29 de abril de 2012

A garota da Eslovênia chegou ao Brasil

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Estreiou dia 27 de abril, em São Paulo, um grande filme europeu. Slovenian Girl conta a história de uma estudante universitária que se prostitui na capital da Eslovênia. Ela acaba se envolvendo com a morte de um deputado da União Européia e com mafiosos. É um filmaço. Tem suspense, ação, psicologia e até uma banda de velhos roqueiros tocando Frank Zappa. O filme ganhou destaque em dezenas de festivais entre 2009 e 2010, colecionando prêmios e seleções importantes. Este é o segundo lançamento da Tucumán Filmes, de Priscila Miranda, uma pequena mas promissora distribuidora de filmes estrangeiros de grande qualidade - e potencial de público -, que passam despercebidos pelas gigantes do setor. Há filmes atraentes para o público brasileiro sendo produzidos por outros países que não apenas os EUA. É importante, para entendemos a Europa, conhecermos esses novos pólos de cultura, entre eles a Eslovênia, uma modesta mas refinadíssima ex-comunista.   Abaixo, informações sobre a sala onde está sendo exibido, em São Paulo. http://itaucinemas.com.br/filme/slovenian-girl Sinopse: Alexandra é uma jovem de Krsko, uma pequena cidade na Eslovênia, que estuda letras na universidade de Ljubljana, capital da Eslovênia. Ela planeja ganhar o mundo. Trabalhando como prostituta, sua vida segue do jeito que queria, mas uma morte acidental a colocará em risco e a pensar no que vem fazendo para conquistar sua independência e sustento.

21 de abril de 2012

Raulzito Forever!

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Decerto uma das figuras mais queridas do Brasil é o velho e inesquecível Raulzito! Lendo uma bela crônica do Marcelo Rubens Paiva, fui atrás de alguns vídeos no youtube com minhas músicas preferidas, e pensei que seria bom tema para um post, afinal o rockeiro figura no panteão do blog não só como um dos músicos preferidos, mas como um dos mais importantes pensadores nacionais.

Além de compositor, Raulzito era um intérprete formidável, como se vê nessa gravação de Capim Guiné, música de Wilson Aragão.



Ou essa de Pode Vir Quente, do Erasmo:



Trato Raul como pensador, porque ele tentou fazer de sua música um veículo para expressar suas ideias, e o fez de maneira genial, mesclando símbolos pop com arquétipos antigos.

Como acontece com qualquer compositor que possui uma obra densa e múltipla, entender e curtir Raul envolve uma pedagogia própria. Há músicas para todas as idades, épocas e circunstâncias emocionais.

Lembro-me, por exemplo, de cantar Maluco Beleza junto com um amigo, num barzinho em frente ao colégio. Ali era o momento. Hoje essa música me enjoa um pouco.

Durante muitos anos, eu toquei "Eu também vou reclamar" ao violão, tanto que hoje em dia não suporto ouvir a música.

Aliás, a importância do filme do Walter Carvalho, sobre Raul Seixas, que ainda não tive oportunidade de assistir, reside na renovação da imagem do rockeiro. Música e literatura se beneficiam muito do cinema (e vice versa) neste sentido. Lembro da febre pelo The Doors no Rio de Janeiro, após o lançamento do filme de Oliver Stone sobre Jim Morrison. Espero que façam também um filme de ficção usando Raul como protagonista. Sua vida é incrível. Eu já li algumas biografias. Raul começou na música bem cedo, tocando em festinhas em Salvador. Ele mesmo conta que sua banda era uma das que cobrava o cachê mais caro da cidade. Aí começam a viajar pelo Brasil, dando shows. Uma vez eu fiquei num hotel em Patrocínio, interior de Minas, no qual Raul tinha ficado, com sua banda. Ele havia dado um show na praça em frente.

Não vou me estender mais sobre a biografia do Raul . Suponho que o filme deve fazê-lo com mais propriedade.

Walter Carvalho, diretor do filme, é talvez o maior especialista em fotografia do cinema brasileiro. Então o filme tem qualidade fotográfica garantida.

