5 de março de 2010

Mídia se alinha à Washington contra posição brasileira

A Foreign Policy é possivelmente a melhor revista especializada em política externa do planeta. Editada em Washington, possui dezenas de colaboradores, todos veteranos das publicações mais relevantes dos Estados Unidos, além de ex-diplomatas, e ex-altos funcionários da Casa Branca e de importantes instituições não-governamentais.

No final do ano passado, a revista elegeu nosso Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, como o melhor chanceler do mundo.


A mídia tupi, como era de se esperar, ignorou solenemente a homenagem internacional recebida por Amorim. Prefere insistir na lenda de que Amorim é um terceiromundista vulgar, que se rejubila em exibir um antiamericanismo demodé e infantil. Nada mais mentiroso. Nosso chanceler é um homem de idéias modernas, astuto e moderado, e um dos responsáveis pelo Brasil ter ampliado incrivelmente sua projeção no mundo.

A polêmica de agora refere-se às diferenças entre a política externa dos EUA e do Brasil em relação ao Irã. A mídia brasileira, claro, já perfilou-se atrás da posição americana, de onde lança petardos contra a opinião do governo brasileiro.

Confiram esse trecho do editorial do Estadão, na edição desta sexta-feira:

Outra é o infantilismo da atitude brasileira de rejeitar liminarmente a via das sanções, com a única finalidade de acicatar o governo americano. O que move a diplomacia lulista é a tolice de que a projeção do País como ator global depende de ser visto repetidamente mostrando a língua para os Estados Unidos - quanto mais importante o pretexto para a pirraça, tanto mais depressa Brasília será contemplada com esse imaginário passaporte para a fama.

Não há nada demais em criticar a posição brasileira nessa matéria. Se a mídia prefere se colocar permanentemente ao lado dos interesses da Casa Branca e potências européias, tem todo o direito. O incrível é achincalhar dessa maneira vergonhosa a política externa do Brasil, afirmando que esta é movida pelo desejo de mostrar a língua para os EUA. O assunto é extremamente grave. Os EUA não tem moral para acusar o Irã. Quem invadiu o Iraque e desestabilizou o oriente médio, alegando motivos falsos - e com isso enganando a comunidade internacional -, foram os EUA. Foram os EUA que fizeram uma guerra sem o consentimento da ONU e, portanto, são eles que deveriam sofrer sanções, e não o Irã.

Os problemas politicos domésticos do Irã estão sendo agravados, além disso, pela interferência ocidental. Aliás, não é de hoje que o Irã é acossado pelo Ocidente. Ao final dos anos 70, o reinado do xá Reza Pahlavi tornou-se cada vez mais ditatorial. Com apoio americano e britânico, o xá esmagava a oposição democrática, com uma violência e brutalidade que faz parecer a repressão vista hoje no país como um tratamento carinhoso.

Faz-se uma grande confusão aqui. A energia nuclear é essencial para o futuro do Irã. Que outra fonte de energia terá o país após o esgotamento de suas reservas de petróleo?

Abaixo a íntegra do editorial do Estadão de hoje.

A diplomacia da pirraça

Três rodadas de sanções impostas pelo Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas não impediram o Irã de desenvolver o seu programa nuclear alegadamente para fins pacíficos - em parte porque a Rússia e a China ajudaram o governo de Teerã a burlá-las. A julgar pelo retrospecto, portanto, uma nova bateria de punições seria inútil ou, pior, teria um efeito bumerangue. "Não é prudente encostar o Irã na parede", disse o presidente Lula na quarta-feira, horas antes de receber a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, que reafirmou em Brasília a posição dos Estados Unidos, endossada pela União Europeia, segundo a qual "o tempo da ação internacional é agora". Mas o retrospecto que aparentemente respalda a posição brasileira, favorável a negociações com os iranianos sem data para terminar, é uma premissa enganosa.

É verdade que o tipo de ação que Washington tem em mente costuma produzir, por si, escassos efeitos - com a espetacular exceção do boicote econômico à África do Sul, que precipitou a queda do regime do apartheid. Isso não é o principal, porém. No caso iraniano, se a adoção de novas sanções exprimir e em seguida cimentar a coesão internacional contra a nuclearização do país, a República Islâmica terá recebido uma vigorosa mensagem política que não poderá ignorar. Seria ingenuidade supor que o Irã poderá ser reduzido à condição de Estado-pária. Afinal, a nação persa não é bem um paiseco. Ainda assim, se os aiatolás olharem em volta e se derem conta de que os seus aliados se limitam aos países muçulmanos da África subsaariana e à Venezuela de Hugo Chávez, quem sabe se disponham a fazer de verdade o que até agora só fingiram - conversar a sério. Restará saber em que termos.

Hoje como hoje, o Irã se empenha em obter as condições - matéria-prima, equipamentos, tecnologia e base industrial - que lhe permitam fazer a bomba se e quando entender que chegou a hora. Há poucas semanas, o cão de guarda da ONU para o setor, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), afirmou existirem amplas evidências de que o país caminha a passos firmes nessa direção. É o mais claro alerta já emitido pela entidade sobre as intenções iranianas. Confere à questão um novo sentido de urgência. E implicitamente eleva o preço das contrapartidas que o Irã poderá exigir para mudar de ideia. Não é impossível - a Líbia mudou -, mas não há uma fórmula segura para dissuadir Teerã. No comunicado conjunto sobre a visita de Hillary, Brasil e Estados Unidos manifestaram a sua "séria preocupação com a evolução nuclear no Irã" e o exortaram a cumprir a resolução da ONU.

Uma coisa, no entanto, são as vastas incertezas sobre como chegar à "solução diplomática positiva para o tema" de que fala o comunicado. Outra é o infantilismo da atitude brasileira de rejeitar liminarmente a via das sanções, com a única finalidade de acicatar o governo americano. O que move a diplomacia lulista é a tolice de que a projeção do País como ator global depende de ser visto repetidamente mostrando a língua para os Estados Unidos - quanto mais importante o pretexto para a pirraça, tanto mais depressa Brasília será contemplada com esse imaginário passaporte para a fama. Já não se trata apenas, ao que tudo indica, do antiamericanismo de ranço ideológico. Agora é a vez do antiamericanismo de resultados - conquanto impalpáveis até onde a vista alcança.

Mas deve ter feito um tremendo sucesso em Teerã a esdrúxula tirada do chanceler Celso Amorim, comparando as pressões dos Estados Unidos contra o Irã à retórica americana sobre as armas de destruição em massa do Iraque antes da invasão do país. Saddam Hussein fazia crer que as tinha para não ser derrubado por seus generais. Mahmoud Ahmadinejad nega que pretenda tê-las enquanto se prepara para fazê-las. Com a lábia dos vendedores de tapetes do bazar de Teerã, os diplomatas iranianos se desdobram em lisonjas ao Brasil - e o Itamaraty, ofuscado pela soberba, cai no conto. Cheio de si, Amorim não quer saber se cresce o consenso pelo endurecimento com o Irã. "O Brasil pensa com a própria cabeça", anunciou, contando vantagem à maneira dos novos-ricos. Só foi superado pelo seu "guia", como se refere a Lula. "Se o Irã for além disso (o uso da energia nuclear para fins pacíficos)", balbuciou ele, "não poderemos concordar." Ahmadinejad treme de medo.

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