6 de fevereiro de 2009

As esmolas de Mino Carta



Foto do chinês Zhu Hao.

A turma "gauche caviar" gosta de esnobar qualquer política social efetiva. Fala em "esmolas" e "ricos que ganham mais". Ora, sabemos que o crescimento econômico implica, necessariamente, em maiores lucros para indústrias e grandes empresas. Qual a fórmula mágica que eles têm para gerar crescimento econômico e evitar que os ricos, que são os donos das empresas, ganhem mais? Pra isso inventaram-se os impostos... Se sonegam, é uma questão policial, e não política. Quando fala em "esmolas", humilham os milhões de brasileiros que recebem auxílios sociais, auxílios que existem em todo país desenvolvido e que constituem um direito do cidadão e um dever do Estado, e não uma "esmola". Também humilha quem recebe salário modesto - recebido e gasto com dignidade e inteligência, vide a explosão no consumo de computadores.

Nos últimos anos, a valorização do salário mínimo foi expressiva, acima do que muitos sindicalistas imaginavam ser possível. Paulo Paim, senador petista que há décadas lutava pelo salário mínimo de 100 dólares, hoje, diante de um salário mínimo de R$ 465, valor que corresponde a mais de 200 dólares (e que já chegou a valer quase US$300), está tendo que quadruplicar sua meta. O salário mínimo é esmola, Mino?

Comparar programas sociais estruturantes a "esmolas" denota forte preconceito. Apoio estatal a empresas, por exemplo, é sempre considerado como "investimento" ou "incentivo fiscal". A maior prova, porém, de que a maneira lulista de governar não se restringe a "esmolas" são os números do Caged para o mercado de trabalho. Segundo o Cadastro Geral dos Empregados, o saldo entre empregos admitidos e desaparecidos nos quatro últimos anos do governo FHC 1999 a 2002 ficou em 1.815.088 empregos. Nos quatros últimos anos da era lulista 2005 a 2008, o saldo de emprego fechou positivo em 5,55 milhões. Ou seja, 3,73 milhões de empregos a mais que nos tempos fernandinos, ou 206% a mais. Emprego com carteira assinada também é esmola, Mino?

A diferença chega a ser assustadora. FHC conseguiu a proeza de provocar saldo negativo no setor mais fácil de gerar empregos, que é a construção civil. Por quê? Por que seu governo não tinha preocupação em gerar empregos, e a mídia não lhe cobrava isso. Nos quatro últimos anos de FHC, a construção civil perdeu 177,6 mil empregos. De 2005 a 2008, o mesmo setor gerou saldo de 545 mil empregos. O plano do governo federal de construir mais 500 mil casas populares, afora as obras do PAC, deverá dinamizar ainda mais a geração de empregos no segmento.

Lembro que esses números caíam como bomba junto aos propagandistas da campanha de Alckmin, rival de Lula em 2006. Eles se constrangiam ao ouvir esses números, que davam larga vantagem ao atual ocupante do Palácio do Planalto. Neste segundo governo a vantagem cresceu. A popularidade de Lula não ocorre à tôa. Pela mesma razão, o povo brasileiro, em caso de crise econômica, preferirá o certo (Dilma Roussef) ao duvidoso (Serra).

O valoroso Mino Carta despediu-se de seu blog soltando farpas que mais convinham a conversas entreouvidas nos corredores do shopping morumbi, referindo-se a "esmolas" para os pobres. Tremendo desrespeito. A escola para 1.500 alunos, construída em Manguinhos, área pobre do Rio, inaugurada esta semana, é "esmola"? As centenas de escolas técnicas federais construídas nos últimos anos são "esmola"? Preso a rotina de alta sociedade paulistana, Mino não consegue ver as mudanças.

Suponho que Mino, jornalista de orientação progressista, cansou-se da pressão terrível de viver sob o mesmo teto da elite paulistóide. Já vinha, há tempos, tendendo a uma melancolia blasé, que costuma aliviar invectivando contra a alta burguesia dos Jardins. A polêmica envolvendo Battisti horrorizou-o duplamente: leitores de direita elogiando-o (com interesse em desgastar a esquerda) e, do outro espectro, leitores acusando a ausência de um mínimo de sentimento nacionalista num cidadão que, desde priscas eras, ganha a vida nas terras de Vera Cruz.

De resto, concordo com quase tudo que Mino Carta aponta em seu texto de despedida. Sobre Michel Temer, Sarney, sobre a classe dominante brasileira. Não posso aprovar, todavia, seu tom derrotista, e mais ainda seu indesculpável surto de psolismo, visto que ele conhece perfeitamente as dificuldades políticas enfrentadas pelo governo para aprovar, no Congresso, as reformas que o Brasil precisa. Não é o governo quem elege os parlamentares, nem pode interferir na esfera legislativa sem causar atritos contraproducentes com os partidos aliados e de oposição.

Preparei uma tabela especialmente com os números do Caged para o saldo de empregos em períodos de 4 anos de Lula e 4 anos de FHC. Não tive muita escolha quanto ao período, visto que o histórico disponível do Caged tem início em 1999.

Clique na imagem para ampliar.



Confira também a evolução do salário mínimo.

26 comentarios

Anônimo disse...

Fiquei perplexa com a "carta de despedida" do Mino Carta. Realmente, parece que o verniz "gauche" se quebrou ante a ferida egóica produzida pela contestação de boa parte dos leitores do blog dele. E talvez pela observação de que sua posição no caso Battisti causou antes a adesão de uma massa de direitistas neste pais. A carta repete quase todas as "acusações" do imprensalão ao governo Lula, que ele antes combatia, acrescida desse mantra da "decepção" com o presidente. Como se Lula tivesse sido eleito para realizar todos os desejos projetados pelos mais disparatados segmentos de interesses que o elegeram. Para quem vivia citando Gramsci, o desentendimento das contradições da política real demonstrado por Mino Carta nos últimos meses, aconselha uma volta aos escritos políticos do marxista italiano. E, talvez, uma boa releitura de Raymundo Faoro, cuja morte certamente foi um baque para o MC. Como até hoje não entendi direito nem sua posição no caso Battisti, nem os verdadeiros motivos de sua "desistência" de agora - nem sei ao menos se é pra valer -, fico com a memória do diretor de redação que foi um dos maiores defensores do sadio jornalismo investigativo neste país. Mas que fiquei muito desapontada, inclusive com o destempero verbal do MC no seu blog, fiquei.

Anônimo disse...

Depois que mandei o comentário acima é que tomei conhecimento do recente decreto do governo Berlusconi que obriga os profissionais de saúde italianos a denunciarem imigrantes clandestinos. Cada vez entendo menos o Mino Carta e sua revista: se a "caçada humana" chegou a esse nível, provavelmente para achar "bodes expiatórios" à crise econômica italiana (já vi esse filme antes), o Battisti tem toda razão de temer a sanha nazi-fascista do governo italiano, e a decisão do Brasil é corretíssima, também por esse motivo. Qual é então a da dupla Mino Carta-Maierovitch, que posavam de "progressistas"? Veja no site do Azenha, o texto de Astrid Lima.