Outra música que eu gostava muito, e que toquei muito ao violão, era Meu Amigo Pedro:




Uma das músicas que mais revela o sarcasmo inteligente e mesmo maquiavélico do roqueiro é As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor. A letra dessa música mescla sabedoria popular e o reconhecimento de que o bem e mal não são entidades absolutas. As forças demoníacas que o homem carrega em si fazem parte do seu ser, são peças fundamentais desta poderosa máquina espiritual que temos à nossa disposição. Cabe ao homem controlar estas forças, de maneira a extrair sua energia. É assim que a ambição do conhecimento, por exemplo, que leva um homem a fazer grandes sacrifícios e a empreender uma longa e penosa jornada em busca de seu aperfeiçoamento intelectual, é a mesma ambição que faz um grande escritor, um grande pensador, tornar-se, ao mesmo tempo, uma pessoa terrivelmente invejosa. Desde que Rousseau jogou tudo no ventilador, em suas Confissões, sabemos que Voltaire, Diderot, e o próprio Rousseau tinham enormes defeitos de caráter. Voltaire e Diderot pelas cachorradas que fizeram contra Rousseau, lançando até livro anônimo com acusações contra o autor do Contrato Social. Rousseau, por abandonar todos seus filhos, pondo-os num orfanato. Nas Confissões, ele explica porque fez isso, mas é apenas uma desculpa esfarrapada escrita com erudição: segundo Rousseau, ao abandonar seus filhos no orfanato, ele pensou na República de Platão, onde as crianças seriam criadas pelo Estado; e havia um costume bem parisiense de fazer isso.  Mesmo assim, Rousseau não se perdoa. Sabe que cometeu um erro terrível: privou seus cinco filhos de se instruírem junto a um dos homens mais crativos e inteligentes da época, além do amor de mãe e pai. A mãe de seus filhos era uma espécie de secretária e empregada de Rousseau, que foi sua companheira até a morte. A imposição de abandonar os filhos num orfanato veio de Rousseau, contra o desejo da mãe.

Como ia dizendo, Raul expressou esse conhecimento sobre os aspectos "positivos" do mal em várias músicas, inclusive o Diabo é o Pai do Rock.



Na música, porém, ele separa o diabo que "dá os toques", e aquele do Exorcista, referindo-se ao diabo católico, que é um conceito totalitário e maniqueísta.




10 de abril de 2012

Abel Ferrara na veia

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Reproduzo abaixo matéria publicada no Estadão ontem, sobre o cineasta Abel Ferrara, porque estou trabalhando nesta mostra, produzindo legendas, e redescobrindo um cinema charmoso e autêntico, com roteiros incríveis. Não tem aquele implacável rigor holliwoodiano. Seus filmes são mais flexíveis, levemente desleixados, mas esteticamente muito voluptuosos, seduzindo públicos de todos os níveis. O estilo Ferrara é sofisticado e rude ao mesmo tempo. Tem uma atmosfera subversiva, cult, mesclando Hitchcock, Jim Jarmush e pulp fiction.

O site da mostra está aqui:
http://www.abelferrara.com.br/#programacao

Aproveito para fazer propaganda da nossa empresa, a Miroir Legendas.


Cineasta Abel Ferrara vem ao Brasil para participar de mostra inédita

O controverso diretor prepara filme sobre Dominique Strauss-Kahn com o ator Gérard Depardieu
08 de abril de 2012 | 22h 56

Flavia Guerra - O Estado de S. Paulo

Abel Ferrara não tem fama de ser dos entrevistados mais dóceis. Fazendo jus à sua cinematografia, o diretor de filmes como Vício Frenético é uma figura surpreendente. Em conversa com o Estado na semana passada, por telefone de Nova York, onde nasceu e mora, questionou tanto quanto foi questionado. Às vésperas de embarcar para o Brasil pela primeira vez, onde ganha mostra inédita, contou que espera, além de uma "experiência mágica", encontrar produtores e distribuidores para, quem sabe, coproduzir e distribuir seus filmes no País.


