27 de junho de 2010

Ferreira Gullar se tornou um reacionário vulgar

Não sou ignorante em poesia. Já li todos os livros de Ferreira Gullar, atentamente, diversas vezes. Lembro das tardes modorrentas no litoral sul do Rio, a chamada Costa Verde, que eu passava lendo, relendo, decorando, os poemas de Dentro da noite veloz. Ou ainda o impacto dionísiaco que foi conhecer as loucuras sintáticas do Poema Sujo.

Por isso mesmo, é com muita tristeza que eu constato que o responsável por um dos melhores momentos da poesia brasileira tornou-se um reacionário vulgar, medíocre e irresponsável. Eu gostaria de entender porque o poeta não usa sua coluna no caderno de cultura da Folha para falar de... cultura. Gullar escreveu importantes e polêmicos livros sobre artes plásticas (que também li, todos), onde critica severamente diversos aspectos da arte contemporânea. Acho incoerente de sua parte não usar o espaço de que dispõe para dar uma sequência dialética às críticas que fez em livro. Além disso, Gullar mostra-se extremamente desinformado em política. É notório que é um leitor unilateral da mídia impressa. Não conhece a internet, e isso é fatal para quem deseja ser analista político.

O que mais me irrita, e entristece, no texto de Gullar é sua profusão de clichês. Confiram comigo, os primeiros parágrafos de sua coluna de hoje.

ÉTICA NA política é coisa rara, qualquer que seja o partido. É surpreendente, no entanto, que o partido que nasceu empunhando a ética como bandeira tenha se tornado a expressão da antiética. Certamente, haverá, no próprio PT, exemplos louváveis de políticos que não se deixam seduzir, seja pela esperteza, seja corrupção, mas não são estes que dão as ordens na equipe do presidente Lula.

Não quero cometer injustiças mas, se não é mera impressão minha, vejo o presidente Lula como o oposto de tudo o que seu partido prometia trazer à vida política brasileira. Posso estar enganado, mas, se bem o percebo, ele, com a sua esperteza sindicalista, induz os que atuam sob seu comando a pôr de lado todo e qualquer escrúpulo: manipulam informações, falseiam a verdade dos fatos, forjam dossiês com falsas acusações, acusam vítimas de os estarem caluniando. Esses são alguns dos procedimentos comuns ao governo do atual presidente.

Dizer que o PT nasceu empunhando a ética como bandeira é um clichê, uma invenção astuciosa dos tempos do mensalão para detonar o partido. Ética não se mistura com política; é antes um imperativo moral do ser humano, seja de que partido ou ideologia pertença. O PT nasceu como um partido socialista, ou social-democrata, para defender a classe trabalhadora. Suas bandeiras eram o aumento da renda para o trabalhador e a luta contra a miséria.

Note como ele inicia o segundo parágrafo: "Não quero cometer injustiças, mas se não é mera impressão minha (...)" Ora, Ferreira, tenha dó! Não quer cometer injustiças? Então não as cometa! Não sabe se é mera impressão sua? Então nos poupe!

Em seguida, o poeta acrescenta outro pedido de desculpas por seu golpismo banguela: "posso estar enganado (...)". Ora, Ferreira, se tem tantas dúvidas, não encha o saco. Quer fazer oposição, que o faça ao menos com um pouco mais de assertividade. É muito ridículo acusar um presidente da República com essas gagueiras todas. Se você não sabe do que está falando, mude de assunto.

O mais deprimente, todavia, são os cacoetes positivamente reacionários de Ferreira Gullar, como usar a expressão "esperteza sindicalista" ao se referir a uma suposta malignidade do presidente. É muito triste ver alguém que já foi comunista adotar um vocabulário tão preconceituoso. Não reconheço o poeta comunista dos anos 60. Vejo aí apenas um radical de direita. Esperteza sindicalista? Incorporaste Carlos Lacerda, meu caro Gullar?

Mas o cúmulo, o que me fez vir aqui protestar, foi o encerramento do artigo:

Como sempre, ele responde a uma afirmação que ninguém fez, para escamotear a verdade. A verdade é que esse aumento eleitoreiro agrava o déficit da Previdência, que já chega a R$ 50 bilhões.

