13 de abril de 2010

Montando os vermes gigantes



Uma imagem tem me perseguido nos últimos dias. Uma cena de Duna, filme de ficção científica de David Lynch. A história se passa num planeta desértico, onde os homens vivem em cidadelas oxigenadas e protegidas por enormes muralhas elétricas. Além de inóspito, sem água ou oxigênio, o lugar é habitado por vermes gigantescos, agressivos, que circulam por baixo das dunas e atacam de surpresa caravanas e acampamentos.

O personagem principal entra em contato com tribos rebeldes que vivem em áreas clandestinas e as ajuda a libertar o país da tirania corrupta que domina o planeta. O grande trunfo, que ele ensinará aos rebeldes, é sua técnica para dominar os vermes monstruosos.

Descontando o exagero caricatural da metáfora, é assim que me sinto. Quando critico a mídia, é como se eu tentasse domar um monstro. Usá-lo para destruir as cidadelas de opinião que mantém milhões de brasileiros encarcerados numa prisão de ignorância e preconceito.

Muitos leitores frequentemente sugerem que eu não me deixe pautar pela mídia. Concordo em parte, e dêem-me crédito por ser um dos blogueiros que mais criam pautas próprias. Trabalho muito em cima de dados e discursos em primeira mão. Ou simplemente pensamentos. Não posso, todavia, dispensar o uso dos vermes. Preciso usar sua força, seu gigantismo, para enfraquecer aqueles que, explorando o medo coletivo, tiranizam a opinião, em prol, é claro, da preservação das estruturas que os beneficiam.

Bem que eu tento evitar a pieguice do estilo "grandioso", mas não consigo... A gente vive como num balão, preso ao solo por centenas de pequenos contrapesos, cujo conteúdo é a areia de nossa covardia. Conforme lançamo-os fora, vamos subindo, em direção ao céu, à liberdade, ao infinito. No entanto, se nos livramos deles todos, o balão se perde na imensidão, e morremos.

Bem, chega de papo furado e vamos ao trabalho. Terminada a leitura dos jornais e blogs, tenho dois grandes assuntos a tratar. Um é a política externa do Brasil em relação ao Irã, a repercussão midiática na grande imprensa, e os desdobramentos da mesma sobre a paz mundial. Outro é a perseguição à Dilma, que ontem e hoje atingiu uma intensidade espantosa.

Comecemos pelo Irã.

Não é surpresa que a mídia brasileira tenha abraçado a causa sionista. E digo isso sem nenhuma simpatia pela causa árabe ou persa, idem. Tenho um conhecido que vive me aporrinhando com teorias de conspiração judaica e tudo que eu não quero é me parecer com ele. A mídia é particularmente sionista agora porque viu a possibilidade de encontrar um flanco desguarnecido no governo.

Ontem eu não comentei um editorial horrível do Globo sobre a política externa brasileira. Não fi-lo porque o jornal abriu espaço, ao lado, sob o chapéu Outra opinião, a uma outra visão sobre o tema, muito mais realista. Então me dei por satisfeito. Eis, porém, que a imprensa volta à carga hoje, e não só o Globo. Além do jornalão carioca, o Estado também aborda o assunto nesta terça, e todos se alinhando caninamente ao discurso bélico da direita americana, lamentavelmente comprado por Obama. Como eu gosto do Obama, eu forço a barra para mim mesmo pensando que ele alimenta os falcões com uma política externa conservadora, numa tentativa de emplacar alguns avanços sociais internamente. Ou seja, faz uma política externa de direita para empurrar outra de esquerda em território nacional. É uma tática comum essa. Kennedy fez isso. Roosevelt fez isso. Todos os presidentes americanos um pouco mais progressistas procuraram amansar suas bestas-feras mandando-as caçar mundo afora. É uma tática notoriamente imperialista. Brutal e impiedoso no exterior, querido em família.

Mas não interessa ao Brasil. É evidente para mim que o Irã tem direito de pesquisar e usar energia nuclear para fins pacíficos. Quando o petróleo do país acabar, que fontes de energia terá o Irã para alimentar suas indústrias? Lá não tem água, então não pode ter hidrelétricas. Não tem carvão, que é de resto uma péssima fonte. Como cargas d'água os EUA esperam que os iranianos cavem uma imensa cratera para si mesmos, ao não criarem uma sólida alternativa energética para o país? Mesmo dispondo de grandes rios, EUA e Europa usam fartamente energia nuclear para se desenvolverem. O Brasil, que tem mais água que todo mundo, também usa, e muito, energia nuclear em suas cidades, sobretudo no estado do Rio. Por que não o Irã?