Polêmico. 'Ao filmar a realidade do personagem, fazemos de todo filme um documentário'
É assim, de forma despudorada e incisiva que este nova-iorquino do Bronx lida com o mundo, o cinema e, claro, as pessoas. Abel Ferrara e a Religião da Intensidade, mostra que o CCBB promove neste mês e em maio, é rara oportunidade para ver ou rever os longas que fizeram dele o mestre de um cinema imperfeito, mas sempre intenso.

A maratona cinéfila começa nesta terça-feira no Rio, passa por Brasília (dia 17) e chega a São Paulo dia 25, onde permanece até 6 de maio (ver programação aqui). Ao todo, serão 24 longas, incluindo Vício Frenético, O Rei de Nova York e O Enigma do Poder, três curtas e dois episódios da série Miami Vice. Ferrara, que se prepara para rodar em junho seu novo filme, participará de debates com o público nas três capitais. Entre vários assuntos, quer falar de seu atual projeto, uma série para a internet: Pizza Connection (www.vicetv.com). Mais que fazer "só cinema", para ele o importante contar uma boa história.

Ferrara é um dos mais controversos e polêmicos diretores do cinema contemporâneo. Explora como poucos o universo dos dramas humanos permeados por realidades violentas, em que policiais corruptos, assassinos psicóticos, vítimas com sede de vingança, viciados, traficantes e até religiosos vivem histórias de vingança, suspense, superação, sexo e amor.

É sua primeira vez no Brasil?

Sim. Sei muito pouco sobre o Brasil. Tudo que posso esperar é que seja um experiência mágica. Meu guru, aliás, é brasileiro.

Guru espiritual? Você segue alguma religião?


Sou de origem católica mas tenho praticado o budismo. Ouvi dizer que o Brasil é um país em que há muita mistura.

Você é descendente de italianos e irlandeses. Napoli, Napoli, Napoli foi um retorno às origens?

Sim e não. Sim porque tenho raízes italianas, mas Nova York é a minha realidade.

Porque fazer um documentário? Seu primeiro, aliás.

Porque era o projeto original. O cinema é sempre documental. E Napoli Napoli Napoli nem é um documentário puro. Percebemos que era impossível filmar a história do submundo de Nápoles sem escrever e usar a ficção. E acabamos dramatizando o filme. Você gosta dele?

Gosto. Esta realidade dos jovens sem oportunidades que caem no crime, os brasileiros conhecem bem. É também uma realidade que você conhece e que filma muito.

Sim. Gosto de investigar a natureza das pessoas, principalmente em condições inóspitas. É isso que mais me interessa.

E já trabalha no filme novo.

Sim, sobre Dominique Strauss-Kahn. Você o conhece?

Sim. Como vai estruturá-lo?

Você sabe mesmo quem é ele? Se sabe, me diga quem ele é.

É francês, ex-diretor do FMI, está sendo processado por assédio sexual... E quero saber de sua expectativa para dirigir Gérard Depardieu neste papel polêmico. É um trio explosivo, você, Strauss-Kahn e Depardieu.

Vai ser um filme sobre política, sexo e poder. Não é só sobre Strauss-Kahn. É sobre pessoas que têm este tipo de vida. E Isabelle Adjani também vai estar no filme. Estou muito animado!

Você é perfeito para o filme.

Talvez. Sempre me interessei de fato por este universo. Filmaremos em junho, em Washington, Nova York e Paris.

O que mais gosta nesta ideia?


Da oportunidade de poder filmar a natureza das relações humanas. Entre marido e mulher, como com Bill e Hillary Clinton... É isso que me seduz.

O nome da mostra dedicada a você no Brasil é Religião da Intensidade. Gosta do nome?

Sim. Como falei, de certa forma, tudo é documentário. Quando filmo, filmo um personagem em relação a uma realidade. Gosto de fazer com intensidade para que seja o mais real possível.

De onde vêm suas ideias?

