21 de maio de 2010

Entreguismo da mídia fica nu

Agora eles se ferraram bonito. Em seu antilulismo psicodélico, a mídia brasileira tentou mostrar a Declaração de Teerã como um fiasco, e se alinhou caninamente aos segmentos mais conservadores dos Estados Unidos. Pitbulls quando se trata de atacar o presidente da república, agiram como poodles trêmulos e dóceis perante as posições sectárias e intolerantes da Casa Branca. Ferraram-se porque perderam apoio na opinião pública interna. A esquerda, por sua vez, uniu-se em prol de uma causa nobre: a honra do Brasil, mais poder às nações emergentes, e a paz mundial. Pipocam na blogosfera textos cada vez mais contundentes, como esse do Mino Carta, esse editorial da Carta Maior; e o Nassif está monitorando de perto.

A oposição midiática, depois do triste papel de apostar na crise econômica, queima mais uma tonelada de prestígio ao posicionar-se contra o Brasil e contra a paz.



O Brasil, definitivamente, não está isolado, diferentemente do que publica a Folha na primeira página. Nem a "comunidade internacional" está contra o Brasil. Muito pelo contrário. A Folha confunde "comunidade internacional" com o absurdamente reduzido grupo que compõe o Conselho de Segurança da ONU, e omite que China e Rússia declararam-se, inúmeras vezes, expressamente favoráveis ao diálogo e elogiaram o acordo. Pepe Escobar, jornalista brasileiro que escreve em inglês para o Asia Times explicou que as duas potências asiáticas estão dando corda para os EUA se enforcarem, e que as sanções não serão aprovadas ou serão totalmente desfiguradas. A Rússia está vendendo mísseis para o Irã, caralho! A troco de quê vai aprovar sanções por causa de um programa nuclear pacífico cujo urânio será processado na França ou na própria Rússia? Não tem sentido.  E a comunidade internacional, lembra Escobar, compõe-se de mais de cento e cinquenta países, e a simpatia geral tende para o Brasil, não para os Estados Unidos.

Cravando o ferro mais fundo no traseiro midiático, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, declarou hoje acreditar que o acordo costurado por Brasil e Turquia em Teerã permita uma solução negociada da problemática iraniana.

Mais ferro: a Reuters desenterrou uma carta de Obama para Lula, dizendo que o acordo criaria confiança.

O Globo vem fazendo campanha contra o Brasil através de charges de Chico Caruso e intervenções multimídias de Arnaldo Jabor (TV, rádio e jornal). Os blogueiros da Veja (nem entro lá, não é preciso, eu já sei o que eles estão dizendo) estão com a língua em carne viva de tanto lamberem os coturnos do Tio Sam.

O pasquim de Ali Kamel foi obrigado, porém, a publicar cartinhas como essa na edição impressa:



A Folha, em vez de publicar o alentado e judicioso artigo de Philip Stephens, colunista do Financial Times, que explica, com argumentos conservadores, a posição brasileira e turca, nos traz um texto do asqueroso Andres Oppenheimer!, um borra-botas que escreve para a ultradireita de Miami e tem um longo histórico de agressões mentirosas contra o Brasil e contra Lula. Para vocês terem uma idéia, o artigo de Oppenheimer foi rapidamente reproduzido em blogs demotucanos, como esse de José Carlos Aleluia, o qual, diga-se de passagem, traz um imenso anúncio gratuito da  revista Veja.

Nem pode-se alegar que a Folha não conhecia o artigo de Stephens, pois o texto é citado na coluna do Nelson de Sá na edição do mesmo dia. Trata-se de um artigo muito mais bem escrito, muito mais denso, escrito por um especialista em relações internacionais de um jornal infinitamente superior e muito mais influente que o Miami Herald. Aliás, eu estou traduzindo esse artigo. Deixa eu continuar... Daqui a pouco eu atualizo esse mesmo post já com a tradução. Eu aviso no título.

Traduzi o artigo mencionado, segue abaixo:

Nações emergentes não querem jogar segundo as regras das potências ocidentais
Por Philip Stephens, colunista Financial Times

Publicado em 20 de maio de 2010.
Tradução: Miguel do Rosário, do Óleo do Diabo.

[Observe que Stephens começa o texto em cima do muro, flerta com as posições conservadoras-ocidentais anti-Irã, mas fecha defendendo a maior participação dos emergentes, como Brasil, na construção das novas regras mundiais].

