20 de março de 2012

Notas sobre um retrocesso que não houve

Perdoem o texto meio truncado e confuso. Estou correndo contra o tempo para terminar um trabalho, mas não podia deixar de registrar aqui algumas descobertas. Não sou dono da verdade. Corrijam-me, por favor, se tiver errado alguma coisa. Como diz Veríssimo, sou o cara mais humilde do mundo.  Não recebo um centavo do Minc, nem conheço ninguém por lá. Não recebo dinheiro de lugar nenhum. Sempre trabalhei no setor privado, e aliás estou com prazo estourando para entregar a tradução de um filme. Sinto-me obrigado a dizer essas coisas porque vejo que alguns críticos da Ana, antes mesmo de entrarem no debate, lançam suspeitas sobre quem pensa diferente. Parece a política Bush do ataque preventivo. A polêmica do Minc virou um ambiente barra pesada. Espero que poupem este modesto blogueiro de sua agressividade.

Meu interesse não é defender ninguém. Respeito a Ana de Hollanda como sempre respeitei qualquer ministro da Cultura anterior a ela, inclusive dos governos FHC pra trás. Quero trazer o debate para o campo dos argumentos. Acredito que devemos respeitar os outros se queremos que nos respeitem. Isso vale para adversários também, porque se perdermos a linha, perdemos a razão. Quando escrevia contra o Serra e contra o governo FHC, baseava-me exclusivamente em dados, em argumentos, nunca usei slogans fáceis, jamais apelei para a baixaria. Quem o fez, na verdade ajudou Serra a crescer nas eleições. Se respeitava os ministros da Cultura de FHC, também respeitarei os da Dilma.

Ontem eu passei muitas horas estudando Siafi, Portal da Transparência, relatórios governamentais para o tribunal de contas, para ver direitinho os gastos do governo, e poder fazer uma análise séria sobre um possível retrocesso político da atual administração. Analisei a gestão do Ministério da Cultura, especialmente os Pontos de Cultura. Li o livro do Ipea sobre o assunto, lançado há alguns meses, com dados pesquisados ao final de 2010 junto a centenas de pontos de cultura. O livro do Ipea é elogioso, mas ao fim (ver o capítulo IV, eu copiei trechos aqui) aponta um rol de problemas graves de gestão e conceito, que precisariam ser resolvidos. O Minc inclusive já fez seminários para discutir o livro do Ipea, encontrar soluções e reformular o programa.

Em 2007, o Minc (que incluíra apenas 109 pontos no ano anterior) aceita a inscrição de 1.843 pontos de cultura. Nos anos seguintes, iria voltar para 200 ao ano, em média. Mas a partir de 2008, tendo que lidar com aquele aumento súbito feito em 2007, os recursos e a gestão dos pontos do Brasil inteiro foram sendo transferidos para prefeituras e estados, que não estavam preparados para tal responsabilidade (segundo analisou o Ipea). Em 2010, o programa quase entrou em colapso, e o Minc pagou pouquíssima gente, entregando à gestão da Ana de Hollanda um passivo de centenas de milhões de reais.

O relatório do Minc para 2012 e próximos anos, porém, prevê solucionar esses problemas e continuar a política de expansão do programa Cultura Viva, conforme se verá abaixo. Mas imagino que não vai ser fácil.

Agora uma rápida digressão.

Vi também os gastos do governo com Saúde, Educação e Meio Ambiente. O governo ampliou os gastos nesses setores em relação aos gastos totais.

Os gastos do Ministério da Saúde, por exemplo, somaram 24,15 bilhões de reais em 2011, aumento de 29,4% sobre o ano anterior, e representaram 1,88% dos gastos totais do governo, contra 1,79% em 2010 e 1,65% em 2009. Sugiro que pesquisem os gastos destinados às políticas públicas de saúde para a mulher. Terão uma agradável surpresa também.

Já falei sobre a forte expansão do Bolsa Família em 2011 e 2012, tanto em valor total, como em valores únicos para cada família.



Fiz essa digressão rápida, porque acho importante salientar que o governo Dilma ampliou substancialmente os gastos sociais em relação ao último ano do governo Lula (que foi o melhor ano de Lula), mesmo enfrentando um momento econômico bem mais difícil. É o que se espera de um governo de esquerda. É o que realmente faz diferença na vida dos mais pobres. Paparicar o povo do Twitter não ajuda o mais necessitado.

Voltando aos pontos de cultura, em 2010 foram incluídos 215 novos pontos; e em 2011, 251 pontos. Ou seja, até nisso houve avanço. E o Minc planeja ampliar o programa para 4.170 pontos até 2014 (contra 3,6 mil hoje). Repito: é uma informação oficial do Minc. Teremos que checar isso no futuro. Mas é preciso que a blogosfera dê ao Minc o direito de apresentar sua versão. Os críticos devem trazer dados e links para contestar. Falar em retrocesso da boca pra fora é leviano.