Seja como for, no afã de mostrar o Brasil isolado em sua política externa em relação ao Irã, Globo e Estadão publicaram matérias cuja pança cobria-lhes totalmente os genitais.

O Globo veio com essa na página interna:


E com essa na capa:



O Estadão, por sua vez, também publica a notícia na capa...


... e no miolo:




Eu juro a vocês que não botei fé. A China entrar nessa? Dito e feito. Logo depois, apareceu uma notinha dizendo que o Irã não acreditava que a China fosse aderir. A tampa do caixão fechou com estrondo, enfim, quando o ministro de relações exteriores da China, no início desta tarde, após, certamente, assistir, estarrecido, a proliferação de uma notícia totalmente distorcida e mentirosa sobre a posição de seu país, declarou, peremptoriamente que a ...


Ou seja, o pobre cidadão pode raspar toda a informação que judiciosamente guardou em seu córtex cerebral e lançá-la ao lixo, de preferência junto com o jornal de onde a tirou. Fico pensando nas milhares de pessoas que assediaram seus colegas de trabalho com afirmações do tipo: "Está vendo, não disse? Lula só faz merda em política externa. Devia seguir os EUA e isolar o Irã. Até a China concorda."

Em primeiro lugar, eu noto a hipocrisia. A China comunista, que mata um dissidente todo dia, e onde a greve de fome de um preso, tanto faz se político ou preso comum, provocaria apenas enorme onda de de hilaridade sádica em todo país, a China manda seus altos executivos visitar o Brasil e o que vemos é a imprensa dar loas às grandes possibiliades econômicas que se abrem para nós. Agora, se um preso comum (sim, porque aquele tal de Zapata NÃO era um preso político, como agora se fica repetindo ad infinitum, tentando colar a informação com super-bond nas consciências atordoadas dos leitores de jornais) faz greve de fome, pedindo arcondicionando e tv a cabo para sua cela, e morre, aí a imprensa quer que o Brasil declare uma pequena guerra diplomática à Cuba, prejudicando um país que vive um cruel embargo econômico há 50 anos.

Pior! Se a China agora aceitar o joguinho americano, em virtude de sabe-se lá que egoísta cálculo político deles, o Brasil deve submissamente aderir também!

Enquanto isso, a Globo News faz uma poliânica reportagem sobre a boa vida no Bahrein, um reinado totalitário onde os dissidentes provavelmente nunca fizeram greve de fome, porque desaparecem muito antes!

Bom, seja como for, o governo brasileiro não se rendeu às pressões neocon, que pelo jeito tentam vergar também o dragão oriental. Porque isso não interessa ao Brasil. Nem interessa à paz mundial. Não interessa ao Brasil porque o Irã é um de nossos maiores parceiros comerciais, com possibilidade de sê-lo ainda mais. Não interessa à paz mundial porque o Irã sequer tem armas nucleares, como tem Israel, Paquistão, Índia e ex-repúblicas soviéticas e não é um país com tradição de atacar vizinhos. Na última guerra em que o Irã se meteu, contra o Iraque, ele foi atacado covardemente por Saddam Hussein, que contava à época com apoio irrestrito do Ocidente.

*

Sobre o tema eleições, ao contrário do que ocorre aqui em casa, a mesa é farta e abundante. Se eu fosse a Dilma, fazia greve de silêncio, ou colava um esparadrapo na boca por algumas semanas. E divulgava no seu Twitter a seguinte citação, do Antigo Testamento: "meus inimigos continuamente me espezinham, são numerosos os que me fazem guerra. (...) O dia inteiro eles me difamam, seus pensamentos todos são para meu mal, reúnem-se, armam ciladas, observam meus passos, odeiam minha vida." (Salmos, 55).

Não sei se eles fazem rodízio para morder e assoprar, mas o Globo de hoje está com um bico tão grande que mal se lhe consegue distinguir as letras. Ele afirma que Dilma faz estragos por onde passa. Claro, onde ela vai, e fala, a imprensa pega suas palavras, embebe-as em ácido alucinógeno, e serve-as aos leitores com a expressão pura e boa de Hannibal Lecter te convidando para um cálice de vinho.

O que me aborrece, contudo, é ver aliados bebendo esse vinho vagabundo, envenenado, e ainda achando muito bom! E daí saem agredindo a Dilma por isso e aquilo, sem consciência de sua lamentável embriaguez. O senador Cristovam Buarque, por exemplo. Todo mundo gosta dele. É bonitinho, bonzinho, luta pela educação, pela ética, etc. Mas é burro como uma porta, que Deus tenha piedade de sua alma! Pegou a frase da Dilma sobre não fugir, não como ela disse, mas aquela já embebida em veneno, e a sorveu alegremente, e daí declarou à mídia que a pré-candidata "faltou com respeito a Miguel Arraes, Leonel Brizola, Carlos Prestes e tantos outros." E prosseguiu na mesma linha, enquanto se ouviam palmas no último andar de alguns prédios em São Paulo...