Ele protesta contra o aumento de 7,7% concedido aos aposentados, sancionado por Lula. É muito reacionarismo. Aumento eleitoreiro? "Posso estar enganado", mas pelo jeito Ferreira Gullar não vive de sua aposentadoria... e está se lixando para os milhões de brasileiros que poderão ganhar um pouquinho mais. E aí entra a irresponsabilidade. Gullar menciona um suposto déficit de 50 bilhões de reais da Previdência como um fato inexorável, sem fazer a necessária contextualização, que é o fato dos aposentados serem agentes econômicos fundamentais nas regiões mais pobres do país. Sua renda ajuda a manter milhões de famílias longe da fome e da miséria absoluta. Os aposentados criam seus netos, pagam seus estudos, alimentam-nos. O mais grave é Ferreira não lembrar que a aposentadoria no Brasil foi fortemente corroída nas últimas décadas, o que é uma realidade completamente injusta e inconstitucional. O Estado não pode, deliberadamente, empobrecer os seus cidadãos.

Se Gullar recordasse a sua própria poesia, saberia que Lula não é sustentado por si mesmo, mas pelas forças populares que o rodeiam, e sobretudo pelas profundas demandas sociais não satisfeitas por outros presidentes:

Porque
diferentemente do sistema solar
a esses sistemas
não os sustém o sol e sim
os corpos
que em torno dele giram:
não os sustém a mesa
mas a fome

*

Recado: meu laptop está com um problema na letra "n". A tecla está dura. Estou redobrando a atenção, mas as palavras escapolem, frequentemente, desprovidas desta importante letrinha.

17 comentarios

Anselmo Braga disse...

Miguel, parabéns pela sua incrível lucidez (é com z mesmo?) e inteligência. Está faltando aqui um botão para eu twittar seu posts, vê se coloca aí. Obrigado.

Miguel do Rosário disse...

Valeu, Anselmo. É com Z sim. Botei o botão pedido. Abraço.

jozahfa disse...

O Gullar é um daqueles patos para quem a armadilha dos 7,7% foi preparada. Nunca li o poeta maranhense, confesso. Mas se ele foi tudo o que você diz, torna interessante a questão do belo que se tornou em feio. Ou aquela história da Mentira, que aproveitou-se da Verdade dormindo e tomou-lhe as vestes.
É pena que ele não possa ler tuas palavras.

Carlos Morales disse...

Sem conhecer a obra poética de Ferreira Gullar, me incomoda sobremaneira a sua postura reacionária. O poeta só tá lendo a Veja.

Ulisses disse...

Quem lê Ferreira Gullar? Deixa o babaca ficar chorando suas lágrimas de crocodilo, aquela "velha carpideira", assim como toda a esquerda festiva da cultura brasileira, que gosta mesmo é de ver o povo sofrer para poder ter inspiração para seus poemas!

Ulisses disse...

Poemas esquálidos

Ester Alves disse...

Ferreira Gullar, o poeta que matou a sua obra, não posso voltar a ler, tenho medo que as palavras soem falso.

Anônimo disse...

miguel do rosario,
a respeito de ferreira gullar, acho que vale a pena ler isto:
http://www.amigosdoserra.com.br/serra-e-ferreira-gullar-memorias-do-exilio-no-chile/

José Serra e o poeta Ferreira Gullar se conheceram na UNE, nos anos 60, na militância cultural. Mais tarde, durante o exílio no Chile, Gullar ocupou o apartamento em que Serra havia morado em Santiago. E se apresentava como “periodista” com o nome verdadeiro: José Ribamar Ferreira.

Em 1973, no golpe militar que derrubou o presidente socialista Salvador Allende, a coincidência de endereços, de nacionalidade e do primeiro nome, levou policiais à casa de Gullar durante a madrugada. Serra relembrou os tempos de medo no artigo Trinta anos esta manhã: “Sem que eu soubesse, tinham invadido o apartamento do nosso poeta Ferreira Gullar, que tinha presidido o CPC da UNE quando eu era presidente dessa entidade. Era o apartamento onde eu havia morado, anos antes, com o Vilmar e a Regina Faria. Os soldados tinham ido à minha procura, e Gullar, além do endereço, tinha também o “José” antes do Ferreira”.

As noites de terror, o poeta relembra no livro Rabo de Foguete. E em depoimento ao repórter Geneton de Moares, da Globonews, Gullar fala sobre o trauma do golpe militar, a vida no exílio e o desencanto da volta ao Chile. Assista aqui.

ass. emer4son57

Anônimo disse...

Ótimo texto.


E vou falar do Vampiro da Mooca q, ás vezes acho q nem qeria se candidatar, e aceitou por pressao do PIG.

Qerendo ou nao, esta seria a manchete mais maluca q os jornais fascistas criariam.

Será q eles mesmos acrditariam.