Esta é a pergunta mais difícil do mundo. De onde vêm as suas?Quem é que sabe de onde as ideias vem? Vêm do mundo externo, vêm de dentro de mim. Do que eu observo. Vem de tudo. De eu pensar se vai funcionar na tela, em uma sala escura e fechada.

Mas quando penso em seus filmes, com violência, sexo, perdão, me parecem um quebra-cabeça.

Vêm de cada momento da vida, de todos os lugares. Por isso é um quebra-cabeça.

Você gosta de filmar com jovens?

Sim. Não ensino nada para eles. Simplesmente aprendemos quando trabalhamos juntos. Não interessa quantos anos se tem, mas o que está no coração.

6 de abril de 2012

Ainda sobre o Minc

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Peço desculpas por atrapalhar a campanha dos que pretendem derrubar a ministra Ana de Hollanda, mas eu sigo as lições de John Stuart Mill: se eles têm razão, o meu contraponto lhes ajudará a inventar um discurso mais firme, mais convicto e mais verdadeiro. Sou da opinião, além disso, que o próprio ato de debater já é um ato cultural importante.

Nesta quinta-feira, a professora Ivana Bentes publicou um artigo no Globo intitulado Sem Projeto, com críticas ao ministério.

Publico o artigo da professora na íntegra, com comentários intercalados. Sei que esse método não é totalmente justo, porque comenta-se frases fora do contexto do argumento geral, mas serei cuidadoso.


Falta projeto

Por Ivana Bentes e Eryk Rocha

Publicado no O Globo - 05/04/2012

Em artigo (24/03) o cineasta Cacá Diegues saiu em defesa da ministra da Cultura Ana de Hollanda utilizando dados passados pelo MinC que destoam das informações trazidas pela mídia, e contrastam com o clima de extrema frustração pedindo mudança de rumo no Ministério da Cultura.

(Informações trazidas pela mídia, que informações? Que mídia? Desde quando a mídia é fonte? Mídia é o meio, não a fonte. Aliás, por que Ivana Bentes não publicou esse texto também na internet, de forma a acrescentar links das fontes que usa, agregar mais argumentos e podermos construir um debate mais consistente? Que mudança de rumo, exatamente, Ivana deseja?)

Manifestações de perplexidade de intelectuais do porte de Marilena Chauí, uma das fundadoras do PT, da atriz Fernanda Montenegro, do músico Ivan Lins, que se somam à indignação dos Pontos de Cultura e à de expressivos nomes.

(Deixemos aquele manifesto dos intelectuais de lado. Qualquer dia desses, se insistirem muito, podemos analisá-lo detidamente. É uma tremenda xaropada, um amontoado de clichês. Vamos nos ater ao nome de Fernanda Montenegro. O manifesto dos artistas quase só tinha atores da Globo, essa é a verdade. O nome de Fernanda passou a ser brandido como um troféu. Não era bem assim. O Ancelmo Góis publicou ontem uma entrevista com a nossa grande atriz em que ela nega qualquer insatisfação com o Ministério da Cultura. Ela aceitou incluir seu nome na lista porque apoiava o nome de Danilo Santos Miranda para o ministério da Cultura no caso de vagar o posto do ministério. 


Confira a nota do Gois:




Ou seja, o nome de Fernanda Montenegro está sendo indevidamente usado. Ivana Bentes mencionou outros "expressivos nomes". Deveria ter citado Regina Duarte e Nelson Motta. )

O mais grave é que os números do MinC soam como inoportuna maquiagem que Cacá Diegues repete ao dizer, por exemplo, que "chega-se hoje a R$ 1,64 bilhão, um recorde sem precedentes na pasta".

Não informaram a Diegues que a pasta da Cultura chegou a ter, no fim de 2010, R$ 2,2 bilhões em seu orçamento. Ou seja, R$ 500 milhões a mais que o suposto "recorde".

(Não entendi muito bem essa parte. Essa guerra de números só faz sentido para mim se apresentarem qual a fonte. De qualquer forma, o orçamento do Minc não é mérito do titular, depende do Congresso, da Presidente e das emendas parlamentares. 2011 foi um ano de muitos cortes no orçamento, até porque foi o primeiro ano de gestão, e todo mundo sabe que o primeiro ano é sempre problemático. Os governos geralmente deixam para fazer grandes gastos no último ano, o que aliás foi o que ocorreu.)