A coisa é bem confusa, porque tem verba aprovada que não é paga, restos a pagar, etc. Eu encontrei vários números diferentes, mas suponho que os relatórios já consolidados do Portal da Transparência sejam os mais confiáveis.

Os gastos concretos com o programa Cultura Viva em 2011 e 2010, segundo o portal da Transparência, foram estes: R$ 47, 44 milhões em 2011 e R$ 38, 4 milhões em 2010. Ou seja, não houve nenhum retrocesso, ao contrário. Link 2011 Link 2010



Se os críticos têm dados diferentes a apresentar, por favor, façam-no, trazendo as fontes.

Fui analisar o cadastro de inadimplentes. São milhares de pontos inadimplentes Brasil a fora. O livro do Ipea discorre bastante sobre isso, lembrando que a inadimplência implica a devolução dos recursos. Imagine o impacto para um grupo de produtores pobres em ter de devolver 180 - 200 mil reais? O programa Pontos de Cultura se tornou, de repente, um problema social grave, arriscado. A coisa se complica ainda mais porque tudo tem de passar pelas secretarias municipais e estaduais de cultura, que não tem funcionários preparados. É uma verdadeira bomba.

Cada vez mais eu estou estupefato com a falta de elegância do Juca Ferreira. Ele ficou 8 anos no Minc, teve tempo para aprender bastante, daí volta e ataca a sua substituta que está somente há 1 ano, e justamente em relação a problemas nos pontos de cultura que ele mesmo não conseguiu resolver?

O que me aborrece é que é fundamental que haja crítica, mas que seja responsável, embasada, séria. Não fique no tititi. Eu adoraria ver uma boa crítica de esquerda à Dilma Rousseff, mas tragam mais dados, por favor.

Ah, tem também essa entrevista com a mulher que gerenciava os pontos de cultura do Minc, estava lá desde os tempos do Juca. Ela fala que é preciso olhar para os Pontos de Cultura sem "messianismo", para avaliar com frieza a extensão de seus imensos problemas, gerenciais e mesmo conceituais:

"Não se trata apenas de dívidas, mas de desorientação administrativa, de pilhas de processos sem resolução, de prestações de contas sem retorno desde 2008. Como lidar com tudo isso de forma respeitosa com as pessoas e cuidadosa com as exigências de ser governo e estado, sem provocar atrasos? É impossível."

Tem o lance do Ecad. Não entendo nada disso, admito. Eu gostaria, no entanto, de assistir a um congresso de músicos e compositores, para ver a opinião de todo mundo. Queria vê-los discutindo, com tranquilidade, saber o que pensam, e analisar a conjuntura toda, pesando todos os lados. Nesses manifestos contra a ministra, onde a principal acusação era ser "amiga" do Ecad, não vi um músico (ou quase nenhum). A maioria era global, incluindo Regina Duarte e Nelson Motta. Até onde entendo, a ministra não pode mandar fechar o Ecad, assim como Juca Ferreira jamais o fez. Enquanto não ouvir a opinião de uma grande quantidade de músicos, especialmente os mais produtivos, que mais contribuíram para a música brasileira, prefiro me manter à parte nessa polêmica.

Apenas uma observação sobre o manifesto dos intelectuais, onde figura na cabeça da chapa a filósofa Marilena Chauí: um amontoado de clichês sobre globalização, pelo amor de Deus! Prefiro acreditar que os signatários mais ilustres não prestaram a devida atenção ao conteúdo. Vocês sabem que não me impressiono com "carteirada" de intelectual. O manifesto podia trazer a assinatura de Immanuel Kant e Spinoza. Se fosse um texto mal escrito, conceitualmente confuso, mesmo assim eu criticaria.

Na minha opinião, e me perdoem se falo besteira, a principal virtude de um ministro da Cultura deve ser a honestidade. É um dos ministérios com menos verba, e o pouco que tem está amarrada a programas sempre deficitários, como os que respondem pela conservação do patrimônio arquitetônico do país. Acho que é saudável termos um ministro da Cultura discreto. A cultura de um país quem faz é o povo e suas vanguardas. Não precisamos de nenhum gênio no Minc para nos conduzir a um "novo patamar".


Abaixo outros links para ajudar:

http://www.cultura.gov.br/culturaviva/secretaria/scdc-em-numeros/
http://www.ipea.gov.br/digital/Ebook/culturaviva/index.html
http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2012/03/APRESENTACAO_programas-prioritarios-2012-site.pdf
http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/PrestacaoContasPresidente/RelatorioPareceresTCU/RPP2010.pdf

2 comentarios

Anônimo disse...

Obrigado, Miguel. Sua colaboração nos dá subsídios para discutir o assunto com mais propriedade.

Abraço!
Silvinha

Vania disse...

Parabéns pelo texto lúcido e sensível! É sempre muito bom acompanhar uma discussão assim em alto nível, tratando dos reais problemas que enfrentamos no país. Sua contribuição ao meu entendimento do Minc não tem paralelos! E eu só posso lhe agradecer. Além de criticar a postura grosseira do Juca Ferreira. Nunca vi um ex assim tão despeitado!

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