sua obra, a glorificação de um derrotado, um pobre filho de marceneiro, sem mulher, sem propriedades, que em vida não conquistou a lealdade de mais do que 12 apóstolos.

Quando vejo lideranças árabes fazendo juras de vingança eterna, percebo claramente a diferença entre nossas ideologias. Um verdadeiro cristão - não estou falando dos idiotas extremistas e hipócritas que dominaram o governo Bush - seria mais prudente e procuraria convencer seus fiéis de que a vingança é um sentimento ultrapassado, que nunca ajudou os povos a se desenvolverem.

No Oriente, também temos ideologias religiosas extremamente avançadas, como a de Ghandi, que conseguiu vencer o maior império militar do planeta sem usar de violência.

Sou assíduo leitor da Bíblia, que considero uma das obras literárias mais belas de todos os tempos, e lendo nos jornais sobre a guerra atual, lembro das milhares de guerras, chacinas, extermínios, lutas, que enchem as páginas do Velho Testamento.

Não sou religioso, porém. Leio a Bíblia como leio a Ilíada, com interesse literário, mesclado, claro, com interesse pela história de nossa civilização. O que aprendi, nestas leituras, é que há forças maiores por trás de toda a guerra. Como agnóstico entendo Deus como uma força maior, uma força histórica e natural, e o Deus do Velho Testamento é um Deus cruel, como se nota pelas imagens de crianças mortas por mísseis israelenses.

*

Acho, todavia, que essa guerra tem a ver com os últimos momentos do governo Bush. Quero acreditar que Obama, assumindo o poder, irá exercer maior pressão para que Israel não reaja de maneira tão covarde aos ataques palestinos.

15 comentarios

Unknown disse...

Olá Miguel,

sou o Ricardo, amigo da Karina. Parabéns pelo artigo sobre o conflito no Oriente Médio, em especial, acerca do individualismo do povo árabe. Além do apoio dos norte-americanos, Israel conta com a desunião dos estados árabes.

Abraços,
Ricardo

Unknown disse...

Olá Miguel,

sou o Ricardo, amigo da Karina. Parabéns pelo artigo sobre o conflito no Oriente Médio, em especial, acerca do individualismo do povo árabe. Além do apoio dos norte-americanos, Israel conta com a desunião dos estados árabes.

Abraços,
Ricardo

Anônimo disse...

Preocupado com a segurança dos israelenses.
Precisamos aumentar sua renda de USD 22000,00 per capita, seu orçamento militar garantido por doaçoes made in Usa, seus bunkers
anti-missil ICBM que tremem ao zumbir do alarme anti.rojoes caseiros do hamás. Precisamos construir mais muros que afastem os terroristas de gaza, ali ao lado. Garantir os USD 5 bilhoes/ano que chegam ao Cairo
e claro anualmente. Reforçar as 200 colonias erigidas em terra alheia,
com mais soldados. E convencer um
amigo como o Mahmoud Abbas a liderar esses terroristas no caminho do bem, no lugar do Hamás.
E os fieis amigos do pentagono, da
Lockheed e Halliburton nao se omitam de proteger nossa segurança.
Ah, nao esquecendo vamos a seguir ao muro das Lamentaçoes rezar pelos nossos 4 mortos por foguetes terroristas.

josaphat disse...

Já traduzi alguns trechos de cartas de Paulo escritas em grego. O homem tinha o dom da retórica em minha modesta opinião. A famosa carta aos coríntios, onde fala sobre o amor, possui partes belíssimas. No entanto, não simpatizo com Paulo, desconfio dele e de sua misoginia.

Miguel do Rosário disse...

oi ricardo, bem vindo ao blog! gostei muito de lhe conhecer, assim como a Karina e o marido dela. Grande abraço.


Oi Josaphat, de fato. Há trechos do Paulo que assustam por seu preconceito. Mas eu relevo, porque leio como se fosse um personagem de um livro.

DJ Sylvio Dumato Muller disse...

muito legal!!!!!!!!
consciencia já!!!!!!
good vibesssss

Anônimo disse...

Olá Miguel,

Também é interessante confrontar o Novo Testamento com o Pentateuco, sobretudo com o Deuteronômio. Como um Deus tão vingativo e soberbo poderia ter gerado um filho tão tolerante e humilde, é uma das questões que ficam.

Um abraço.

Anônimo disse...