Anônimo disse...

Oi Miguel..

Cara, muito bom seu texto. Já te critiquei uma vez porque achei que vc pegou pesado com o Mino, mas desta vez estou contigo. Não entendi a posição do Mino sobre a "esmola". A Carta Capital mesmo não tinha essa opnião (que é da elite paulistana). Sou um pequeno burguês, vivo nos arredores da Paulista (anto do PSDB), quase todos meus amigos tem a mesma opnião sobre os programas sociais do governo. Me sinto um estranho no ninho, meus pais sempre sofreram a mesma coisa. Mas gosto da onde vivo, dos amigos que tenho, das coisas que faço por aqui, e mesmo vivendo sob o teto da elite reacionária paulistana nunca senti essa pressão a ponto de mudar a minha opinião.

O Mino tá afetado, opinando igualzinho a elite. O que ta acontecendo? To achando estranho, deve ter sido um momento de fraqueza, pelo desgaste com o caso do Battisti. E olha que acho totalmente compreensível a posição dele sobre o caso, tem suas razões, ainda mais sobre um caso controverso como esse.

Enfim, espero que o Mino resgate sua razão e volte a apoiar os programas sociais do Lula, que sempre apoiou.

Unknown disse...

Miguel, mandou muito bem. Parabéns !

Anônimo disse...

Nao assino a CC, e há muito, nenhuma revista brasileira, visto q moro e trabalho em 3 países do norte da Zooropa, o q nao qer dizer q, vez ou outra nao leia artigos e partes das mesmas, but and ONLY via internet.

Nao fazem falta. Nenhuma delas.

Sao previsíveis até no mentir, manipular, falsear distorcer enfim, toda sorte de estripulias nazi-fascistas.

Mino Carta?, leio há muito tempo, na verdade desde os anos 70, qdo do jornal A República - q nem era lá bom jornal assim, prá qem tinha o Opiniao, Moviento e Pasqim, só prá ficarmos nestes, como leitura, mesmo q taxados por qlqr par de olhos da época, como "comunistas".

Pois bem, Mino, c/ o passar dos tempos, se enfurna e se anclausura num ítalo-paulistismo ridículo. Gostem ou nao os paulistas, só descreve o Brasil de SP prá fora - outro vício hediondo de nossa maldita imprensalao q, dá as costas e até massacra as outras mídias de qlqr outro centro - fora do eixo-vilao RJ/SP.

Certa feita, perguntei a Mino porq nao criticava seus "coleguinhas" - aqí me referia a Na$$if, PHTamborim, Azenhenhém, e agora ao tal new rebel anti Der Göbbels, Rodrigo Vianna (who?).

Nao me respondeu, pelo contrário, me censurou.
Aliás, censura e muito há muito tempo, e nao sou "priveilegiado" por isso, nem é só ele q pratica a dita, entre os blogoes e blogues da direitona - parece q é "lagal" meter a tesoura em qem os contrapoe.

Voltano ao Mino, sua impáfia, seu ar soberbo e arrogante irritam mais q cativam.
Prá mim, acho impossível separar as figuras antipáticas q ele tenta vender como parte duma personagem "culta + experiente + reqintada + diferenciada" ... ele mesmo.

Paulistas tendem a se auto defenderem, auto promoverem e se auto julgarem, por se auto entenderem como os eternos srs do Brasil.

Tá na conversa das familias, nas escolas da crasse mérdia, nos barzinhos onde a droga rola fácil e o alcool é império. Em outras palavras, paulista até hoje nao sabe qual a capital do Brasil: se Barcelona, Milao ou pior, os do interior creem ser Miami ou Houston.

Mino, vende seu peixe como sendo fora dessa txúrma - mentira. É igualzinho e mais ainda pelo sotaqe e aqele azedume até ao se referir aos santistas, só por terem praias e sol, talvez rancor/inveja por nao haver no interior, menos ainda na capital.

Mas, o q irrita Mino, é ser arguído, ser contradito, ser interpelado, nao ser aceito.

Mino Carta nao aceita estar errado.

Foi o q se deu no caso Battisti.

Mino, por ser ítalo-paulista, jurou q arrastaria a bugrada da crasse mérdia (de qlqr canto do Brasil), se, outra vez se apresentasse como "o q conhece os lados do caso: Brasil, SP, Itália e esqerdistas" ...

Se fudeu!

Mino, como TODO e qlqr jornalista - parece virus enfiado no corpo dos estudantes desde o 1ro dia de escola - acha q o povo é secundário, q o pensar das massas só é útil qdo lhe dá suporte, e pior, q o Brasil é terra de péssimos juristas, como sugeriu o fascista deputado da Lega Nord ... coisa pior q o PFL, lixo político.

Mino se engoliu pelo rabo.

Entender o q ele fez, já vai por luz na trilha dos próximos q, como ele, foram feitos por nós e q, como ele tmbm, vao tomando caminhos ao centro, já apontando p/ o lado da direita.

É só observarmos.

Nasceram e cresceram dentro da ditadura militar e em seus jornaloes/tvzonas/revistonas.

De alguma forma, receberam 1 pé na bunda e acompanhando o roteiro, abrem cyber-boteco (blogue) e se auto promovem/defendem/elogiam.

É regra - batata mesmo.

Mino fez e recebeu o troco.
E é bom q os outros estejam desde já avisados: assim q tomarem posicao contra o Lulismo e q, qerendo ou nao, tmbm contra o petismo, vao receber chuvas de cartas furiosas.

Nao, nao é caudilhismo, macartismo, ou como qeiram chamar ... mas auto defesa pura.

A massa cresce em cultura, ao melhorar economicamente. O país anda, ao reduzir abissais distancias entre os q tem tudo q os q nao tem quase nada - isso, qerendo ou nao, ainda se chama LUTA DE CLASSES.

E isso, é muito prá Mino.

O Grande Cesar pegou a bola, acabou c/ o jogo e fechou a arena.

Por isso é q venho repetindo q, está nascendo a próxima classe de blogues e blogueiros: os anti blogoes, blogueiroes.

Inté,
Murilo

Juliano Guilherme disse...

Acho que o problema do Mino é o da maioria dos intelectuais de esquerda do eixo São Paulo-Rio(principalmente os da USP). Queriam mas não tem controle sobre o Lula. O Lula se recusou a ser um "bibelô" da esquerda culta. É pragmático e assumiu a tarefa de melhorar a vida do povo brasileiro. Não tem tempo para perder com a retórica dos pensadores da USP e adjacências.

Anônimo disse...