Sobre os Pontos de Cultura, os números dados por Cacá Diegues estão distantes da realidade. O programa foi abandonado por Ana de Hollanda e retirado do planejamento do governo. A matéria do GLOBO (8/03) é farta em números e negligências: aponta corte de mais 70% no orçamento do Programa e a indignação dos Pontos de Cultura. A gestão rompe o compromisso da presidente Dilma Rousseff de expandir o mais inovador programa cultural do governo Lula.

(Ivana faz uma afirmação bem peremptória. Diz que o programa Cultura Viva, que gere os "pontos de culturas", foi abandonado por Ana de Hollanda e retirado do planejamento do governo. Me desculpe, Ivana, mas a sua afirmação não corresponde à realidade. Outro dia escrevi um post sobre isso e repito os dados aqui:


"Os gastos concretos com o programa Cultura Viva em 2011 e 2010, segundo o portal da Transparência, foram estes: R$ 47, 44 milhões em 2011 e R$ 38, 4 milhões em 2010. Ou seja, não houve nenhum retrocesso, ao contrário. Link 2011 Link 2010"






A ministra Ana de Hollanda, em recente depoimento no Congresso, discorreu longamente sobre os Pontos de Cultura. Não falou em abandonar, ao contrário, mas de ampliá-lo. A menos que ela tenha uma agenda oculta. Então que se acuse abertamente a ministra de estar mentindo. Há uma página no site do Minc dedicada especialmente ao programa Cultura Viva. Ele continua lá, vivo e crescente. O que Ivana Bentes não disse é que o programa foi entregue quase colapsado ao Minc da Ana, com milhares de processos pendentes.


O arquivo dos inadimplentes está aberto para consulta pública. Confira lá. Pra facilitar, eu fui lá e imprimi em PDF mais de 300 contratos inadimplentes. 


http://migueldorosario.webs.com/inadimplentes1.pdf
http://migueldorosario.webs.com/inadimplentes2.pdf
http://migueldorosario.webs.com/inadimplentes3.pdf


A maioria vem da gestão Gil/Juca. É uma bomba, porque por mais que o programa seja legal e vá para grupos de produtores culturais legais, estamos falando de verba pública, cujo gasto precisa ser justificado rigorosamente; em caso contrário, o contratante sofrerá sanções penais graves. Terá que devolver o dinheiro. Há centenas, talvez milhares de grupos culturais devendo dinheiro ao Minc, e que terão que devolver os recursos. Quando Ana assumiu, havia contratos não pagos desde 2008, porque o ministério é virtualmente proibido, por lei, de repassar recursos a entidades inadimplentes. A coisa piorou mais ainda a partir de 2008 quando (isso eu li no livro do Ipea sobre o programa Cultura Viva) as gestões regionais do programa foram repassadas para secretarias municipais e estaduais de cultura, porque estas não estavam preparadas.


São falhas que o programa enfrenta, e que vinham se acumulando e crescendo desde anos durante a gestão Juca Ferreira. Negar isso é desonestidade. Qualquer um que tenha lidado diretamente com o programa Cultura Viva sabe desses problemas. E a pesquisa do Ipea confirma. Portanto, se há problemas nos repasses do programa, é uma situação que vem desde o Juca, por razões estruturais, burocráticas e conceituais gravíssimas.


Informação é essencial. O que o ministério está fazendo para dar solução a estes problemas? Entre neste link e verá. O orçamento para 2012 do programa Cultura Viva está lá, com mais verba do que em 2011, e com propostas para dar soluções a estes graves problemas. Não sei se os problemas serão solucionados, não sou vidente, mas o ministério já fez conferências para discutir suas mazelas e prometeu tentar resolvê-las este ano).