Tá tudo furado, do lado Demo tucano:

1 - candidato a nada, Serrassuga vagou e nas trevas, sujando a barra de Aécio NEVER, q até poderia ser seu vice, Hoje, convive c/ a hipocrisia do mineiro/carioca, q passou a detestá-lo, convivendo de forma formal, esperando a morte do Vampiro da Mooca.

2 - candidato da mídia moribinda, Serrassuga despenca, mesmo sendo vendido por ela, como o anjo dos céus. Q céus? Só se for o das bôcas dos redatores q ele bem comprou.

3 - o candidato a ter vice, nem candidado consegue ser, pior ainda arranjar qem lhe qeira ser ... ao menos, vice.

4 - o tal q custou a ser, demora prá assumir o q é, e q nem nr 2 tem, vaga em fofocas, mentiras plantadas, arranjos q dao em conflitos sérios e desgastes irreversíveis, enfim, o anti político, Em qlqr sentido.

5 - programa de desgoverno, é o nao lhe falta. Voto? Sinceramente, creio q nem no Paraná, eterno penico dos paulistas, ele será bem votado. Duvido MESMO. Em SP, seu curral fascista, e3stá indo pro ralo ... de mal a pior.

6 - o candidato q nao tem discurso, vai falando o q lhe mandam os marqeteiros, ou pilantras do Demo.
É 1 misturéba dos infernos.
Dilma disse certo: é biruta de aeroporto.

7 - enfim, o citado biruta, tá mis perdido q azeitona em bôca de banguela, e cheio de assuntos mais furados q penico de asilo.

Inté,
Murilo

Anônimo disse...

Assim como o Arnaldo Jabor, o Gullar foi comunista de botequim nas antes (e ainda um pouco) belíssimas areias das praias cariocas (anos 60 ). Assim como vários outros membros do PCzão desta (deles) geração, destila incontido ódio ao PT, por ter sido o primeiro partido de trabalhadores do Brasil, coisa que o PCzão nunca chegou perto de ser.Sempre foram um bando de traidores e continuam sendo até hoje.
frank

JOEL PALMA disse...

Miguel, esta é uma das fontes do Gullar:

http://blogdafabianasoler.blogspot.com/2010/06/ferreira-gullar-amigo-de-serra-trabalha.html

Alberto disse...

Depois que se tornou um comunista velho, o velho, muito velho, comunista "evoluiu" em direção a quintessência da mediocridade. Nem Freud explica tal comportamento. Como disse sabiamente Paulo Henrique Amorim: "Ferreira caiu prá dentro do próprio vácuo"...

Anônimo disse...

Concordo plenamente. Gullar espantosamente perdeu o bonde da história.

Diana

Seve Alves disse...

Meu bom Miguel. Vc acabou com décadas de admiração que eu tinha pelo Ferreira.Também fiquei estarrecido ao ler as opiniões dele sobre O Irã e a coluna de hoje. Ficou quicando na pequena área com o goleiro batido, mas vc não entrou com bola e tudo. Apenas dissecou com precisão e transparência a degringolada dele e, infelizmente, revelou um novo e lamentável Ferreira Gullar. A impressão é de que ele foi contagiado pela pretensiosa e obtusa "indignadinha de plantão" Danusa Leão, coleguinha dele de jornal.Apesar de triste pela revelação, parabéns pelo brilho e pela generosidade ao oferecer aos leitores verticalidade e precisão ao criticar meu ex ídolo.

Ricardo Athias disse...

Caro Miguel,
Admirável a sua lucidez que contrapôs com exatidão a esse poeta que um dia já foi.
Parabéns e obrigado artigo

alex disse...

O poeta está com amnésia. Nem mais se lembra dos seus versos. Que chato!

Anônimo disse...

Miguel, o problema do Gullar não é ideológico, é financeiro.
Várias vezes você já relatou aqui que passa "perrengue" para exercer seu ofício de blogueiro independente. O falecido jornalista Fausto Wolff, nos seus livros e crônicas, também reclamava que, por dizer o que realmente pensava e ser sincero, não conseguia emprego em lugar nenhum e tinha até dificuldade de editar seus livros. Mas ele se recusava a "dobrar a espinha", como costumava escrever.
Infelizmente, o Gullar dobrou a espinha. Acho impossível o Gullar acreditar sinceramente no que escreve. Ele é pago justamente para escrever essas idéias reacionárias, senão colocam outro no lugar dele. Só posso dizer que é triste ver um ex-comunista se entregar assim, mas entendo que ele já está idoso, além do que, pelo que já ouvi de entrevistas dele, parece que possui filhos doentes (por distúrbios psiquiátricos) e que ainda dependem dele. Da minha parte, não perco meu tempo lendo as opiniões políticas vendidas dele.

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