Há duas maneiras de olhar para os esforços da Turquia e do Brasil para resolver o imbróglio envolvendo o programa nuclear iraniano. Uma descarta a iniciativa como uma forma de se acumpliciar à tentativa do Irã de sabotar uma quarta rodada de sanções das Nações Unidas; outro dá boas vindas ao reconhecimento de Ankara e Brasília como potências emergentes com interesse em manter uma ordem mundial baseada em regras claras.

Sem surpresa, a resposta padrão no ocidente foi a primeira. Reações em Washington, Londres e outros lugares para o acordo mediado pelo turco Recep Tayyip Erdogan e pelo brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva oscilou da condescendência à irritação extrema. Ankara e Brasília, na melhor das hipóteses, eram ingênuos.

O acordo fechado pelos dois líderes com o iraniano Mahmud Ahmadinejad, se implementado, deverá fazer o Irã transferir para Turquia uma grande parte do seu estoque de urânio. Em contrapartida, Teerã receberia o suprimento de material altamente enriquecido de que precisa. O risco de uma bomba nuclear iraniana seria reduzido, enquanto Teerã manteria o que ele vê como um direito soberano de domínio do ciclo do combustível nuclear.

Não há nada novo na idéia. Ela baseia-se numa oferta feita outono passado pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. A diferença é que esta primeira proposta previa que o urânio seria enviado para a Rússia.

O mais recente plano levanta muitas questões legítimas. Entre outras coisas, não nos diz o que o Irã se propõe a fazer com o resto do seu estoque de urânio e por que ele continua a produzir mais. Teerã deve explicar também por que agora está enriquecendo a uma concentração maior.

O timing do acordo levanta a justificada suspeita de que o objectivo principal do Irã é perturbar o movimento norte-americano de aprovar na ONU novas sanções ao país. Durante muitos anos de negociações com o Ocidente, Teerã foi pouco sutil em suas táticas: o padrão tem sido uma das concessões aparentes nos momentos de pressão, seguida por prevaricação longa e enriquecimento, como de costume. Em uma interpretação generosa, um diplomata ocidental me disse: Recep Erdogan, e o Sr. Lula da Silva foram ingênuos.

Neste contexto, os EUA, França e Grã-Bretanha revelaram seus planos para as últimas sanções - desta vez dirigida a Guarda Revolucionária do Irã - com evidente satisfação. Turquia e Brasil poderiam pensar que o acordo que obtiveram tinha revogado a necessidade de novas medidas punitivas, mas a China e a Rússia foram persuadidas do contrário.

Talvez eu seja cínico demais, mas eu detectei uma certa petulância aqui. Turquia e Brasil têm assento temporário no Conselho de Segurança, e é como se os membros permanentes tivessem sido afrontados pela ação independente desses dois países.

A questão nuclear iraniana, você poderia quase ouvir diplomatas dizendo, é um assunto que tem de ser resolvido pelos poderes estabelecidos. Se os outros querem ajudar, ok, mas devem fazê-lo apoiando o plano do Ocidente, em vez de virem com suas próprias idéias malucas.

Existem várias razões para mostrar como essa visão é míope. Os cinco membros permanentes até agora não chegaram a lugar nenhum. Mesmo aqueles que argumentam que as sanções são a única forma de forçar o Irã a obedecer às regras da ONU não acreditam realmente que elas podem funcionar. Se Teerã realmente decidiu construir a bomba, a pressão sobre a Guarda Revolucionária não mudará sua atitude.

É evidente, também, que no caso em que o actual regime mude seu rumo e busque uma acomodação pacífica para seu programa nuclear, teria que ser encontradas formas para garantir que isso não seja visto como uma capitulação aos poderosos do ocidente, ao grande Satã. Um acordo firmado com o Estado vizinho islâmico poderia talvez - e sublinho o talvez - ser uma rota de saída para o impasse.

Para o governo do Sr. Erdogan a tentativa de mediar um acordo é uma extensão natural da diplomacia regional de Ancara. Os últimos anos têm visto um aumento significativo, na Turquia, tanto de prosperidade económica como de autoconfiança política. Como França, Alemanha e outros têm encontrado razões para excluí-lo da União Europeia, a Turquia se voltou para o Oriente.

O crescimento da importancia de Ancara na região tem sido baseado na proposição brilhantemente simples de que as nações que querem se tornar influentes devem começar por resolver seus próprios conflitos. Recep Tayyip Erdogan estabeleceu acordos de longa duração com a Síria e o Iraque, e procurou diminuir as tensões no Cáucaso.