Hoje, todos os projetos da Cultura estão parados no Congresso: a reforma da Lei Rouanet, o Vale Cultura, a PEC 150 e a lei do Sistema Nacional de Cultura. A ministra não tem força no Congresso: "Os manifestos surgem porque há a percepção de falta de projeto estratégico" - diz a deputada federal Jandira Feghali.

(Concordo plenamente. A ministra não tem força no Congresso. Esse Danilo dos Santos que querem por no lugar dela também não tem. Fazer campanha pra derrubar a ministra naturalmente não a fortalece. Tivemos um 2011 tomado por crises políticas. Vamos ver se em 2012 as coisas andam. O Juca conseguiu, por acaso, aprovar alguma coisa no Congresso? Não.)

Até 2010, o Brasil era referência internacional pela política para a internet e proposta de reforma dos direitos autorais.

(A proposta de reforma dos direitos autorais foi enviada por Ana de Hollanda à Casa Civil. É uma proposta elogiada e que repete quase todos os pontos defendidos pela gestão anterior. O Minc de Juca promoveu um debate, mas nunca fez nada de concreto. Ana também enviou à Casa Civil uma lei que permite xerox de livro inteiro. Ou seja, em pouco mais de um ano, Ana já mandou duas leis que modernizam o direito autoral no Brasil. É preciso reconhecer isso. )

Hoje retrocedemos ao ponto de a ministra dizer que "a internet vai matar a produção cultural brasileira". A proximidade do MinC com o Ecad retarda a reforma da Lei do Direito Autoral e é motivo de duras críticas na mídia e de CPI aberta no Congresso.

(A frase é descontextualizada. Criticamos constantemente a grande mídia quando faz isso com objetivo de derrubar ministros, e agora vejo críticos da mídia usando a mesma tática. Ana citava um caso específico de um cineasta que fez uma denúncia ao ministério acerca do prejuízo com a pirataria. Há setores extremamente radicalizados nessa questão do direito autoral. É uma coisa meio esquizóide porque Gil e Juca, apesar de seu discurso, jamais tocaram no direito autoral, e aliás o próprio discurso deles jamais cogita em dar fim aos direitos dos autores. Toda a produção cultural do mundo foi construída em cima de direitos autorais: livros, filmes e músicas. Negar isso é negar a realidade. Temos que harmonizar a internet à necessidade de criarmos uma indústria cultural sustentável. Produzir filmes custa milhões de reais e o povo quer filme bom, não quer filme experimental que só meia dúzia de hipongas vão entender e gostar. Para isso, é preciso proteger sim e nesse sentido faz todo sentido falar que é preciso evitar que a internet prejudique a indústria cultural brasileira. É uma questão de soberania. A liberdade da internet é uma coisa excepcional, mas não esqueçam que o dinheiro agora se concentra em mãos do Google.)

Na área audiovisual, Diegues atribuiu à gestão Ana de Hollanda conquistas da política cinematográfica do governo Lula: como os recursos do Fundo Setorial e o espaço para produção independente na TV por assinatura. Já a gestão Ana de Hollanda interrompeu um programa como o Doc TV que renovou a produção de documentários. Também cresce a insatisfação de cineclubes e realizadores independentes.

(Gostaria de saber mais sobre esse negócio do Doc TV. Conferi que o ministério fez edital do Doc TV em 2011. Cancelou para 2012, foi isso? Tá confirmado? Não há nenhum programa substituto? Foi incorporado em outro programa? A verba para cinema, como um todo, foi ampliada? Eu acharia interessante que Ivana escrevesse um artigo apenas sobre o Doc TV. As críticas são todas muito vagas. Quanto a afirmação de que "cresce insatisfação de cineclubes e realizadores independentes", me parece uma afirmação um tanto chutada e ao mesmo tempo generalizante demais para se referir a um universo tão imenso e plural. Seria necessário nos aprofundarmos mais: qual a demanda específica de cada grupo? O que pode ser feito? Eu imagino que eles devem ter milhões de demandas, mas não entendo porque o diálogo com o Minc passa necessariamente pela derrubada da ministra.)
Em meio à crise crônica, os números oficiais do MinC são mais do que mera inépcia administrativa. Indicam ausência de projeto político, pobreza na construção de imaginários e narrativas para o Brasil.