E a decisão do STF de ontem, hein? Dia que ninguém poderá ser preso antes da decisão final da Justiça, isto é, esgotados todos os recursos. Pelo que eu entendi, prisão só para o Zé das couves, nunca para quem tem grana para pagar advogados. Note-se que a turma da bufunfa inclui desde o Daniel Dantas até o Fernandinho Beira-Mar e o chefe do tráfico da Rocinha (que nem sei o nome). Não sou advogada mas creio que isso sim é um golpe fatal no Judiciário brasileiro. Se, de um lado, é levar ao extremo os direitos individuais, de outro, desconsidera os direitos do conjunto da sociedade. O sujeito com grana vai pagar advogados até o processo chegar ao STF, quando, então, a pena já terá sido prescrita. Liberou geral!

Anônimo disse...

Prezado Miguel,

"A política econômica privilegiou os mais ricos e deu aos mais pobres uma esmola."

Essas foram as palavras do Mino. Creio que vc cometeu um equivoco ao partir do pressuposto de que Mino teria dito que os Ricos ganharam mais. E equivocou-se mais ainda ao insinuar que o Mino teria afirmado ser contrario aos ricos ganharem mais.
Todos somos favoraveis que todos ganhem mais. Mais do que cada um ganhava até então...
O que o Mino quis dizer, e pareceu tão claro até para mim, um analfabeto economico, é que no governo Lula os ricos Ganharam mais que os pobres. E esse "mais", por obvio, não teria sido só na quantidade bruta, mas na proporção da divisão das riquezas.
E aí amigo, sua argumentação me remeteu a um passado de triste memória, onde o "czar" da economia ditava que tinhamos que "esperar o bolo crescer" pra depois dividir. E ai de quem discordasse... Corria o risco de passar fome numa das masmorras da ditadura a quem servia o Ministro todo Poderoso. ( Um parentesis: Esse mesmo Ministro - um dos signatários do AI-5 - é hoje influente conselheiro do Presidente lula. São as voltas que o Mundo dá...).
Mas, voltando ao tema central: Era essa a questão que vc deveria ter contestado, caso quisesse. E não por na boca do Mino coisas que ele não disse, para, a partir daí, dizer que ele errou...
E quanto a polemica sobre o Refugio dado ao Battisti , me declaro um dos "comentaristas de direita" que criticou o ato do Governo. lembro-lhe, entretanto, que desde ontem estou acompanhado do Parlamento Europeu, aquele colegiado formado por representantes daquelas republiquetas ( e monarquias caqueticas...)autóritárias, que nada tem a nos ensinar pois espelham tudo que há de pior em termos de reacionarismo, elites, atraso, "direita" enfim...

Miguel do Rosário disse...

Emanuel, todas as estatísticas apontam que o crescimento econômico mais substancial se deu entre as camadas mais pobres. A elevação da renda dos mais pobres foi muito superior à elevação da renda dos mais ricos. O topo da pirâmide, aliás, chegou a ficar quase estático. Mino Carta sabe disso porque tem acesso às estatísticas, mas preferiu dar vazão a fofocas de salão. Eu entendi muito bem o que o Mino quis dizer, e sabemos que instituições de pesquisa, nacionais e internacionais, apontam uma substantiva melhora na distribuição de renda no Brasil. Sou contra essa história do "bolo crescer" para depois dividir, conforme pregava o Delfim, e não é isso que está acontecendo. Na época, não existiam programas sociais, nem existia nenhum tipo de politica social. Não podemos esquecer que não só a distribuição de renda melhorou como hoje há melhor distribuição da educação técnica e superior, em função dos programas que facilitam o acesso à universidade, por um lado, e a criação de cursos técnicos federais por outro, além do fato do bolsa família exigir a matrícula das crianças nas escolas. Respeito muito o Mino, mas não podia deixar passar essa. E nem falei tudo. Me desculpe, ele falou muita bobagem. Falou em enfraquecimento dos sindicatos, que besteira. As centrais foram legalizadas agora, terão verba própria e os sindicatos ganharam muito poder sob Lula, tanto que quase 90% das negociações entre trabalhadores e patrões resultaram positivas para os primeiros. Falou que o Brasil "exporta commodities" e não explicou que o maior obstáculo para o aumento da exportação brasileira de produtos industrializados é justamente a sua Europa, que impõe barreiras tarifárias ou não. A exportação brasileira para a Europa tem um dos menores valores per capita, por conta disso. De qualquer forma, é besteira. O Brasil é um dos maiores exportadores mundiais de aviões, exportação que cresceu, aliás, em plena crise, em pleno dezembro negro, cresceu 25% sobre dezembro de 2007. Seus comentários sobre a política parlamentar foram infelizes porque jogaram no colo de Lula uma situação que foge totalmente ao controle do Executivo. Enfim, ele reuniu um saladão rancoroso, ranheta, choroso, como que uma vingancinha besta, porque o governo não seguiu suas vontades no caso do Battisti. As discussões no Parlamento Europeu são apenas discussões, que não resultarão em nenhum documento. E a Europa deu uma guinada à direita sim, todos sabemos, inclusive com eleição de parlamentares neo-nazistas na Austria, na Suíça, com aqueles irmãos gêmeos fascistas da Polônia, etc. O medo dos imigrantes fortaleceu muito a direita em toda a Europa. O que eu, sinceramente, não entendo, é porque o Parlamento Europeu não protesta, então, contra o asilo político que Sarkozy deu a Marina PETRELLA, também do PAC, e também condenada à prisão perpétua na Itália. O que acontece no Parlamento Europeu é apenas um desdobramento do que acontece na Itália. Calhou da Itália, neste exato momento, ocupa a presidência da União Européia, e os parlamentares italianos levaram a questão para ser discutida no Parlamento Europeu. E lá foi discutido. E daí? Repito: porque não protestam contra o asilo que Sarkozy deu à Marina Petrella?

Miguel do Rosário disse...

A Europa, por décadas, deu refúgio político a ditadores africanos, que roubaram bilhões de seus países, e mataram milhões de pessoas. A justiça dos países africanos os haviam condenado, mas a Europa deu asilo a eles. Não estou dizendo que um erro justifica o outro, mas apenas mostrar que a Europa não tem nenhuma "superioridade moral".

Anônimo disse...

