(Juliano Guilherme)
Uma das minhas idiossincracias que eu gostaria de entender melhor é esta mania de começar os textos com a palavra "não". Há anos que luto contra este vício. Sempre a mesma coisa. Deixa pra lá. Não estou em minha melhor fase. O tempo passa diante dos meus olhos a uma velocidade assustadora e não consigo acompanhá-lo. Acordo, faço algumas coisas e já é noite. Que está acontecendo? E essa palavrinha maldita me perseguindo: não, não, não. Sempre ela. Não faço nada e não tenho tempo para nada. É incrível. Penso na Miriam Leitão, minha personagem preferida, aparecendo na TV, escrevendo sua coluna, atualizando seu blog, entrevistando pessoas, dando palestras, mediando debates, meu Deus! E eu, mesmo sem fazer nada, não tenho tempo de atualizar um blog! Ah, tu és um vagabundo, dirão vocês, e com toda a razão. Aconteceu alguma coisa estranha comigo, como se uma peça no mecanismo interno que nos faz bons e industriosos trabalhadores houvesse se rompido. Preparo o café e estudo, no pouco tempo que me sobra, coisas estranhas e antigas, como os poemas de Anacreonte, um poeta grego do século VI antes de Cristo. São divertidos, leves, imorais.
Traz-me uma taça, ó moço escravo
Que certamente há mais conforto
E é bem melhor se estar deitado
Por estar ébrio do que morto!
Estudo o alfabeto grego, textos latinos, enfio-me em bibliotecas, e sou feliz. Miserável, triste, vagabundo, e feliz. Minha mãe, coitada, já perdeu as esperanças e minha mulher, que tem colocado algum dinheiro em casa, já começa a me olhar desconfiada. Mas estou tranquilo. Pelo menos tenho um apartamento próprio.
No entanto, de certa forma eu trabalho arduamente. Meu ócio é meu trabalho. Eu leio e espero. Tomo porres às vezes e tenho que me cuidar, porque venho perdendo a compostura - já tenho desafetos pelas redondezas. Embebedo-me em vernissages, onde a bebida é grátis, ou nos efêmeros períodos de fartura, e insulto as pessoas. Faço por brincadeira, mas elas não sabem, e me odeiam. Elas têm razão, claro. Por isso eu sofro tanto no dia seguinte e tenho prometido melhorar.
Não assisto mais o noticiário na TV Globo, que me enoja soberbamente. Quando ouço a voz de William Waak desligo de imediato. Assisto alguns outros canais, e filmes. Muitos filmes. Não uso drogas, graças a Deus, já tenho problemas demais com a bebida. E aí lembro do Lima, do velho e bom Lima Barreto. Aquele sim bebia! Começou com bebidas caras, uísque e cerveja, mas logo passou para a cachaça. Bebia até cair no chão e dormia na rua, maltrapilho, como um mendigo. O segundo maior escritor do Rio de Janeiro - depois de Machado de Assis. Tem gente (O Cony, por exemplo) que acha o Lima maior que o Machado, porque este último tinha medo de mostrar o povo e as coisas sórdidas da vida, enquanto Lima foi mais direto. Nesse ponto, estão certos. Mas Lima não teve tempo para chegar onde chegou Machadão. O bruxo do Catete escreveu seus melhores livros depois dos 40 e Lima, que sempre morou no subúrbio, morreu aos 41.