Até que essa é uma polêmica boa, de tão boba que é. Talvez Dilma tenha cometido mesmo um erro infantil, fruto de algum texto escrito por terceiros. Mas erros assim são inevitáveis. A burrice está, por parte dos aliados, em amplificar esses deslizes, dar-lhes um eco que não merecem, e que beneficiam o adversário. Primeiro: ela não citou exilados. Ela disse apenas que não foge da luta. É bem diferente. E Dilma é cercada de exilados políticos. É claro que ela não tem preconceito contra quem saiu do país para defender sua vida.

É uma polêmica boa porque espalha o nome dela por aí.

Agora, é preciso criticar, sim. Talvez não tenha sido a melhor das idéias ir ao Ceará sem combinar com a família Gomes. Os dois, o governador Cid e particularmente Ciro Gomes, são muito importantes para Dilma. Eu acho que ela errou sim. Mas, enfim, ela está começando a campanha e errar faz parte. O mais importante é que ela está aparecendo, dando entrevistas, divulgando suas idéias. A única coisa que falta para Dilma ultrapassar Serra nas pesquisas é ser conhecida por mais brasileiros, sobretudo na classe pobre. Nesse primeiro momento, por mais que suas andanças sejam um pouco erráticas, não há problema em perder um pouco de votos na classe média "iluminista" (essa expressão é do Sirkis, do PV carioca; um amigo meu também gosta de usá-la, mas com sentido contrário; de qualquer forma, é um tanto ridícula, de um jeito ou de outro, sobretudo na boca do Sirkis... ), se ela conseguir quebrar o muro que a grande mídia está pondo entre o povo e a informação de que ela é a candidata de Lula.

A única maneira de Serra ganhar essas eleições é enganando o povo brasileiro, dizendo que ele também representa a continuidade de Lula. É mentira. A candidata de Lula é Dilma. Quando o povo brasileiro descobrir isso, e vai descobrir logo logo, as chances de vitória de Dilma crescerão exponencialmente.

7 comentarios

Paulo Reis disse...

Para alegrar o nosso dia:
Pesquisa Sensus aponta empate técnico na corrida presidencial : Serra, 32,7% X Dilma, 32,4%. O calafrio na espinha dorsal demotucana vem se somar à confirmação de que José Alencar não postulará mais o Senado. Abre-se uma opção segura de continuidade no governo para que Lula, em hora oportuna, possa se licenciar mergulhando inteiramente na campanha de Dilma Rousseff.(Carta Maior; 13-04)

Anônimo disse...

salve, miguel,

esse cristovam buarque é um caso perdido. o caba se entupiu tanto de conhecimento acadêmico que se esqueceu do exercício cotidiano da política. vôte!
dilma, concordo, tem mais é que viajar e falar ... falar ... falar. ocupar o espaço midiático promovendo sua indicação do lula e marcando diferença com os demo-tucanos.

abçs

carlos anselmo

Unknown disse...

Gosto muito de seus textos, são claros e cristalinos! Consegue dissecar as informações deturpadas que saem na midia, e ainda faz as criticas construtivas que todo bom jornalistas deveria fazer. Abraços, Lucia.

Luis Henrique disse...

Oi Miguel,

Se não quiser se pautar pela grande mídia, divulge o que não passou de nota de rodapé no Haarezt online (e só):

Milhares de prisioneiros palestinos iniciam greve de fome

Não exigem muito - apenas o fim do isolamento de seus companheiros que permanecem mais de 8 anos em solitárias israelenses.

IV Avatar disse...

A frase de Dilma foi dirigida a Serra.
O erro foi Dilma não ter dito textualmente "ao contário de Serra eu não fujo da luta."

Não citar o nome de Serra foi uma brecha para que o partido da imprensa viesse a público dar a entender que Serra foi um exilado do mesmo tipo de Brizola,, o que é um escárnio,,,e é lamentavel que Cristóvam Buarque esteja faaendo parte desta palhaçada

Concordo que no momento Dilma deva se fazer de morta,,nao compensa ela ficar se defendendo de um erro que ela nem cometeu, o tal "factóide do exílio"

Anônimo disse...

Agora me interessei pelo filme que vc cita,,eu havia olhado o cartaz mas com esta leitura sua agora vou assistir,,,eu não havia entendido a mensagem

Apenas, Marcia disse...

Gente, seus comentários sobre o Irã são o máximo... Não por outro motivo você é um dos meus favoritos.

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