(Construção de imaginários e narrativas para o Brasil? Tem certeza que esta é a função do Minc? Pensei que era função dos escritores, dos filósofos, dos cineastas. Quero distância de um país que dependa do governo para "construção de imaginários"!)

O que se vê no MinC desde janeiro de 2011: falta de diálogo, confusão entre público e privado, brigas entre facções rivais, incapacidade de formulação, cortes no orçamento e expansão da burocracia.

(Concordo que há falta de diálogo. Mas há também uma campanha baixo nível. Outro dia, um tuiteiro conhecido, ao saber que Ana de Hollanda estava em Angola, mandou uma mensagem nesses termos: "o que Ana de Hollanda está fazendo em Angola, só se for reunião do Acta. Só pode. #vazaanadehollanda. Ou seja, o sujeito não quis nem se informar que a ministra havia se reunido com seus congêneres de países africanos. Criou logo um factóidezinho qualquer para dizer algo negativo sobre a ministra. E eu não falo "vaza" nem para espantar cachorro. É assim que os militantes da cultura pretendem "construir narrativas"? Na base da grosseria e da baixaria? A própria Ivana, por ocasião do artigo do Cacá, ficou no Twitter tentando satanizar o cineasta porque ele participou de uma reunião com Serra em 2010. Ora, isso também é baixaria pra mim. O fato dele ter participado, democraticamente, de uma reunião pública com um dos candidatos, desqualifica-o para debater política cultural brasileira?) 

É difícil aceitar esse Ministério da Cultura fraquejante. O que está por trás dos números é ainda mais grave. O que está em crise é um projeto coletivo, que está sendo desmontado, em nome do quê? Cresce um legitimo desejo por mudanças.

(Bem, eu não estava sabendo, vejam só, desse "projeto coletivo". Não me chamaram para essa reunião. Sei que o Brasil é um país de 200 milhões de pessoas, e não creio que todas concordem que havia um projeto coletivo e que não há mais. Havia um grupo no entorno do Minc de Juca, que foi se formando ao longo de oito anos de gestão. De repente, mudou o ministro.Muita gente ficou desestabilizada. Entendo isso e até me sensibilizo por essas pessoas e seus sonhos interrompidos. Não acho saudável, porém, essa obsessão pelo Minc. Há centenas de editais, em todas as instâncias de governo, em todas as estatais, para se produzir cultura. Tenho impressão que o que cresce é a arrogância de se achar que existe um "projeto coletivo" muito genial que vá salvar a cultura brasileira. Não há. E se há um Projeto não é necessariamente este que um determinado grupo tem em mente. E projetos coletivos devem aprender a andar com as próprias pernas, sem depender do Ministério da Cultura, que é uma as pastas mais humildes da União. Até o Sesc-SP tem mais verba.)


IVANA BENTES é professora e diretora da Escola de Comunicação da UFRJ.


O que me espanta, enfim, em todas essas críticas, é que nenhuma delas se destina a pressionar, democraticamente, o ministério a adotar este ou aquele rumo. Nenhuma explana as ideias geniais que eles tanto se gabam de ter. Eu também tenho milhares de ideias para a cultura brasileira, mas jamais me passou pela cabeça derrubar o ministro para pô-las em prática. Eu escrevo, lanço-as na rede. Se quiser ganhar dinheiro, posso fazer um projeto e correr atrás. Não, as críticas visam única e exclusivamente a demissão sumária da titular da pasta. Isso não me parece democrático. Se viessem da grande mídia, não seria correto chamá-las de... golpistas?