Gostei de saber que Lima estudou num colégio aqui do lado, na rua do Rezende, e daí salto deste assunto para um outro, que vem me absorvendo nos últimos meses, que é sobre a evolução arquitetônica do Rio de Janeiro. Em 1906, como vocês sabem, Pereira Passos, prefeito do Rio de Janeiro, inaugurou a nova Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco. Esta obra, entre outras que ele realizou na época, consumiu quase metade do orçamento da União. Um absurdo. Enquanto milhões de pessoas morriam de sede no Nordeste, o governo tentava fazer do Rio uma nova Paris. Lima Barreto se esgoelava em jornais alternativos contra isso, mas ninguém o escutava. Enfim, fizeram a obra e o resultado, apesar de toda injustiça, foi estupendo. O Rio tinha agora uma belíssima avenida de primeiro mundo, ladeada por magníficos edifícios, com fachadas selecionadas em concurso. O que me intriga, escutem bem, é o seguinte: porque pouco mais de vinte anos depois, enquanto os prédios ainda estavam novos, o governo e os empresários decidiram derrubá-los, a estas verdadeiras obras-primas de arquitetura, para construir edifícios "modernos" e horrorosos. Tento policiar-me, tento não ser saudosista. Concedo-lhes argumentos: ora, o Rio não podia continuar sendo a cidade art-decó dos anos 20 e 30. O capitalismo chegara com toda força e era preciso construir grandes prédios. Mas aí me deparo com o seguinte fato: com a abertura da Avenida Presidente Vargas, criou-se uma enorme área para a construção desses novos prédios. Porque os empresários, com apoio ou beneplácito do governo, preferiram derrubar os lindos edifícios da Rio Branco, em vez de construírem na Avenida Presidente Vargas, vazia? O resultado é que a presidente Vargas continuou vazia, até hoje. E a Avenida Central (hoje Rio Branco), um cartão postal de fazer inveja às mais belas capitais do mundo, tornou-se apenas uma rua larga, feia, comum e abarrotada.
Me perdoem o tom vago e confessional desse post, é que estou ainda zonzo de um susto que tomei, com o aparecimento de uma dívida no banco de dez anos atrás, que eu acreditava extinta há tempos. Já resolvi tudo agora, mas tive uma noite péssima, cheia de pesadelos. O mais estranho deles foi esse: O Adriano, o jogador de futebol, pega seu carrão e vai até a casa de Ronaldinho Gaúcho, que morava numa espécie de chácara. Adriano estaciona e vê Ronaldinho junto a uma árvore. Ele pula a cerca e se aproxima de Ronaldinho, que está fumando, concentradamente, um enorme baseado. E de repente, eles ficam sabendo que há uma câmera da Globo, ou de qualquer outra emissora, filmando tudo. E que, logo mais, todas as tvs e youtubes do mundo exibirão a cena de Ronaldinho fumando um baseado. Ronaldinho tenta mostrar despreocupação. Adriano estava chorando, deprimido, desde antes de saberem sobre a câmera. Há uma garota, namorada de Ronaldinho, que se desespera. Que sonho!
*
Quanto à política, sinto-me bastante seguro com o trabalho de Luis Nassif, que assumiu, definitivamente, uma postura de blogueiro antimidiático combatente. Posso, portanto, voltar ao meu ócio triste e vagabundo, às minhas leituras óbvias (Moby Dick, por exemplo) ou exóticas (poemas de Anacreonte e Safo), ou simplesmente clássicas, como as Catilinárias de Cícero, estudar alemão, fazer fisioterapia, e torcer para que minha mulher fique rica.
Traz-me uma taça, ó moço escravo
Que certamente há mais conforto
E é bem melhor se estar deitado
Por estar ébrio do que morto!
Estudo o alfabeto grego, textos latinos, enfio-me em bibliotecas, e sou feliz. Miserável, triste, vagabundo, e feliz. Minha mãe, coitada, já perdeu as esperanças e minha mulher, que tem colocado algum dinheiro em casa, já começa a me olhar desconfiada. Mas estou tranquilo. Pelo menos tenho um apartamento próprio.
No entanto, de certa forma eu trabalho arduamente. Meu ócio é meu trabalho. Eu leio e espero. Tomo porres às vezes e tenho que me cuidar, porque venho perdendo a compostura - já tenho desafetos pelas redondezas. Embebedo-me em vernissages, onde a bebida é grátis, ou nos efêmeros períodos de fartura, e insulto as pessoas. Faço por brincadeira, mas elas não sabem, e me odeiam. Elas têm razão, claro. Por isso eu sofro tanto no dia seguinte e tenho prometido melhorar.
