22 de janeiro de 2009

Pitacos sobre economia

Eu gosto de economia. Acho uma pena que uma ciência tão nobre como a economia tenha sido tão apequenada por algumas escolas, que esqueceram o seu aspecto eminentemente humano, subjetivo, filosófico, e, porque não, artístico. Talvez o primeiro economista moderno tenha sido o pensador escolástico William de Ockam (1288 a 1348), um franciscano genial, famoso pela expressão "a navalha de Ockam", que tanto influenciou cientistas contemporâneos. A expressão indica o princípio segundo o qual a solução mais simples para um problema é, em geral, a mais correta. O próprio Ockam alertava para a simplificação grosseira de seu pensamento, visto que, obviamente, há exceções; este conceito, todavia, balizou uma atitude filosófica mais limpa, mais simples, mais honesta, fundamental para a derrocada do pensamento escolástico, que era, em muitos aspectos, inutilmente místico, vaidosamente hermético e convenientemente complicado. A filosofia que florescerá no renascimento, ao contrário, será tocantemente simples, acessível a quase todos, como é o caso do pensamento de Descartes, esse outro grande pensador, que é, aliás, hoje tremendamente injustiçado.

Ockam influenciou profundamente a ciência moderna. Albert Einsten, por exemplo, segundo alguns, teria pensado em Ockam quando escreveu que "as teorias devem ser tão simples quanto possível, mas nem sempre devemos escolher as mais simples", referindo-se a sua revolucionária Teoria da Relatividade. Mesmo aqueles que se professariam anti-ockanianos, como Immanuel Kant, não deixaram, por isso mesmo, de receber os fluxos emanados pelo corajoso franciscano. Sim, porque Ockam foi um homem extremamente corajoso. Sua época não era fácil, e os franciscanos não eram vistos com bons olhos pelo faustoso e opulento Vaticano. Encerrou a vida excomungado pelo Papa, em virtude de sua defesa de um Estado moderno, secular, e sua luta constante pela liberdade do indivíduo.

Ockam também pregava, e nisso antecipou-se a Kant, que o conhecimento nasce da intuição. Com isso, atacava os vaidosos eruditos das universidades católicas, que se arvoraram monopolizadores do conhecimento. É que, se o conhecimento nasce da intuição, ele é, então, essencialmente democrático. Qualquer filho de Deus, independente de sua formação acadêmica, pode alcançar o conhecimento. Na realidade, em alguns casos, a formação acadêmica até atrapalha, ao oprimir a imaginação e a intuição.

Encontro ecos destes belos pensamentos em Moby Dick, de Melville, ao saudar o Deus "democrático", que concede talento e genialidade a seus filhos mais simples. Quando analisamos a história da arte, onde o sangue nobre tão raramente coincide com talento, não podemos discordar de verdade tão simples e duradoura. Melville lembra ainda, com imenso orgulho, da eleição de Andrew Jackson para a presidência dos Estados Unidos em 1829. Jackson era um pobre filho de imigrantes, soldado e pequeno advogado sem diploma, que tornou-se o primeiro presidente americano não aristocrata, com enorme popularidade nas classes pobres, ficando conhecido como "candidato do povo". Mais tarde, os EUA teriam outro presidente identificado com o homem comum, Abraham Lincoln, filho de lenhador cuja educação formal se limitou a 18 meses num colégio público. Lincoln elegeu-se em 1861 e, mesmo com sua pouca educação formal, tornou-se um oradores mais brilhantes da história política americana.

Onde quero chegar? Bem, quero chegar no seguinte ponto. Essa crise mais uma vez nos mostrou que o conhecimento não se compra em universidades caras. O conhecimento é fruto da intuição, um dom da natureza distribuído democraticamente a todos os cidadãos do mundo. Executivos com pós-graduação em Harvard ou Yale responderam pelas burradas financeiras mais retumbantes em séculos. Aliás, nunca é demais lembrar que George W.Bush formou-se em Yale...

Em literatura, a regra de Ockam também é válida; com exceções, naturalmente. A forma linguística mais simples é, na maioria das vezes, a mais elegante, mais eficaz, mais bela. Não quero pregar contra o valor do estudo formal. Estou falando de economia. Estou falando da crise. Gostaria de contribuir, dentro das minhas limitações, para reduzir o pessimismo que se alastra pela sociedade brasileira. Em economia também as soluções mais simples são as mais eficientes e a criatividade vale mais do que a erudição; porque a criatividade é um conhecimento vivo, voltado para o presente e para o futuro, enquanto a erudição seca, formalóide, debruça-se sobre um passado morto, o qual, mesmo assim, não consegue compreender inteiramente.

Essa criatividade de que falo vale, claro, para as análises políticas. Também temos que pensar criativamente para entender melhor um mundo em rápida transformação. Tenho para mim que a atual crise é uma gigantesca reacomodação de forças, gerada pelas mudanças profundas causadas pelas novas tecnologias, que por sua vez permitiram que funções absolutamente complexas e o acesso à informação, antes monopolizados por grupos de grande poder econômico, fossem universalmente democratizados.

