27 de agosto de 2007

Metendo o malho com todo carinho




Ano passado garimpei uma jóia num sebo de rua. Uma coletânea de críticas literárias de Machado de Assis. Hoje estava lendo e me diverti muito com seus prefácios para obras de autores iniciantes. Ele, simplesmente, com carinho e simpatia, mete o cacete no livro e no autor. Instrutivo, autêntico, corajoso, e ingênuo - bom remédio, enfim, para o cinismo acovardado que hoje nos asfixia.

No prefácio de Névoas Matutinas, livro de poemas de Lúcio de Mendonça, Machadão começa implicando com o título: "Por que névoas? Não as tem a sua idade, que é antes de céu limpo e azul, de entusiasmo (...) É isso geralmente que se espera de um livro de rapaz. "

Machado continua censurando a excessiva (e falsa ?) melancolia dos versos, sugerindo que o autor tenha copiado algum estilo alienígena: "Nisto cede à tendência comum, e quem sabe também se a alguma intimidade intelectual?"

Aí manda uma sugestão que um artista melindroso (como sempre são) poderia tomar como grave ofensa: "O estudo constante de alguns poetas talvez influísse na feição geral do seu livro."

Continua malhando, desta vez com mais brandura:


"Quando o senhor suspira estes belos versos:
À terra morta num inverno inteiro
Voltam a primavera e as andorinhas...
E nunca mais vireis, ó crenças minhas,
Nunca mais voltarás, amor primeiro!


nenhuma objeção lhe faço, creio na dor que eles exprimem, acho que são um eco sincero do coração. Mas quando o senhor chama à sua alma uma ruína, já me achará mais incrédulo."

Adiante repete a mesma coisa em termos mais fortes (o negrito é meu): "Sentimento, versos cadentes e naturais, idéias poéticas, ainda que pouco variadas, são qualidades que a crítica lhe achará neste livro. Se ela lhe disser, e deve dizer-lho, que a forma nem sempre é correta, e que a linguagem não tem ainda o conveniente alinho, pode responder-lhe que tais senões o estudo se incumbirá de os apagar.”

Para o prefácio de “Harmonias Errantes” (também olha os livrinhos que o Machadão aceitou prefaciar!), ele termina com essa bomba: “Viu que não o louvei com excesso, nem o censurei com insistência; aponto-lhe o melhor dos mestres, o estudo; e a melhor das disciplinas, o trabalho. Estudo, trabalho e talento são a tríplice arma com que se conquista o triunfo.”

É engraçado ou não é? O mais incrível é que os caras publicavam estes prefácios-esculacho em seus livros...

Legenda da foto: Machado de Assis aos 40 anos.

11 comentarios

Camilla Lopes disse...

Muito legal Miguel, eu ouvi falar desse livro e também queria muito um de crônicas dele. Se rolar depois eu queria muito ler.
Um beijo

Miguel do Rosário disse...

oi camilla. To aqui tentando lutar contra gerúndios e escrever um conto que sobreviva à sua crítica implacável. beijos. te empresto o livro, claro.

Anônimo disse...

machadão na madeira.

bom.

Anônimo disse...

Muito bom vê-o na ativa novamente Miguel. Linkei seu blog no meu.

Miguel do Rosário disse...

valeu Porto. Beberei um vinho do Porto em homenagem a isso.

josé lopes disse...

30/08/07

Mais uma direitista do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas dá seu palpite infeliz. Desta vez a historiadora Maria Celina D’Araújo falando ao Globo sobre Lula e o julgamento do suposto “mensalão” no STF disse o seguinte:
Há uma grande tolerância em relação a ele (Lula), que usufrui dessa tese de que uma pessoa despreparada é necessariamente de bem e que os outros mais preparados, são maquiavélicos e mal intencionados. Esse é um capital formidável para o Lula. Mas já pensou se todos os pobres chorassem como ele? Com reações como essa, ele passa uma idéia de uma pessoa pura. A questão é que, olhando objetivamente, ele é uma raposa política de primeira linha. Tem uma visão conspiratória do mundo, que cala fundo no imaginário popular e na esquerda maniqueísta.
Vamos dar uma resposta a esta direitista?
Proteste no endereço: www.cpdoc.fgv.br/comum/htm/
Ou direto: cpdoc@fgv.br

Anônimo disse...

Miguel. Primeiramente parabéns a voce pelo blog e por tudo que nele tem publicado. Sou leitor assíduo. Gostei dessa sua crônica bem humorada sobre as "dicas" do Machado de Assis aos novos escritores e do quanto, nelas, ele valoriza o estudo. Do seu texto essa é a grande lição: Estudar sempre. Só que esse texto não seguiu o padrão dos demais que voce tem publicado: mais longos. Dá a impressão que ele terminou no meio. Por favor, escreva mais sobre essas críticas, prefácios, "dicas" do Machadão. Foi gratificante ler sua crônica. Apenas o "PS" não estava bem humorado, mas isso é outra história ... Abraço.
Celso A Pereira, 49, dentista

Miguel do Rosário disse...

valeu Celso, volte sempre. Ainda falta ler a crítica do Machado ao livro do Junqueira Freira, um poeta que gosto bastante. Depois comento aqui.

Miguel do Rosário disse...

Apaguei o PS desse post. Apaguei 2 posts. Vamos começar de novo.

Helcio Jorge Barros disse...

Oi Miguel, confesso que sou mesmo um pouco (pessimista) - prefiro já ir contando com os contratempos para não me decepcionar tanto. Saiba que sou fã do seu, ele, como você, é inquieto e questionador, além de conter ótimos textos.
super abraço.

o balde. disse...

Bicho,

bom demais esse seu blog!

as mídias alternativas ainda vão salvar essa imprensa peçonhenta do Brasil!

parabéns!

abraço!

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