Mino escancarou toda a vaidade, arrogância e soberba que guarda em sua alma. Simpatizo com ele, reconheço a sua bela trajetória como jornalista, mas que ele vem pisando feio na bola, ah, isso vem. Não sei quanto ganha o Mino Carta, mas certamente é muito, muito mais do que a grande maioria do povo brasileiro. Então, para ele, pode não ser nada o salário mínimo, que antes não chegava a 100dólares (quando FHC deixou o governo, no final de 2002, o salário mínimo estava em torno de 60 dólares), atualmente estar acima de 200 dólares, mas para toda essa gente que recebe salário-mínimo faz uma gigantesca diferença! Assim como pode não ser nada para ele o que recebem os beneficiários do Bolsa-Família, mas faz toda a diferença para essas pessoas! E isso para não falar dos enormes benefícios que a expansão do mercado consumidor de massas está trazendo para a economia do país. O fato é que o Mino não conhece verdadeiramente o dia-a-dia dos pobres e miseráveis deste país e, por isso, para ele pouco mudou. Mas basta ver o quanto mudou para esse contingente de brasileiros que ganham até um salário-mínimo: Segundo a última pesquisa feita pelo Ibope, cerca de 91% dessas pessoas aprovam o governo Lula! E quanto aos mais de 20 milhões de brasileiros que ascenderam das classes D e E para a classe C (classe média baixa)?! Mas há muito mais que vem sendo feito: o Programa Luz para Todos, o Farmácia Popular, o Brasil Sorridente, o Prouni, o Programa Territótrios da Cidadania, as várias dezenas de escolas técnicas federais que vêm sendo construídas, a grande expansão de vagas nas universidades públicas federais, a política de biocobustíveis, a política do etanol, a expansão do agronegócio, a grande expansão da agricultura familiar através de políticas governamentais, etc. etc. etc. Enfim, o Mino, com todo o respeito que tenho por ele, está fora da realidade do que se passa neste país sob o governo Lula. O discurso do Mino está muito pobre e está longe, muito longe de corresponder à nossa realidade atual. Os maiores problemas que o país tem estão realcionados justamente à enorme e feroz resistência oferecida pelas elites locais, que sempre saquearam este país. Lula, para mim, chega a ser um verdadeiro herói ao conseguir fazer o que vem fazendo por este país e pelo povo brasileiro em meio às sabotagens e à resistência selvagem que uma parte da elite vem fazendo ao seu governo dia após dia e ao justo desenvolvimento do Brasil. E o Mino e tantos outros que se dizem de esquerda parecem não reconhecer isso. Vivemos em uma democracia, com suas virtudes e defeitos. Somente em uma forte ditadura o Lula conseguiria (talvez) fazer o que o Mino gostaria que ele fizesse. É muito fácil falar e mandar os outros fazerem. Para finalizar, quero dizer que achei muito bom o seu texto, Miguel.

Anônimo disse...

Miguel,
Agora gostei de sua abordagem sobre a questão da distribuição de renda X Crescimento da Riqueza.
Ficou bem mais clara sua posição. Espero que tenhas reconhecido que o argumento do Mino não foi aquele que vc contraditou. E esta foi minha crítica. Vc partiu do pressuposto que o Mino tinha dito algo que não disse. Esse é o ponto.
Mas agora, creio, já estamos esclarecidos.
Afinal, todos sabemos que a distribuição de renda vem melhorando. Não na velocidade que gostariamos ( posso usar o plural?) mas vem. E vem desde antes do Governo Lula. Dizem os estudiosos da materia que o "start" desta mudança foi dado pelo plano Real ( aquele mesmo que iria acabar com o Brasil...)que domou a inflação, uma das causas da brutal transferencia de renda dos "sem banco" para os "com banco"...

No mais, amigo, permita-me mais uma vez criticá-lo. Essa afirmações de que a europa errou no passado e erra no presente, deu guinada pra direita, persegue imigrantes, etc, etc, etc... caem na vala comum da falta de coisa melhor a ser dita.
É mais ou menos como chamar alguem de "direita" ( como era, em outo tempo, chamar de "esquerdista" ou pior "subversivo"). Sempre estaremos à direta de muitos e a esquerda de outros tantos. São rotulos importantes sim, mas apenas isso: rótulos.

PS- A europa tem muito a nos ensinar. Para o bem e para o mal. Não quer ver isso é "birra" de adolescente que pretende se mostrar auto-suficiente ( Agora pronto, me lasquei!!! Com ou sem hífen????).
PS-2 Todos os povos tem muito a nos ensinar. Sempre para o bem ou para o mal...

Anônimo disse...

Vc simplesmente liquidou o assunto, Miguel. Parabéns.

Como havia manifestado interesse em saber mais sobre a década de 70 na Itália, gostaria de sugerir o artigo "Caso Battisti: Carta Capital e o pais de Pinocchio".
Contém muitas das informações que à época eram divulgadas na imprensa alternativa.
E ratifica cabalmente sua afirmação de que não têm dignidade moral superior para nos ditar regras.

José Carlos Lima disse...

Ao ler a tal "Carta de Despedida" (eu preferia chamar de "Carta de Despedida Soprando no Ventilador") de Mino Carta, tive a impressão de que o Brasil piorou com Lula, que não houve nenhum avanço, nem mesmo na fila de atendimento do INSS, que é mentira esta coisa de aposentado gastar 30 minutos para se aposentar, que é mentira que o Brasil resolvou questões como FMI, Dívida Externa, que é mentira que os pobres melhoraram de vida, enfim que todas as estatísticias que medem índices tais como aumento da riqueza, desigualdade social, mortalidade infantil, todos favoráveis a Lula, são mentirosos e Mino Carta é que tá certo. Até agora não entendi a do Mino. Porralouquice ou chantagem para influenciar o STF no casos Battisti? Mauro Santayana tá certo quando diz que "os capitalistas nunca se dividem, os trabalhadores sim." Muito lamentável esta "Carta de Despedida" de Mino Carta.

PS: a juventude italiana está eufórica em seus ataques contra imigrantes.
Nesta semana deu na insuspeita Folha que um grupo de jovens italianos queimou um imigrante indiano para "ver como é que era um estrangeiro morrer daquela forma."
É só ver as manifestações racistas com seus gestuais nazistas nos Estádios italianos para se ter uma idéia do quanto a Itália tão decantada por Mino é democrática.

Miguel do Rosário disse...

Opa, cometi um erro que me deixou ainda mais convencido sobre o acerto do refúgio a Battisti. A tal Marina Petralli, "terrorista" italiana condenada à prisão perpétua pela justiça de seu país, não era do mesmo grupo de Battisti, o PAC. Era de um grupo muito mais violento e perigoso, o Brigatti Rossi. Foi para essa mulher que Sarkozy, o atual presidente francês, direitista orgulhoso e assumido, deu asilo político. Agora, me expliquem, porque o Parlamento Europeu não discute isso, em vez de discutir a decisão soberana do governo brasileiro de dar asilo a Battisti?

Anônimo disse...

Miguel,
Não tenho muito conhecimento sobre essa Marina Petralli.
Mas pelo pouco que sei, o refugio ( asilo, ou coisa que valha...) teria sido concedido por "razões humanitárias" devido ao grave estado de Saúde da ex-militante.
Ainda segundo essa informação, o Presidente Sarkozy não questionou a Decisão italiana ao conceder o Refugio ( ou asilo...).
É importante ter sempre em mente que muito mais que a decisão em sí, o que irritou os italianos foram as justificativas do Ministro Genro.

Miguel do Rosário disse...

