Muita gente deve se lembrar de um quadro do Chico Anísio na qual havia sempre dois personagens culpando o governo por todos os males, mesmo os mais particulares e fúteis que lhes ocorriam. "A culpa é do governo!", vociferava o personagem interpretado por Chico. Lembro que eu admirava o que aquele quadro continha de crítica política inteligente ao um histórico descompromisso do brasileiro com a cidadania. A culpa sempre é do governo, nunca do cidadão. No caso da segurança pública, não se trata de nada fútil, e certamente os governos têm uma enorme responsabilidade, mas é preciso que a sociedade como um todo, especialmente a classe dominante e a grande mídia, compreendam a necessidade de assumirem também a participação nesse drama social.
Aliás, é disso que se trata. Drama social. Não terrorismo ou qualquer nome pomposo que agora queiram lhe dar. O quadro pode ter evoluído de uns anos pra cá. O PCC foi organizado há relativamente pouco tempo. Mas crime organizado sempre houve em São Paulo, e até onde eu sei, eles são inimigos declarados das autoridades governamentais, assim como os empresários o são dos impostos.
Nesta crise de segurança, a "opinião pública" da mídia agora se volta contra os governos, esquecendo que é o quarto poder, e que, se há crise, é porque ela também tem sido omissa sobre o tema há muitos anos.
Pra começar, a mídia tem desdenhado acintosamente da política de redução de desigualdade de renda no país, praticada pelo governo Lula, como se isso não impactasse profundamente, de forma positiva, sobre as origens sociais da violência. Em segundo lugar, e no caso especial de São Paulo, a mídia não exerceu nunca a devida crítica à política carcerária do governo tucano, que está em crise há bastante tempo. A mídia esqueceu as crises sucessivas na Febem. Esqueceu que as rebeliões nos presídios dos últimos anos nos presídios paulistas. Com seu imediatismo, estão todos concentrados no aqui e agora. Ninguém procura resgatar o histórico desta crise nem projetar soluções de longo prazo.
Noto que o fator que mais tem gerado perplexidade na elite e na mídia é a constatação de que o crime organizado possui gente com cérebro, e que tenham também vontade política. Não, eles são bandidos, animais! Só o fato de eu estar escrevendo isso já causa, em algumas pessoas reacionárias, um asco instintivo: ele está protegendo bandidos. Esquecem que a bandidagem politizada é fenômeno social dos mais comuns em todo mundo, inclusive aqui no Brasil. São Paulo está conseguindo recriar o cangaço! É inevitável que segmentos marginalizados da sociedade paulista, que também alimentam fortes ressentimentos contra as autoridades, se identifiquem com os protestos violentos (e assassinos) do PCC. A política de segurança dos estados brasileiros continua a ser truculenta, discriminatória e assassina. A polícia continua matando pobre. Advogados roubam milhões durante décadas e, quando são presos, a OAB e a mídia entram em cena protestando contra a truculência da Polícia Federal. Mas a OAB vira as costas para as milhares de pessoas, inclusive muitos inocentes, executadas friamente pela polícia paulista nas periferias. A OAB virou as costas para a Febem.
Frase inscrita na parede do gabinete do deputado Jair Bolsonaro, caricatura da extrema-direita no Brasil: direitos humanos, esterco da bandidagem. A Folha de São Paulo, que vem se inclinando cada vez mais à direita, agora divulgou pesquisa dizendo que "maioria" dos brasileiros se declara de direita. Uma pesquisa altamente duvidosa, a meu ver, porque a maioria dos entrevistados nem sabe o que é direita e esquerda e, historicamente, o pobre brasileiro se identifica mais com o termo "direita", pelas óbvias características de lembrar o que é certo, o que é "direito", legal. É como se perguntasse ao pobre. Você é bonito ou pulcro? Ora, pulcro quer dizer belo, formoso, gentil, mas soa como se tivesse o sentido contrário. Eles tentam legitimar a pesquisa dizendo que o brasileiro é contra o aborto, contra a maconha, etc. Mas não acho que seja antropologicamente correto misturar essas coisas. Acho que a pesquisa foi uma procura da Folha de se legitimar como direita, e legitimar a direita no Brasil. Enfim, voltemos ao tema da segurança.
A Folha é um caso triste em termos de colunistas. Inventou aquelas três coluninhas da segunda página, onde, num espaço mínimo, ridículo, Clovis Rossi, Eliane Catanede e mais um outro, procuram dar seu pitaco definitivo sobre a sociedade brasileira. Rossi, como tem feito ultimamente, gasta metade do seu espaço já limitado para desqualificar de antemão qualquer um que não comungue com suas idéias - são "idiotas", massa idiotizada.
Mas não pense que o Sr.Rossi ou Lady Catanede exercerão qualquer crítica ao governo tucano no que toca a segurança pública. Não, eles só criticam o governo tucano colocando no mesmo saco o governo Lula. A crítica que fazem ao tucano é sempre neutralizada com outra pior ao governo Lula. De forma que, no auge da crise, não exercem a saudável pressão política às autoridades paulistas. Nunca exerceram.
A ladainha da vez é dizer que, como o PCC se alimenta do tráfico de drogas, e o combate ao mesmo é atribuição da PF, então a culpa é do governo federal. Ora, hipocrisia tem limites. Mesmo os EUA, com todo o seu aparato militar monstruoso, suas agencias de inteligência bilionárias, não conseguem evitar que metade da droga do mundo seja consumida por lá, como é que nós, com nossos escassos recursos, com fronteitas gigantes com outros países, poderíamos constituir um modelo nesse sentido. Ademais, a PF tem atuado exemplarmente contra o tráfico, tendo desmantelado quadrilhas históricas que operavam no Brasil.
