21 de outubro de 2008

Pelo voto universal

Mauro Santayana é um dos jornalistas que mais admiro atualmente, pela elegância e argúcia de seu texto. Hoje o Paulo Henrique Amorim reproduziu sua coluna no Jornal do Brasil. Selecionei o trecho abaixo. Depois comento.


Santa Bárbara, próxima de Belo Horizonte, fica nas encostas da Serra do Caraça. É vizinha do mais famoso educandário da província, em que estudaram algumas das personalidades políticas mais destacadas em seu tempo, como Affonso Pena e Arthur Bernardes. Recordo-me de velho comerciante do lugar, Saulo ou Paulo, não me lembro bem, porque conversamos por acaso. Era véspera eleitoral, e lhe perguntei se iria votar no PSD ou na UDN. Ele me disse que estava pensando. “Pensando nos candidatos”?

- “Não, menino, pensando no mundo”. E me disse de suas preocupações, que vinham de Eisenhower, presidente dos Estados Unidos, a Juscelino, então governador do Estado, passando por Getúlio, já sob o tiroteio da oposição. – “Meu votinho pode não valer de nada para o mundo, mas vale para mim mesmo. Não quero ficar arrependido, por isso ainda estou pensando”.

Muitas campanhas recentes, em lugar de mostrar, com transparência, as razões desse ou daquele voto, têm embaçado os problemas do mundo, do Brasil e dos Estados. É engano pensar que a administração do prefeito escolhido esgota-se em si mesma. Ela implica resultados políticos, e todos nós pensamos, todos nós temos idéias, logo é estultice imaginar que as ideologias estão mortas. Enquanto houver a hegemonia de uns sobre os outros – no mundo e dentro das sociedades nacionais – as idéias serão as armas dos injustiçados.

Logo depois das eleições, encontrei-me, novamente por acaso, e em Belo Horizonte, com o interlocutor de Santa Bárbara. Ele votara, como me disse, em Juscelino. “Como, em Juscelino?” – perguntei, já que a eleição fora para prefeito. Explicou que pesara o mundo, pesara o Brasil e pesara Minas. Votara com Minas, pensando no Brasil e no mundo. Votara em uma aliança do então PSD de Minas com o PTB de Getúlio. E foi exatamente essa aliança que levou Juscelino ao governo da República, nas eleições de 1955. Ao olhar pela janela, devemos ver a rua, mas, além da rua, o mundo.


O texto possui um charme antigo, um encanto nostálgico de um tempo em que a utopia por um país melhor não fora tornada cafona, a política era levada à sério, com paixão e inteligência. Mas não caiamos na esparrela melosa de que eram tempos melhores. Não, o Brasil não tinha petróleo nem gasolina, e havia uma massa de milhões de cidadãos ainda excluídos do processo eleitoral brasileiro. Mais da metade da população era analfabeta e a miséria grassava e matava nos sertões com uma violência de peste negra. O jornalismo, porém, ainda tinha um romantismo e, ironicamente, apesar de um mercado consumidor menor, cidades como o Rio de Janeiro possuíam muito mais jornais de boa qualidade. O Globo já era um jornal importante, mas era superado em tiragem e prestígio pela Última Hora, Correio da Manhã e Jornal do Brasil. Havia também a Tribuna da Imprensa e o Jornal do Commércio.

O que me tocou no texto, contudo, foi a singeleza do velho comerciante. Ao meditar em quem votaria para prefeito de uma pequena cidade mineira, Santa Bárbara, ele pensava antes no país e no mundo. Acabou optando por um prefeito aliado à Juscelino Kubischek, estadista que veio a ser fundamental para continuar as reformas iniciadas por Getúlio Vargas.

Na enquete ao lado para saber o melhor candidato para o Rio, noto que a maioria dos leitores do blog estão se dividindo entre o voto nulo e o voto em Eduardo Paes. Os votos neste último são votos pensando no Brasil e no mundo. A ligação de Gabeira com os partidos que representam a direita, o PSDB e o DEM, tem sido determinante para se não votar nele. Santayana nota a leviandade de se pensar que o voto num prefeito não implica em consequências maiores para o país e o mundo.

Confesso à vocês que nunca levei tão à sério uma eleição municipal. Em São Paulo, é fácil. No Rio, a coisa está mais difícil, pelas razões que já apresentei aqui. Muitos leitores vêm argumentando pesadamente contra o candidato Fernando Gabeira. Esse artigo do Santayana mexeu comigo e me fez pensar novamente nas consequências nacionais de uma vitória de uma coligação formada por Gabeira e os partidos da direita na segunda maior cidade do país.

7 comentarios

Unknown disse...