É. Realmente. Vamos justificar a decisão sábia do Sarkozy. A culpa foi desses brazucas que não sabem falar, não sabem se expressar. Ora, Emanuel, a moça fez greve de fome e emagreceu, por motivos óbvios: não estava feliz com a perspectiva de passar o resto de seus dias numa cadeia italiana. Se Battisti fizesse greve de fome e emagrecesse, a decisão de Genro seria válida. Se Genro usasse palavras diferentes, seria válida. O que eu estranho é que a mídia francesa, nem as autoridades italianas, e agora nem o Parlamento Europeu, ninguém questionou a decisão de Sarkozy. Olha, eu não sou advogado de Battisti. Não gosto desse cara. Não gosto de ultra-esquerda, e acho totalmente ridícula num país democrático (mafioso, nebuloso, etc, mas democrático) a pregação de pegar em armas. Tem gente que diz que os grupos de ultra-esquerda italianos foram bancados pela CIA. O lado nocivo desse cara se revela agora, quando, depois de 30 anos, ele continua manchando a história do socialismo e da esquerda. Ele é um merda. Mas ele era um garoto quando fez isso. Enfim, não tenho elementos para defendê-lo. O que eu defendo aqui é o direito soberano do Brasil de dar asilo a Battisti, porque é praxe nesses casos. Em geral, os países dão asilo nesses casos, quando a pessoa envolveu-se em problemas políticos. Por isso a Europa deu asilo a ditadores africanos sanguinários. Os caras eram uns fdp, corruptos e assassinos até a última molécula, mas a tradição diplomática mundial é dar asilo sempre que houve um componente político na história. Os EUA dão asilo ao Posada Carriles, terrorista confesso, que explodiu um avião e matou 23 pessoas porque o caso tem colorações políticas (ele provalmente foi bancado pela CIA). O Brasil deu asilo político ao general Alfredo Stroenesser, apesar das demandas constantes do Paraguai para que o extraditássemos. É praxe na diplomacia mundial. Por isso a imprensa e a opinião pública francesa não protestaram quando Sarkô deu asilo a Marina Petrella. O caso do Battisti, contudo, encontrou um ambiente rico em polêmica, por causa de nossa imprensa obcecada em desgastar Lula, e por causa do governo italiano interessado em dopar a opinião pública com "adversários" externos, enquanto aprova leis draconiamente fascistas, como a recriação dos "camisas negras" e a lei do "dedo-duro", em que médicos podem (devem) denunciar ilegais que procuram atendimento. Enfim, não dou a mínima por esse Battisti. Se ele fosse extraditado, não derramaria uma lágrima por ele. Mas tivemos uma decisão brasileira e o mundo tem que respeitar. Aliás, o mundo respeita quem se respeita. Tarso Genro é o nosso ministro da Justiça, e ministro do governo mais popular da história política do país. É um bom ministro. Um cara reconhecidamente honesto e inteligente, inclusive por seus adversários. Ele tomou uma decisão, baseado nas informações que recolheu, com toda a estrutura informativa e contra-informativa de que dispôe e decidiu. Pronto. Não se trata de nada que afete a vida econômica, política ou social do Brasil. Portanto qual o porquê da gritaria? Simples, virou mais uma guerrinha para desgastar o Lula e, de quebra, a esquerda. Colar nele a pecha de "amigo" de terrorista, e na esquerda, idem. Não posso aprovar isso.

Anônimo disse...

Tá bom, tá bom, Miguel...
Me dobro ao seu último e fortíssimo argumento: A tradição!
Quando vc diz que deveriamos ter feito o que é praxe nas diplomacias, quando vc diz que a tradição deve ser mantida "mesmo que o cara seja um FDP", quando vc diz que deveriamos seguir a diplomacia das mesmas nações que ainda hoje foram tão criticadas, me rendo....
Nada tenho contra as tradições. Mas não me obrigo a manter qualquer uma delas.( muito menos usá-las como argumento para se contrapor a criticas acerca de medidas tomadas)
Quem sabe, quando amainar em mim esse ímpeto juvenil ( e tolo) de modificar as coisas eu me apegue mais as tradições.
Por enquanto não....

Miguel do Rosário disse...

Emanuel, a tradição, em casos jurídicos, é quase lei. É o que os juristas chamam de Direito Consuetudinário. Serve para, em caso de dúvida, em situações polêmicas, você se apega à tradição. Nem sempre vale. Mas, se o Brasil extraditasse Battisti, estaria transmitindo uma mensagem negativa, submissa de si mesmo, e geraria um mal estar muito grande entre a esquerda mundial e, notadamente, entre a brasileira. Leia o artigo de Giuseppe Rocco, que reproduzo abaixo.

*

CartaCapital e o país de Pinocchio

Por Giuseppe Cocco, 52, cientista político, doutor em história social pela Universidade de Paris, é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entre outras obras, escreveu, com Antonio Negri, "Glob(AL): Biopoder e Luta em uma América Latina Globalizada".


No Brasil, as vivas polêmicas suscitadas pelo caso Battisti foram e são atravessadas por dois grandes vieses. Obviamente, um deles tem origem na Itália. O outro, só um pouco menos óbvio, é fato da conjuntura política brasileira.

A violenta reação da classe política italiana à decisão brasileira de conceder “refúgio” a Battisti tem dois determinantes.

O primeiro diz respeito à composição fortemente reacionária do atual executivo italiano presidido por Berlusconi. Se o berlusconiano ministro do exterior, Frattini, chamou de volta o embaixador, foram os pós-fascistas a ameaçar com a suspensão do “amistoso” de futebol entre Brasil e Itália; e um deputado da "Lega Nord" a declarar que o Brasil é conhecido por suas “dançarinas” e não por seus juristas.

O segundo determinante diz respeito à composição da classe política italiana considerada em conjunto. Até o Presidente italiano, apesar de seu pouco peso (o regime italiano é parlamentar, e quem 'manda' é o Primeiro Ministro), o pós-comunista Napolitano, protestou veementemente e de maneira deselegante, em carta aberta ao presidente brasileiro.

A cobertura da grande mídia brasileira não traz nenhuma novidade. Quando se trata de Bolívia e Equador, ela prega firmeza e critica a postura conciliatória do governo brasileiro. Quando se trata de Itália, ela repercute (e dá legitimidade a) a pressão italiana, sem nenhuma preocupação com a firmeza “nacional” que a mesma mídia prega nos outros casos. A elite é isso mesmo: “forte com os fracos e fraca com os fortes”!

Mas, há uma segunda vertente de críticas à decisão brasileira no caso Battisti: trata-se das colunas do editor-proprietário de CartaCapital e de um magistrado, ex-chefe da repressão ao narcotráfico (sob FHC) que publica colunas no mesmo semanário, no Terra. Na realidade, essa 'segunda' vertente não faz diferente do que faz a grande mídia: é mais do mesmo, mas piorado. Ao mesmo tempo, há dois traços específicos nessa 'segunda' vertente.