Não assisto mais o noticiário na TV Globo, que me enoja soberbamente. Quando ouço a voz de William Waak desligo de imediato. Assisto alguns outros canais, e filmes. Muitos filmes. Não uso drogas, graças a Deus, já tenho problemas demais com a bebida. E aí lembro do Lima, do velho e bom Lima Barreto. Aquele sim bebia! Começou com bebidas caras, uísque e cerveja, mas logo passou para a cachaça. Bebia até cair no chão e dormia na rua, maltrapilho, como um mendigo. O segundo maior escritor do Rio de Janeiro - depois de Machado de Assis. Tem gente (O Cony, por exemplo) que acha o Lima maior que o Machado, porque este último tinha medo de mostrar o povo e as coisas sórdidas da vida, enquanto Lima foi mais direto. Nesse ponto, estão certos. Mas Lima não teve tempo para chegar onde chegou Machadão. O bruxo do Catete escreveu seus melhores livros depois dos 40 e Lima, que sempre morou no subúrbio, morreu aos 41.
Gostei de saber que Lima estudou num colégio aqui do lado, na rua do Rezende, e daí salto deste assunto para um outro, que vem me absorvendo nos últimos meses, que é sobre a evolução arquitetônica do Rio de Janeiro. Em 1906, como vocês sabem, Pereira Passos, prefeito do Rio de Janeiro, inaugurou a nova Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco. Esta obra, entre outras que ele realizou na época, consumiu quase metade do orçamento da União. Um absurdo. Enquanto milhões de pessoas morriam de sede no Nordeste, o governo tentava fazer do Rio uma nova Paris. Lima Barreto se esgoelava em jornais alternativos contra isso, mas ninguém o escutava. Enfim, fizeram a obra e o resultado, apesar de toda injustiça, foi estupendo. O Rio tinha agora uma belíssima avenida de primeiro mundo, ladeada por magníficos edifícios, com fachadas selecionadas em concurso. O que me intriga, escutem bem, é o seguinte: porque pouco mais de vinte anos depois, enquanto os prédios ainda estavam novos, o governo e os empresários decidiram derrubá-los, a estas verdadeiras obras-primas de arquitetura, para construir edifícios "modernos" e horrorosos. Tento policiar-me, tento não ser saudosista. Concedo-lhes argumentos: ora, o Rio não podia continuar sendo a cidade art-decó dos anos 20 e 30. O capitalismo chegara com toda força e era preciso construir grandes prédios. Mas aí me deparo com o seguinte fato: com a abertura da Avenida Presidente Vargas, criou-se uma enorme área para a construção desses novos prédios. Porque os empresários, com apoio ou beneplácito do governo, preferiram derrubar os lindos edifícios da Rio Branco, em vez de construírem na Avenida Presidente Vargas, vazia? O resultado é que a presidente Vargas continuou vazia, até hoje. E a Avenida Central (hoje Rio Branco), um cartão postal de fazer inveja às mais belas capitais do mundo, tornou-se apenas uma rua larga, feia, comum e abarrotada.
Me perdoem o tom vago e confessional desse post, é que estou ainda zonzo de um susto que tomei, com o aparecimento de uma dívida no banco de dez anos atrás, que eu acreditava extinta há tempos. Já resolvi tudo agora, mas tive uma noite péssima, cheia de pesadelos. O mais estranho deles foi esse: O Adriano, o jogador de futebol, pega seu carrão e vai até a casa de Ronaldinho Gaúcho, que morava numa espécie de chácara. Adriano estaciona e vê Ronaldinho junto a uma árvore. Ele pula a cerca e se aproxima de Ronaldinho, que está fumando, concentradamente, um enorme baseado. E de repente, eles ficam sabendo que há uma câmera da Globo, ou de qualquer outra emissora, filmando tudo. E que, logo mais, todas as tvs e youtubes do mundo exibirão a cena de Ronaldinho fumando um baseado. Ronaldinho tenta mostrar despreocupação. Adriano estava chorando, deprimido, desde antes de saberem sobre a câmera. Há uma garota, namorada de Ronaldinho, que se desespera. Que sonho!
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Quanto à política, sinto-me bastante seguro com o trabalho de Luis Nassif, que assumiu, definitivamente, uma postura de blogueiro antimidiático combatente. Posso, portanto, voltar ao meu ócio triste e vagabundo, às minhas leituras óbvias (Moby Dick, por exemplo) ou exóticas (poemas de Anacreonte e Safo), ou simplesmente clássicas, como as Catilinárias de Cícero, estudar alemão, fazer fisioterapia, e torcer para que minha mulher fique rica.