Essas mudanças também se refletem dentro do país. A atual crise deverá reduzir substancialmente o peso de São Paulo na economia nacional. A informação, que era monopólio de grupos sociais situados em São Paulo, não mais tem dono. A internet permite que dois ou três amigos em Juazeiro do Norte criem uma assessoria de imprensa tão ou mais eficiente que qualquer empresa similiar sediada nos Jardins. E por aí vai.

Mas não quero aqui fazer uma análise anti-São Paulo, e sim demonstrar como a economia brasileira registrou um salto sem precedentes desde meados dos anos 90. Tentemos esquecer, por um momento, as disputas partidárias. Em 1994, o PIB brasileiro fechou em R$ 349 bilhões. Em 2007, encerramos o ano com um PIB de R$ 2,6 trilhões. As exportações brasileiras, que somaram US$ 43,54 bilhões em 1994, alcançaram US$ 198 bilhões em 2008.

O endividamento do setor público brasileiro também merece destaque. E aí não posso me furtar a uma observação "partidária". A midia, que acusa tanto o governo Lula de ser perdulário, não informa que é este governo que está reduzindo, de forma substancial, o endividamento público nacional. E que foi o governo do PSDB que fez os gastos com dívida explodirem. Ou seja, o Estado "gastador", "perdulário", aconteceu nos anos de 1994 a 2002, quando o endividamento público cresceu de 32,3% do PIB, em janeiro de 1994, para 50,5% do PIB, em dezembro de 2002. Hoje (Dez/2008) o mesmo endividamento caiu para 34,9% do PIB. Ou seja, o Estado brasileiro está gastando muito menos com juros de dívida do que antes. Gastanto algumas dezenas de bilhões a menos. Para nossa mídia insensata, gastos com juros são válidos, o que o governo não pode é gastar com médicos, professores, auditores, técnicos do Ibama, enfim, com pessoal.

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Por fim, uma tabela atualizada com dados do IBGE sobre o comércio varejista até novembro. Reparem que a queda em novembro deste ano, sobre o mesmo mês de 2007, foi de apenas 0,4%. Deve-se considerar, neste número, que 2007 foi um ano que registrou um crescimento muito vigoroso. O mais importante, todavia, é observar que, no acumulado de 12 meses, o comércio varejista no Brasil registra crescimento de 15,6%! Ou seja, mesmo que dezembro e janeiro apresentem números ruins - e as informações que temos é de uma recuperação nestes meses -, os números acumulados devem permanecer muito positivos.



(Clique na imagem para ampliar)

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Na questão do desemprego, que registrou um saldo negativo muito acentuado em dezembro, nota-se uma concentração grande em São Paulo e Minas Gerais, dois estados governados pelo PSDB, onde seus mandatários, ao que parece, não realizaram nenhum esforço junto às lideranças empresariais de suas regiões para salvaguardarem o nível de emprego. Também não atuaram, junto aos meios de comunicação de seus estados, que evitassem disseminar um alarmismo nocivo.

Ao contrário, muitas matérias foram escritas, no início do terremoto financeiro, sobre a possibilidade de queda de popularidade do presidente Lula diante do agravamento da crise. E os jornais parecem particularmente entusiasmados em apresentarem notícias negativas, omitindo análises generalizadas sobre a resistência ímpar do Brasil às turbulências internacionais. Mais uma vez se verifica que a mesquinhez política e a desonestidade intelectual, somadas à ambição desmedida e quase desesperada pelo poder, predominaram sobre o interesse nacional e a preocupação com a estabilidade de uma economia onde ainda existem milhões de pessoas vivendo em situação extremamente delicada, extremamente vulneráveis a qualquer oscilação negativa da economia.

As pessoas que pensam e observam a política brasileira estão atentas a essa absurda demonstração de egoísmo e loucura partidários. Espero que os empresários que perderem dinheiro participando desse jogo sujo de chantagem econômica também parem para refletir sobre a utilidade, para si mesmos, para suas empresas, e para o país, de se continuar apostando nessa forma mesquinha e tacanha de se fazer política.

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Opa! Notícia super atualizada! Segundo IBGE, taxa de desemprego cai o menor nível histórico.

1 comentário

Juliano Guilherme disse...

Assunto 1)Os executivos de Wall Street erraram de propósito, sabendo que a merda ia estourar para nós outros, e eles sairiam ilesos e cheios de dollares nos paraísos fiscais.
Assunto 2) A tal ladainha neoliberal de que fala seu colaborador, o Vilaverde, sobre os gastos públicos, insiste, de maneira venal, em considerar gasto e não investimento, as verbas para educação, saúde e programas sociais
Assunto 3)Miguel, você sabe que eu me excedo as vezes ao falar mal de São Paulo. Mas bairrismos a parte, é evidente que é ali o quartel general da onde a direita pretende recuperar o governo

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