Em primeiro lugar, Mino Carta e Walter Maierovitch pretendem-se inseridos no cenário político brasileiro nacional, no campo progressista, até de centro-esquerda. Sobretudo em função de uma inegável independência do jornalismo da Carta Capital – os dois beneficiam-se das vantagens dessa imagem, entre o público de esquerda. Em segundo lugar, ambos apresentam-se como profundos conhecedores da realidade italiana, sabe-se se por suas origens familiares, sabe-se lá se por algum outro critério pessoal indecifrável. E é assim que se lê, na Carta do Mino (de 28 de janeiro de 2009 ) que “o ministro Tarso Genro expõe ignorância em relação à história recente da Itália”.

As colunas desses dois autores atacam a decisão de Tarso com argumentações supostamente mais rigorosas no plano histórico, jurídico e político. Muitos, na esquerda, ficaram perplexos com o que leram essa semana. O fato é que aqui se viu uma interpretação reacionária à brasileira do balé reacionário encenado por praticamente toda a classe política italiana.

Em outro site[1], Walter chega a formulações de bem baixo nível, que deixamos que o leitor avalie: “Caso Battisti: Tarso Genro protagoniza tragicomédia e vai do masturbador a Bobbio”.

Mas em italiano existe uma frase bem adequada ao paradoxo aparente dessa situação: “non tutto il male vien per nuocere”, nem todo o mal vem (só) para o mal! A postura dos dois colunistas nesse caso é uma boa ocasião para ver, por um lado, que, nesse caso, seu jornalismo não é tão independente como eles desejariam que fosse; pelo outro, que eles são incapazes de apreender as dimensões políticas dos processo sociais e de seus conflitos.

Grosso modo, Mino mobiliza três argumentações.

Uma, geral, que diz muito sobre sua visão dos problemas do Brasil: trata-se de um país que deve firmar-se em nível internacional, ou seja ser sério, nos termos dos palpiteiros que decidem sobre "níveis de risco".

Assim, para Mino, o que pensa o The Economist constituiria alguma espécie de Magna Carta... ou seja uma Carta Capital. A decisão sobre Battisti é ruim, diz ele, porque The Economist não gostou. Para Mino o Brasil ainda seria uma criança que “vive em estado de ignorância”.

A segunda argumentação mobiliza um método jornalístico estranho. Afirmando-se como especialista dos detalhes da vida política italiana e de sua história, Mino elogia a carta aberta enviada a Lula pelo presidente italiano, o “comunista”, diz ele, Giorgio Napolitano. Mas Mino não chama de comunista, de pós ou de ex-comunistas os membros do PD (para onde convergiram os ex-membros do PDS, ex-PCI e os ex-membros da Democrazia Cristiana, DC). Tudo bem, até aí, nada de grave.

Mas, logo depois, Mino fala de uma outra carta, dessa vez enviada pelo presidente do Congresso italiano (Camera dei Deputati), Gianfranco Fini a seu homólogo Arlindo Chinaglia.

Ora, no Brasil, todo o mundo sabe que Chinaglia é do PT. Mas ninguém sabe de que partido é Fini. Se usamos o mesmo critério pelo qual Mino apresentou Napolitano ("comunista"), Fini tem de ser apresentado como "fascista": é dirigente do partido (MSI) criado pelos sobreviventes do regime mussoliniano no imediato pós-guerra, partido que, recentemente, se transformou em "Alleanza Nazionale". Diante disso, o que pensar ?

Por que esse tratamento desigual, em artigo de jornalista tão bem informado? Será que Mino não sabia como resolver a incongruência dessa unanimidade entre “comunista” e “fascista”? O nariz de Pinocchio não cresceu. O jornalista não escreveu uma mentira.

Simplesmente omitiu o fato que atrapalhava sua coreografia. E isso, depois de anunciar que, “como recomendaria Hannah Arendt, vamos à verdade factual” (sic).

Ou por ignorância da situação italiana, ou por ter-se atrapalhado com tantos malabarismos jornalísticos, Mino surrupia ao leitor um elemento importante: o drama da classe política italiana está justamente no fato de que comunistas e fascistas têm idêntica opinião sobre os anos 1970, sobre o Brasil de hoje e sobre várias outras coisas. Pobre Hannah Arendt, condenada à revelia a nos ensinar esse tipo de 'verdade'.

A 'verdade' que Mino noticia nada é além da 'verdade' de todos os ex-comunistas e ex-fascistas que negam aos militantes revolucionários dos anos 1970 a possibilidade de, hoje, quase 40 anos depois, serem diferentes do que foram. Por que tantos são hoje “pós”... e os militantes revolucionários daquela época não podem ser?

Pobre Oswald de Andrade, cujo Stanislaw Ponte Preta é citado à toa, para falar do Brasil desde um ponto de vista eurocêntrico que ele tanto criticou!

Por que, em outro parágrafo, falar do fato de que o advogado de Battisti defende também Dantas, e não lembrar que o mesmo advogado defendeu também o MST? MST que assinou manifesto em favor de Battisti e ocupa 8 páginas do mesmo número do semanário?

Por que quando fala do Tortura Nunca Mais pelo avesso que haveria na Itália, não citar o detalhe de que o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro apoiou a decisão do Ministro Tarso?

No mesmo numero do semanário, Walter começa sua coluna, falando de Gramsci morto na prisão, por mãos dos fascistas. Não pergunta a pergunta indispensável: o que pensaria o pobre Gramsci, se visse uma situação na qual pós-comunistas e pós-fascistas andam juntinhos?

Não, não. Ninguém aqui pretende mobilizar Gramsci em prol de Battisti. Mas, sim, haveria boa coluna a escrever, sim, sobre o que pensaria Gramsci sobre o voto dos ex-comunistas italianos a favor da guerra do Afeganistão e da guerra Kossovo. O que pensaria Gramsci, sobre isso? E o que pensaria Gramsci sobre direita e esquerda italianas estarem hoje unidas, também, numa furiosa discriminação dos imigrantes estrangeiros? E sobre a imposição das bases militares dos EUA em Vicenza, imposição que a população daquela cidade rejeitou em plebiscito legal (e estamos falando de 2008!) e que direita e esquerda italianas aprovaram? E o que pensaria Gramsci sobre o ex-comunista Walter Veltroni e o líder dos DS o qual – quando prefeito de Roma – ante um fato de delinqüência sexual praticado por um grupo de imigrantes romenos – clamou por punição coletiva, étnica, para todos os “roms” (quer dizer, todos os ciganos)?

Mino e Walter falam da volta do “Febeapá do Lalau” e se pretendem conhecedores finos da realidade italiana. Walter nos explica que as leis especiais de repressão da luta armada não eram “de exceção” mas de “emergência” – sutileza equivalente ao requinte busheano de chamar a tortura praticada em Guantanamo de “novos métodos de interrogatório”.

E então vem Mino e nos diz que “a Itália (...) não alterou uma única, escassa vírgula da sua Constituição para combater o terrorismo”. Pois é.

Difícil supor que Mino não saiba que a Constituição italiana co-habitou por muito tempo não apenas com a máfia e a corrupção, mas, sobretudo, com o "Códice Rocco" – que leva o nome do jurista fascista que o redigiu durante o período mussoliniano. Assim também as relações entre Estado e Igreja continuaram sob o marco do também mussoliniano “concordato”, sem que a Constituição representasse obstáculo a qualquer daquelas legislações fascistas. Até a discriminação atual dos imigrantes é constitucional.