Os problemas da vizinhança não foram universalmente bem-sucedidos, mas foi o suficiente para transformar a Turquia em um grande jogador regional. O governo do Sr. Erdogan agora pode exibir a confiança política que nasceu de parcerias e acordos que abriram horizontes para além das negociações frustrantes e infrutíferas, em Bruxelas, sobre as condições em que poderia, em algum ponto, qualificar a Turquia como "potência europeia". Aqui, penso eu, encontra-se uma fonte de irritação em Washington e em outros países sobre a mais recente iniciativa.

A ambição não declarada dos governos ocidentais é a de que potências emergentes devem suportar uma parte dos encargos de garantir a segurança e a prosperidade internacionais. Países como China, Índia e, atrevo-me a dizer, Turquia e Brasil, são beneficiários de uma ordem baseada em regras globais e, como tal, devem estar preparados para contribuir. Eles devem, em uma frase cunhada há alguns anos por Robert Zoellick, atuar como partes interessadas no sistema.

Vista de Ankara ou Brasília, ou mesmo a partir de Pequim ou Nova Deli, há um obstáculo importante para este argumento. Eles não estão sendo convidados para criar uma nova ordem internacional, mas sim para cumprir as velhas (e ocidentais) regras. Como eu ouvi de um acadêmico chinês esta semana: é como se às nações emergentes tivessem sido oferecidos assentos em uma mesa de roleta, apenas na estrita condição de que o ocidente mantenha a propriedade do cassino.

Como de praxe, os EUA entenderam melhor do que os europeus esse deslocamento na distribuição de poder. O governo de Barack Obama tem meditado muito sobre a nova geometria geopolítica do mundo, mesmo que a Europa continue agarrada ansiosamente à antiga ordem atlântica européia.

Num excelente exercício de futurologia, o Global Trends 2025, o Conselho Nacional de Inteligência dos EUA, incluiu um cenário em que o Brasil age como mediador em momentos de crise no Oriente Médio. Imaginar um futuro diferente, contudo, não é igual a chegar às vias de fato ou concordar com isso. Mas se o ocidente quer fazer prevalecer uma ordem global, terá que se acostumar com outros participando na construção das regras.

5 comentarios

IV Avatar disse...

O título desta postagem poderi ser
Marionetes da mídia fica nus (em processo)

José Marcio disse...

Quanto menos eu leio O Globo, Veja, Folha etc. mais bem informado eu fico. Mais um golaço do Miguelito.

Patrick disse...

Miguel, para melhorar a indexação do seu blogue, e portanto facilitar sua divulgação via Google, seria interessante dividir textos como este em dois, colocando o artigo do Financial Times num post próprio. Um grande abraço.

Anônimo disse...

Caro Miguel! Cheguei até seu blog por indicação do Cloaca News, que há tempos acompanho. Depois de chegar até aqui, não me contive e passei a indicar via email a outros amigos e creio, se está formando uma espécie de rede da verdade. Como diz o Azenha, aqui você vê o que a mídia (leia-se PIG) não mostra. É impressionante como a gente, lendo esses blogs, sente segurança de estar recebendo uma informação verdadeira, sem precisar ficar se questionando qual seria a intenção do informante. Aqui se tem certeza de que a única intenção do blogueiro é que prevaleça a verdade.
E nós, seguidores, agradecemos esse empenho de vocês. E conclamamos. Continuem assim, por favor

Forte abraço

Felix Miglioranza

Unknown disse...

Os EUA sabotam a paz

O acordo com o Irã é uma vitória histórica da diplomacia brasileira, quaisquer que sejam seus desdobramentos. A mídia oposicionista sempre repetirá os jargões colonizados de sua antiga revolta contra o destaque internacional de Lula.
O governo de Barack Obama atua nos bastidores para destruir essa conquista. É uma questão de prestígio pessoal para Obama e Hillary Clinton, que foram desafiados pela teimosia de Lula. Mas trata-se também de uma necessidade estratégica: num planeta multipolarizado e estável, com vários focos de influência, Washington perde poder. E a arrogante independência do brasileiro não pode se transformar num exemplo para que outros líderes regionais dispensem a tutela da Casa Branca.
Em outras palavras, a paz não interessa aos EUA. E, convenhamos, ninguém leva a sério os discursos pacifistas do maior agressor militar do planeta. Será fácil para os EUA bloquear a iniciativa brasileira, utilizando a submissão das potências aliadas na ONU ou atiçando os muitos radicais de variadas bandeiras, ávidos por um punhado de dólares. Mas alguma coisa rachou na hegemonia estadunidense, que já não era lá essas coisas.

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