Ainda bem que o Santayana te fez pensar nas consequencias de votar no Gabeira. Sem dúvida ele faz parte da coligação de direita e centro-direita que quer ver Serra no Planalto em 2010. Isso representaria um retrocesso descomunal nas políticas sociais implementadas pelo governo Lula. O atual governo pode não ser o ideal,mas só em se constatar que um enorme contingente de pessoas absolutamente marginalizadas até então conseguiu subir um degrau na sua condição social é fato para se pensar muito na hora do voto. Com Serra essas pessoas perderiam o pouco que conseguiram.

Anônimo disse...

GLOBO TRABALHA PARA SERRA E
LEVA SURRA DA RECORD NO IBOPE

20-10-08 Blogo Rodrigo Vianna

A Globo tem (por enquanto) mais jornalistas do que a Record.
A Globo tem (por enquanto) mais equipes na rua do que a Record.
Mas a Globo tem uma direção de Jornalismo "aloprada".

A emissora do Jardim Botânico transformou a cobertura da "guerra entre as polícias" de São Paulo num diário oficial de José Serra.

A ordem era proteger o governador, dizem-me colegas que trabalham na Globo de São Paulo, e que pedem anonimato.
Conversei sábado com três deles: a orientação aos editores era botar no ar trechos imensos de uma entrevista chapa-branca com o Serra, escolhidos a dedo pela direção global - e não pelos (bons) jornalistas responsáveis pelos noticiários.

O público percebeu que a Globo (mais uma vez, como em 2006) preferiu deixar o jornalismo de lado.
E, por isso, na sexta-feira, a Globo levou uma surra inesquecível na audiência.

Às 13h30, o Ibope mostrava números quase inacreditáveis:
- a Record (com a "guerra entre as polícias") estava com 12 pontos;
- a Globo não chegava a 7;
- o SBT tinha mais de 6.
Faltou pouco para a Globo ficar em terceiro lugar!

No começo da noite (19h06, para ser exato), outra surra:
- a Record (com as notícias sobre o trágico desfecho do sequestro em Santo André) estava com 21 pontos;
- a Globo tinha 15.

A família Marinho deve agradecer a Ratzinger pelo belíssimo serviço!
O "estrategista" do Jornalismo da Globo faz os seus arranjos com o poder, enquanto a turma da Record vai pra rua gravar. O resultado é esse que vimos acima.

A proximidade do Ratzinger global com Serra não vem de hoje.

fonte: Blog do Vianna

http://www.rodrigovianna.com.br/

Anônimo disse...

Parabéns Miguel, isso é que é pensar grande! Abraço

Anônimo disse...

Sobre esta questão do Gabeira-DEM-PSDB, neste link há um texto interessante

http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/o-mentor-neoliberal-de-gabeira/

Anônimo disse...

Aproveita e dá uma olhada, se tiver de bom humor, na coluna do jabor hoje. Pra ele votar no Kassab/gabeira é votar no Obama. Esse cara seria uma piada se não fosse um mala.

Anônimo disse...

A propósito, leia o que o AZENHA publicou hoje a respeito:

"BASTIDORES: O NOVO JOGO DA POLÍTICA
(21 de outubro de 2008 às 14:35)
"Um novo jogo político-partidário está sendo desenvolvido nos últimos dias nos bastidores. Aliás, não dá para dizer que é exatamente "novo". Mas está se consolidando para além das eleições municipais, que vivem o segundo turno no próximo domingo.
Está claro que a aliança DEM-PSDB lançará José Serra à presidência da República, COM PROVÁVEL APOIO DO PARTIDO VERDE DE FERNANDO GABEIRA, SE ELE SE ELEGER PREFEITO DO RIO DE JANEIRO.
O PT poderá ter candidato próprio ou formar chapa com o PMDB.
E deve avançar a articulação mineira de uma coligação de centro-esquerda, provavelmente com o governador Aécio Neves como candidato pelo PSB.
Haveria um compromisso de apoio, no segundo turno, entre os grupos políticos liderados pelo presidente Lula e pelo governador de Minas Gerais, Aécio Neves.
O objetivo seria duplo: acabar com a predominância paulista no Planalto (depois de 16 anos de FHC e Lula) e obter bancadas suficientemente grandes no Congresso para evitar as barganhas que em geral paralisam ou dificultam o exercício do poder do presidente.
Nessa costura cabem os nomes de Dilma Rousseff, Ciro Gomes, Aécio Neves e outros, formando chapas capazes de atrair a combinação do eleitorado Sul-Sudeste-Nordeste."

(http://www.viomundo.com.br/opiniao/bastidores-o-novo-jogo-da-politica/) - destaques apostos.

Anônimo disse...

Marx nos ensina sob o sentido do partido.
Não existe neutralidade neste campo.
Gabeira suprapartidário?
Contem outra.
Quem o conhece sabe muito bem que ele tomará posições radicais contra a esquerda.

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