Walter se afirma profundo conhecedor da vida política italiana e escreve: “[na Itália] o terror começou em dezembro de 1969 com a explosão de Piazza Fontana”. Não. A Itália inteira sabe que esse atentado, conhecido como “strage di Stato” (massacre praticado pelo Estado), está na base da chamada “strategia della tensione” – uma série de atentados (nos trens, em manifestação em Brescia, na estação de trens de Bologna) cometidos por fascistas ou agentes do Estado ligados a uma organização paralela da Otan, chamada "Gladio", dirigida por Licio Gelli entre outros.

O que fez a Itália supostamente democrática dos anos 1970, a Itália do tão elogiado presidente Pertini, para salvar as centenas de italianos e milhares de descendentes de italianos que eram torturados e exterminados na Argentina? Será que a seleção nacional italiana se recusou a jogar o mundial argentino por causa disso? Será que Walter sabe nos dar alguma resposta?

A Itália dos anos 1960 e dos anos 1970 era assim: políticos da Democrazia Cristiana misturados com mafiosos, generais golpistas, logias maçônicas, bancos do Vaticano e bombas cegas destinadas a ameaçar o movimento operário e estudantil. Afirmação política que chegou à imortalidade na peça de teatro “Morte acidental de um anarquista” de Dario Fo, prêmio Nobel de literatura. É essa verdade política que nossos dançarinos optaram por não revelar a seus leitores.

O primeiro ato violento da esquerda foi – em 1972 – o homicídio do Delegado Calabresi, acusado de ter defenestrado o anarquista Pinelli para acusar o movimento desse horror. O intelectual Adriano Sofri, na época dirigente do grupo "Lotta Continua" (que tinha 20.000 militantes e publicou ao longo da década um jornal quotidiano do mesmo nome), está pagando com longos anos de prisão uma condenação por responsabilidade moral nesse assassinato. E isso não é político? E Feltrinelli, editor, homem de esquerda e amigo pessoal de Fidel Castro, que morreu também em 1972, tentando sabotar uma torre de energia para tentar acordar os grupos de resistência contra as ameaças fascistas? Feltrinelli foi criminoso comum?

Essa verdade política estava na rua, nas manifestações de milhões de italianos ao longo de toda a década. O Estado italiano nunca desvelou as conspirações e cumplicidades que o ligaram à estratégia da desestabilização (strategia della tensione). Aliás... por que os ministros italianos fascistas não mandam chamar de volta o embaixador italiano no Japão, para conseguir prender, afinal, um dos acusados por vários atentados?

Mino e Walter não lembram do clima daqueles anos? O golpe militar contra Allende (em 1973), o esmagamento da revolta dos estudantes gregos pelos tanques não teria tido, para eles, nenhum impacto nos movimentos de toda a Europa?

Não eram pequenos grupos. Eram manifestações oceânicas, sistemáticas e repetidas, manifestações de rua que diziam: “Grécia, Chile: mai piú senza fucile” [Grécia, Chile, nunca mais sem fuzil].

O próprio compromisso histórico não foi, pelo menos em parte, fruto do veto norte-americano à chegada ao poder do Partido Comunista Italiano? Para não falar de Ustica: será que Mino e Walter ouviram falar de Ustica?

Se sim, como justificam que o Estado italiano tenha acobertado todos os elementos que indicavam que o avião foi derrubado por um míssil, em acidente que matou 81 pessoas? Por que a Itália nunca chamou o embaixador dos Estados Unidos, quando retiraram clandestinamente de território italiano os pilotos militares que derrubaram a cabine de um teleférico ('bondinho'), matando 20 italianos?

Por que não se romperam relações diplomáticas com os Estados Unidos, quando norte-americanos metralharam um carro do serviço secreto italiano cujos ocupantes participavam de uma operação de libertação de uma refém em Bagdá?

Por que as mortes ligadas a Battisti seriam mais pesadas de todas as outras? Não é problema de justiça, ainda menos de moral. Trata-se afirmar uma razão de Estado.

A Itália quer afirmar sua razão de Estado como a única, para que ninguém ouse mais contestá-la. Mino e Walter dançam por essa música.

Chegamos assim à terceira argumentação. Mino e Walter tentam demonstrar tecnicamente que Battisti seria delinqüente comum.

Usando magistralmente os relatórios de polícia (diga-se de passagem que, na época, era "polícia política"; depois, passou a ser designada por uma sigla, DIGOS), Mino e Walter dizem que Battisti teria sido recrutado pelas organizações armadas, depois de ter sido preso por crimes comuns.

Aí, Mino e Walter têm de se decidir, é uma coisa ou a outra: se na Itália daquela época não havia crimes políticos... quando ter-se-ia dado a mágica de transformar-se o crime de Battisti, de crime comum, em crime político? Por que os relatórios de polícia tanto se empenhariam para estabelecer o momento e a forma de sua “politização”?

O fato é que Mino e Walter estão constrangidos numa visão da história que – por mais simpática que tantas vezes seja à histeria anti-Lula da elite brasileira, não tem nenhuma dimensão política. Além disso, tampouco têm capacidade de apreender o papel constituinte das lutas sociais, inclusive quando são violentas.

Será preciso lembrar a Constituição dos Estados Unidos que prevê o direito à revolta contra o poder constituído? Thomas Jefferson, agora, mais um perigoso terrorista?

Bem mais recentemente, em seu discurso sobre a questão do racismo, o atual presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, não reivindicou explicitamente as lutas dos negros, inclusive das revoltas violentas? Não tentou a direita republicana usar contra ele, então, sua relação com um antigo militante dos weathermen (movimento de guerrilha contra a guerra do Vietnam)?

Battisti, e com ele centenas de milhares de jovens operários, estudantes, desempregados na Itália dos 1970, participou de um movimento revolucionário, que atacava as bases do sistema de acumulação capitalista e alimentou, até meados dos anos 1970, um processo de libertação que a normalização pós-comunista e pós-fascista ainda não zerou.

Sim, os operários italianos lutavam contra a ordem fabril e contestavam a constituição italiana “fundada sobre o trabalho”, ou seja sobre a exploração do trabalho. Sim, os novos movimentos contestavam a sociedade disciplinar como um todo e construíram a base da abolição dos hospitais psiquiátricos, das lutas pela democratização das prisões, contra o serviço militar autoritário, pela universalização do acesso horizontal ao ensino superior, pela habitação popular e a gratuidade dos serviços.

Essas lutas conquistaram o direito ao divórcio, os direitos das mulheres ao aborto e até as vitórias do Partido Comunista nas municipais de 1975.