Link para a análise política mais coerente e completa que li nos últimos dias sobre Gaza: http://www.amalgama.blog.br/01/2009/bombardear-o-hamas-para-livrar-se-de-gaza/ E parabéns por seu comentário. Vera Pereira

Anônimo disse...

Note que destruir os túneis construídos pelos palestinos na área de Rafah, como diz o artigo acima citado, é justamente o que Israel começou a fazer hoje, após a pseudo-trégua de quase três horas do dia 8/01.

Aldrin Iglesias disse...

Hiroshima mon amour? (risos)

A Questão Paelestina-Israelense... Complexa de mais, coisas de mais para poder saber antes de opinar... O que arde os olhos´são a morte de civis e as lideranças políticas inúteis.

Abraços

Anônimo disse...

O que Paulo diria da matança de crianças, executada por um exército nacional fortemente armado e treinado?

Anônimo disse...

Oi,é

Nao sei como vim parar nesse Blog (na verdade eu sei, mas quero dizer que foi bem pelo acaso) e o fato é que é o melhor (PRA MIM) blog que eu encontrei nos ultimos 6meses (e tenho procurado)..

Mas tudo que me vem a cabeça é que "quanto mais aprendo mais eu descubro que nao sei nada"

E isso ficou realmente claro pra mim no seu Blog.

Portanto seja lá quem for voce

Obrigada

Anônimo disse...

Alguns dos constantes comentários sobre a Palestina Ocupada são de que “tudo é muito confuso”, “é uma briga milenar” ou “não entendo por que judeus e árabes não se entendem”. Confesso que não tenho muita paciência para esse tipo de comentário, por mais bem intencionado que ele seja.
De “milenar”, caro leitor, esse massacre não tem nada. Ele tem data, bonitinho, para começar: 1948, com a expulsão de 750.000 palestinos de suas terras. Depois, outra data: 1967, o início da ocupação ilegal das terras que não pertencem a Israel. E não são “judeus e árabes” que não se entendem. Eles se entendem muito bem nas ruas de Nova York ou de São Paulo. É de uma ocupação militar estrangeira sobre um povo que estamos falando.
Fonte: http://www.idelberavelar.com/archives/2009/01/um_pdf_para_quem_quer_estudar.php

Anônimo disse...

Ola, Miguel

Achei seu blog enquando fazia uma pesquisa e esse artigo me deixou um tanto quanto... irriquieta.

Você, quando fala sobre o individualismo dos arabes, talvez devesse ter sido um pouco mais prudente.
A organizaçao social desse povo é muito mais proxima das idéias de coletividade que a nossa organizaçao ocidental...
Acontece que a coletividade deles é baseada em nichos menos numericos (familias, clas etc). O que, na verdade, também muito se aproxima daquilo que prega o catolicismo: o valor a a força da familia e o cla cristao - ja que, apesar de alguns discipulos falarem em tolerância, acho perigoso confundi-la com solidariedade com outros 'povos', e vc?

Entao, resumindo, pensei nessa sua idéia de individualismo, que me pareceu um julgamento um tanto quanto precipitado.
O que sera que Paulo - e nao eu - teria a dizer?
Enfim, nao quis te agredir, mas acho que as vezes temos uma percepçao um tanto quanto equivocada de como as coisas funcionam por la...

Minhas saudaçoes

Anônimo disse...

Ola, Miguel

Achei seu blog enquando fazia uma pesquisa e esse artigo me deixou um tanto quanto... irriquieta.

Você, quando fala sobre o individualismo dos arabes, talvez devesse ter sido um pouco mais prudente.
A organizaçao social desse povo é muito mais proxima das idéias de coletividade que a nossa organizaçao ocidental...
Acontece que a coletividade deles é baseada em nichos menos numericos (familias, clas etc). O que, na verdade, também muito se aproxima daquilo que prega o catolicismo: o valor a a força da familia e o cla cristao - ja que, apesar de alguns discipulos falarem em tolerância, acho perigoso confundi-la com solidariedade com outros 'povos', e vc?

Entao, resumindo, pensei nessa sua idéia de individualismo, que me pareceu um julgamento um tanto quanto precipitado.
O que sera que Paulo - e nao eu - teria a dizer?
Enfim, nao quis te agredir, mas acho que as vezes temos uma percepçao um tanto quanto equivocada de como as coisas funcionam por la...

Minhas saudaçoes

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