A mídia paulista, reitero, tem sido vergonhosamente omissa e leviana nesta crise de segurança. É ridículo que, diante de uma situação de tamanha seriedade, a Folha, por exemplo, se limite a publicar a opiniãozinha de cinco linhas de Clovis Rossi sobre o tema, das quais metade, como já disse é para chamar os outros de idiotas. Onde está a fúria investigativa demonstrada na crise do "mensalão"? Aliás, por falar nisso, a crise dos sanguessugas seria outra excelente oportunidade para a mídia exercer seu papel de "vigilante ética". Onde estão as reportagens investigativas sobre os sanguessugas? Sobre as prefeituras que superfaturavam compra de ambulâncias, por exemplo? Não, é muito mais confortável e fácil seguir na rabeira das CPIs, não é?
Bem, finalizando o artigo, retorno ao problema da segurança e lembro de uma frase da Bíblia, mais precisamente de Isaías, Velho Testamento, que é um clássico de histórias de violência. "Só haverá paz quando houver justiça". Esse parece ser um pensamento milenar, que aliás me faz lembrar do Glauber, autor de Deus e Diabo na Terra do Sol, que dizia que "a violência é a manifestação mais nobre da fome". No filme citado, o protagonista, depois de procurar salvação no fanatismo religioso (e quase morrer numa chacina patrocinada por latifundiários), se junta a Corisco, famoso cangaceiro. Ao final, também isso dá errado e ele foge. O filme termina com ele correndo pelo sertão, fugindo de seu próprio destino. É uma mensagem bonita, até moralista, de Glauber, embora sem apontar saídas que não essa fuga desabalada de si mesmo. A saída, enfim, não está na violência, e sim na criação de perspectivas de ascensão social.
O crime sempre existirá, é ingenuidade pensar o contrário, pois haverá sempre homens pervertidos, preguiçosos e maus. Quando se vive drama social, porém, o crime se torna um meio de vida quase que institucionalizado. A verdade é que os governos do Estado de São Paulo não souberam, ou melhor, não quiseram executar políticas sociais consistentes. A teoria do Estado Mínimo usou os pobres de São Paulo como cobaias de laboratório. E as cobaias ficaram violentas. Como era de se esperar, não? Os tucanos se acham tão cultos, mas não andam lendo muita história. Se o fizessem, veriam que há dez mil anos os homens têm esse costume desagradável de reagirem com extrema violência diante de qualquer opressão. E violência, tenha ela raízes sociais ou não, seja feita pelo Estado ou por bandidos, resulta sempre em brutalidade, covardia e morte de inocentes.
16 de agosto de 2006
"A culpa é do governo!"
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Antes de perguntar o que país pode fazer por ti, interroga-te sobre o que podes fazer pelo teu país...
JFK - adaptado
Abraço de Portugal.
Não está rendendo votos o estilo desbocado de HH. A sua taxa de rejeição está aumentando. Discursando no velho estilo Enéas Carneiro, dentre outras baboseiras, ela chama por exemplo, de maloqueiros, a equipe econômica do governo Lula. Sugiro a HH xingar o povo de maloqueiro. Pois é o povo que está apoiando Lula e, consequentemente, sua equipe econÔmica. Ah, estou no sul do Maranhão. De férias. Volto prá Goiânia em meados de setembro. Por aqui, o povo é Lula por causa de programas como o Luz Para Todos. Chamam o presidente carinhosamene de "baixinho." Emocionei ao constatar a ausência de pessoas maltrapilhas que, outrotra, trafegavam famintas pelas estradas deste mundo tão esquidistante de Brasília. E tudo isso foi graças ao governo Lula. Só mesmo se fôssemos loucos trocaríamos Lula por Alckmin 69 CPIs Enterradas que continua posando de honesto. hahahahahahahahaha.
Lendo o blog do tucano Noblat/Estadão, senti o clima de velório da campanha de Alckimin. Confira:
"23/08/2006 ¦ 14:05. Marquem minhas férias. Não tiro férias desde o início de 2002. Confesso que estou quase esgotado. Blog é uma servidão.
Estava pensando em tirar férias em dezembro próximo. Pelo andar da carruagem das eleições, talvez fosse melhor tirar em setembro.O que vocês acham?"
Fonte: blog do Noblat
Inédito!!!!!! O Pedro Bial achou um buraco na estrada!!! Depois de rodar milhares de kilômetros com o seu "Bonde do Desejo" ou sei lá que nome se deu ao tal Bonde do Bial, a Globo chamou a atenção para a notícia no Jornal Nacional que o Pedro Bial achou um buraco na estrada! Também pudera.Depois de rodar por semanas e mais semanas, inclusive nos EUA não seria motivo de tanto alarde um buraco numa estrada. Não entendi o motivo pelo qual a Globo deu tanto destaque ao "Buraco do Bial". Quanto a mim, que estou de férias no Sul do Maranhão, não achei nenhum buraco vindo de lá prá cá. Por isso nem me dei ao trabalho de assistir ao Jornal Nacional para ficar sabendo onde ficaria situado o tal "Buraco do Bial"
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