Depois, essas lutas foram derrotadas pela espiral dos massacres perpetrados pelo Estado e das respostas armadas que militarizavam o movimento. A repressão desse movimento pela qual optou a esquerda institucional (com o “compromisso histórico”, quer dizer com a conciliação com o histórico partido de poder, a Democrazia Cristiana) não significou apenas a derrota do movimento: significou a derrota da própria esquerda.

Um ano depois da grande operação política de repressão do dia 7 de abril de 1979, a Fiat demitiu dezenas de milhares de operários e começou a contra-revolução neoliberal que se tornaria hegemônica mundialmente até os dias de hoje. Resultado: a esquerda institucional italiana não existe mais.

Os pobres que todo o dia lutam renovando os princípios éticos, quer dizer constituintes, dos direitos e do direito entendem muito bem que, para além do graves erros políticos da década de 1970, na Itália como no mundo todo, aquele ciclo revolucionário está presente, inclusive e sobretudo nos governos democráticos de América do Sul, nas dinâmicas de radicalização democrática que os atravessam. A decisão do ministro Tarso é uma dessas dinâmicas radicalmente democráticas.


* GIUSEPPE COCCO , 52, cientista político, doutor em história social pela Universidade de Paris, é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entre outras obras, escreveu, com Antonio Negri, "Glob(AL): Biopoder e Luta em uma América Latina Globalizada".

Anônimo disse...

Miguel, Não sou mino Carta, mas prometi a mim mesmo me despedir do assunto Battisti. Portanto, não pretendo voltar a este tema.
Quero apenas relembrar que no meu primeiro comentario expus meu ponto de vista a favor da extradição ( portanto, contrario à concessão do refugio) por uma razão simples, até singela:
A italia, na epoca dos crimes, dos julgamentos era uma democracia reconhecida por todos. E ainda é atualmente ( sei, sei... com imperfeições, dilemas, injustiças, como todas, inclusive a nossa...).
Por isso, e apenas isso me basta para impedir que me aventure a "julgar" a decisão tomada pelo Tribunais legitimos de um outro país democratico. E muito menos para "classificar", com uma estrela, duas estrelas ou tres estrelas a "quantidade de democracia" ou o "grau de respeito às leis" existentes na Italia.
Me bastaria, como me basta, saber que era ( e continua sendo) uma democracia reconhecida por todas as outras democracias. Ponto.
Quanto ao artigo do Professor, li.
E transcrevo um trecho em que ele tenta demonstrar a "fragilidade" da democracia italiana, nestes termos:

"O que fez a Itália supostamente democrática dos anos 1970, a Itália do tão elogiado presidente Pertini, para salvar as centenas de italianos e milhares de descendentes de italianos que eram torturados e exterminados na Argentina? Será que a seleção nacional italiana se recusou a jogar o mundial argentino por causa disso? Será que Walter sabe nos dar alguma resposta?"

Me poupo, lhe poupo ( e até o professor, por que não???) de comentar argumentos deste tipo.
Registro apenas que me preocupa muito ver que o articulista ensina jovens....

Até a próxima....

Miguel do Rosário disse...

Emanuel, uma autoridade italiana defendeu, seriamente, o cancelamento de um amistoso entre as seleções brasileiras e italianas por causa do episódio Battisti. Por isso o articulista fez a comparação. Não é um exemplo brilhante, não é um argumento convincente. Eu não publiquei o artigo para lhe convencer, mas para você ter mais elementos para compreender o que era a democracia italiana daquela época. Não se esqueça que o Nazismo começou como democracia. Mas é fato que muitos italianos morreram torturados em prisões argentinas, e o governo da época nunca reagiu.

De qualquer forma, o trecho que você recortou estava num contexto, referindo-se ao panorama que ele criou da época. A estratégia de recortar textos e descontextualiza-los entrou na moda agora, mas é deturpadora.

Não sei se ele é um bom professor, mas não me parece que o trecho em questão o torna um "monstro" que perverterá a juventude. Lembrei agora de Sócrates, condenado à morte por perverter os jovens. Acho que os jovens não são carneirinhos ingênuos que podem ser pervertidos por seus professores.

Clipping de esquerda disse...

Resumo da ópera:
Tarso Genro dentro das atribuições que lhe confere a Constituição Brasileira, preferiu alinhar-se à doutrina Mitterand que à doutrina Berlusconi.
O resto é a velha e surrada exploração de qualquer fato que implique em condenação do governo.
Esteja certo ou errado.
Com a ajuda luxuosa do surto de italianidade de Mino Carta.
Que depois disso, preferiu se calar.

Anônimo disse...

Mino Carta buscava uma reforma profunda e não superficial, que acabasses com status quo atual.Ele, talvez, buscasse algo como o que Hugo Chávez e Evo Morales fizeram em seus respectivos países.Dignidade é algo que somente se irá obter através de reformas amplas,concretas e de extrema magnitude, e não com paliativos.Hoje, temos uma elite que se acha divina e uma classe política idem.E as pessoas continuam passando fome.Serra está aí e tem chances reais de chegar ao poder, ameaçando essas pequenas conquistas obtidas. Mino, por entender como a elite paulistana é traidora,tacanha e antipovo, acha que somente as coisas irão mudar através de um estadista que temha a coragem de fazer reformas amplas e garantir realmente a justiça social.Acho que você deve rever os seus conceitos sobre Mino Carta, esquecer esse rame rame que a Itália tem com o Brasil e focar no que é relevante, sem esses desvios.Desqualificar o Mino Carta não vai levar a nenhum lugar, pois os adversários que realmente precisam ser "batidos", são os que defendem esse status quo e se ungem de "direitos divinos", como a elite paulistana,que está se organizando e agindo, enquanto aqui se perde tempo discutindo esses assuntos.

Apenas, Marcia disse...

Voltando à questão do seu artigo, Miguel, vou te contar uma história linda. è sobre o Ademir. Ele trabalha como almoxarife aqui em Brasília na construção de um prédio em Águas Claras. Ele é do Piauí, de uma cidade próxima aos paredões pré-históricos existentes naquele estado. Hoje eu fui até lá para ver o apartamento que comprei e encontrei o Ademir feliz. Me contou sobre suas férias na sua cidade natal. Me falou que no lugar de miséria, hoje muitos tem parabólicas, televisão, geladeira, moto. Também já tem estrada e hoteis para o povo que quer conhcer a nossa história ancestral. Vi orgulho na sua fala. Você tem razão Miguel, não é esmola, não. è cidadania. É vida! É alegria! Mas essa gente indecente não gosta de ver o povo feliz.

Miguel do Rosário disse...

Bernardo, melhorar a vida do povo é uma reforma profunda.

Anônimo disse...

Eu não tinha pensado num assunto até gora. Acredito que Mino só se informava através do PIG. Não lia outros blogueiros para buscar contrapontos. Ele, como uma sumidade cultural não lia comentários "chulés", não lia artigos de outros blogueiros. Ficou com opinião direcionada (e dadas pelo PIG) e se desncantou com o mundo, da mesma maneira que os cansados.

Postar um comentário