Aborrece-me ainda a tentativa de construir uma unanimidade e um consenso que não existem. Não há nenhuma unanimidade e nenhum consenso da classe artística contra a Ana de Hollanda. Se tem, não estou sabendo. Conheço dezenas de escritores, e até agora ninguém se manifestou contra a ministra. Minto: o melhor escritor que conheço, o Mirisola, gosta muito dela, porque viu nela uma defensora de seus direitos. É a única manifestação de que me lembro. A Márcia Denser escreveu uma crônica pessimista, reclamando da falta de investimentos em cultura e repercutindo, um tanto vagamente, informações sobre o suposto "conservadorismo" da pasta atual, mas não se posicionou claramente contra Ana de Hollanda. Não assinou nenhum manifesto.

Conheço também dezenas de artistas plásticos e não vi até agora nenhum se manifestar contra Ana de Hollanda. A gente sai, toma cerveja, tem mil projetos em conjunto, eu escrevo resenhas para suas exposições, mas igualmente não passa pela cabeça de ninguém derrubar o ministro. Não fizemos isso no governo Collor, não fizemos no governo FHC, não faremos agora.

Repito: não sou dono da verdade. Talvez os críticos da Ana estejam totalmente certos. Possivelmente há gente muito mais qualificada para ser ministro da Cultura. Pode-se dizer a mesma coisa de qualquer ministro, e até mesmo da presidente. Minha intenção aqui é debater e trazer dados. Estou pronto para mudar de ideia. Convençam-me, todavia, com argumentos, não com palavras de ordem, slogans fáceis, frases descontextualizadas, afirmações vagas, números errados, e, o pior de tudo, com posições nos TT do Twitter.

Na verdade, há uma crise sim, mas de informação, que leva as pessoas a se posicionarem de maneira confusa. Todo mundo quer ter uma opinião inteligente e de esquerda sobre cultura. Daí se constrói um simbolismo que associa Ana de Hollanda ao conservadorismo, à direita, com ajuda de um partidarismo muito barato, com o que ela se torna uma espécie de Geni de todos os revolucionários dos botequins virtuais e não virtuais. Os focos de ódio mais intensos à ministra partem de núcleos extremamente politizados. Em algumas pessoas, tornou-se até meio irracional.

A realidade do setor cultural, no entanto, está muito distante das utopias acadêmicas e das conversas de botequim.

A questão da reforma da Lei Rouanet, por exemplo. Depois de anos debatendo, Juca preparou um projeto de Lei em que a única mudança substancial era acabar com o desconto de 100%. Ora, a medida causou protestos em toda a cadeira já estruturada no país. Se já é difícil captar dinheiro para pagar seu projeto, imagine se você só poderá fazê-lo botando 20% do próprio bolso. A intenção pode ser boa, mas acaba prejudicando produtores menos capitalizados. Enfim, é preciso melhorar as leis de incentivo, não piorá-las.

A ministra poderia investir mais em internet? A Lei Rouanet está sendo liberada para blogs e sites, como se vê pela liberação de 1 milhão para o blog da Bethania (que desistiu do projeto depois das críticas) e 900 mil para o blog Farofafá. Isso é investir, não?

Depois de tantas idas e vindas, hoje eu entendo mais a Lei Rouanet. Imagine o escândalo que fariam se o Ministério liberasse, diretamente, por decisão da ministra, 1 milhão para Maria Bethania, ou 900 mil para o Farofafá? Claro, é um colegiado, mas mesmo assim. Não ia dar certo. Na França, onde o ministro da Cultura é uma espécie de deus, tudo bem. No Brasil, não.

Concordo que é preciso ampliar o poder de investimento em cultura por parte do Estado, mas a Lei Rouanet já foi incorporada à realidade da nossa produção cultural. Tem que criar outros mecanismos, não reduzir ou destruir os já existentes. Com a reforma da Lei Rouanet, imagino que serão combatidas distorções, como empresas bancando projetos próprios, quase publicitários, usando a lei, dentre outros absurdos atuais.

O ideal seria ampliar o volume de recursos via editais públicos. Deixem a Lei Rouanet aí, sem piorá-la, ou torná-la mais difícil, e ao mesmo tempo amplie-se gradualmente as verbas para editais, até que, daqui a alguns anos, consiga-se talvez eliminar a Lei Rouanet e aplicar os fundos culturais somente via editais públicos, que são um instrumento bem mais democrático.