Fechando as portas do inferno
A escalada do terrorismo atingiu um nível tão alarmante que todos nós, jornalistas, operários, sem-terra, políticos ou empresários, precisamos refletir sobre as causas e os efeitos desse mal. Num de seus últimos artigos (Só a mídia é capaz de vencer o terrorismo, publicado no Observatório da Imprensa) , o jornalista Alberto Dines, fala sobre uma suposta tolerância de alguns setores da mídia para com o terrorismo. Essa tolerância, segundo Dines, seria motivada pelo sentimento de repulsa à política belicista de Bush. Pois bem, esse é meu ponto-de-partida. Discordo frontalmente dessa opinião. Não vejo em nenhuma parte, e pela internet tenho lido jornais do mundo inteiro, tolerância para com o terrorismo. O que se vê é, simplesmente, uma saudável e necessária diversidade de opiniões em relação a isso.
No entanto, considero sumamente medíocre todos esses editoriais em que se repete que "repudiamos o terrorismo". Ora, o terrorismo é uma doença, com causas políticas e, portanto, com curas políticas. De que adiantaria lamentar a morte de milhões de pessoas por causa de um epidemia, dizendo: "repudiamos totalmente o vírus tal"?
Concordo com Dines quando ele afirma que a mídia tem um papel fundamental no combate ao terrorismo. E que esse papel passa por dar espaço à lucidez e à análise profunda e minuciosa das causas do terrorismo.
O problema, contudo, não é a falta de analistas, e sim o fato de que os bons são marginalizados e os maus analistas são venerados pelos donos do status quo. A tolerância com o terrorismo não é dos jornalistas anti-Bush, sr.Dines. Não podemos deixar que a perversão atual dos valores atinja tal ponto em que a análise, a compreensão, o estudo imparcial de um problema tão grave como o terrorismo seja confundido com tolerância. Não! Se há tolerância com o terrorismo, seguramente não vem dos jornalistas. Ademais, essa história de anti-Bush já está ultrapassada, até porque o Kerry está se revelando pior que Bush, falou que vai triplicar o número de soldados no Iraque, vai continuar com ataques preventivos, vai cancelar a diplomacia com a Coréia do Norte e partir para o ataque direto, enfim, não vejo em Kerry um hippie paz e amor não. Vejo nele mais um marionete de grandes grupos financeiros que dominam a maior economia do mundo.
E então? Como fechar as portas do inferno? Como reduzir o terrorismo no mundo? O sr. Dines insinua que a origem do terrorismo está no islamismo. "Todo terrorista é muçulmano", escreve Dines, citando um especialista no assunto. Tá bom. E as milhares e milhares de vítimas de bombas americanas. E os milhares e milhares de mutilados, doentes, destroçados moralmente, pela selvageria ianque? Não foram terroristas, nem muçulmanos. Em sua maioria, eram cristãos, protestantes, ateus, agnósticos, sei lá.
O fato é que a grande maioria dos homens bomba são jovens pobres, desesperados, que viveram situações limite, massacres, genocídios, bombardeios. Perderam parentes, amigos, em covardes ações militares. Como esperar deles qualquer tipo de serenidade? O ódio é diabólico? Nem sempre. Existe algo de divino na ira. Opa, pera lá, não estou justificando o terrorismo. Estou tentando compreender, e encontrar a melhor forma de fechar a porta do inferno.
As sociedades humanas nunca serão perfeitas. Por mais feliz que seja uma determinada comunidade, sempre haverá malucos violentos. Mas não é disso que estamos falando. O terrorista é um ser político. Pode até ser maluco, mas é fruto de uma situação política específica. Portanto, para se acabar com o terrorismo é preciso estudar suas razões políticas e humanas. O terrorista, por mais maluco, bossal, estúpido, que seja, não é um bicho. É um homem, que sacrifica sua vida em prol de uma causa. Tratá-lo como um criminoso comum, como governos e jornalistas vêm fazendo, é totalmente contra-producente do ponto-de-vista do combate ao terrorismo.
Pensemos: em Falluja, no sul do Iraque, temos muitos terroristas, certo? Dines acha que os jornalistas que os chamam de "insurgentes" ou "rebeldes" estão sendo complacentes ou tolerantes com o terrorismo. Discordo radicalmente de Dines: eles são, sim, insurgentes, mas quem disse que "insurgente" é um elogio? Ou que insurgentes não usam táticas terroristas? O fato é que o terrorismo é uma insurgência. Então, voltemos à Falluja. Será que alguém, com um mínimo de massa cinzenta na cabeça, acha que despejar centenas de bombas, matando milhares de civis, isso sem contar com a destruição geral de toda a infra-estrutura (água, eletricidade, saúde, educação) de uma cidade, isso vai contribuir para reduzir o índice de jovens que aderem ao terrorismo? Que espécie de tática é essa? Que espécie de "democracia" os EUA querem estabelecer no Iraque? Um bando de aleijados, mutilados, miseráveis, escolhendo entre dois ou três ex-agentes da Cia?
A mídia pode ajudar no combate ao terrorismo, sim. Porque a mídia é um dos principais órgãos de inteligência da sociedade global. Se duas cabeças pensam melhor que uma, então milhões de cabeças, ou bilhões, pensam melhor que meia-dúzia.
O terrorismo deve ser combatido com a arma mais poderosa do homem: a inteligência. É preciso trazer estabilidade política, social, às regiões mais conturbadas do planeta. Para isso, em vez de se pulverizar bilhões de dólares em guerras idiotas, pode-se doar escolas, hospitais, centros de lazer, esporte e cultura, às comunidades mais problemáticas.
A desumanização do "terrorista", parecida ao que se faz aqui no Rio de Janeiro com o "traficante", é a raíz do problema. Revela a inconsistência da estratégia da luta contra o terrorismo.
E, no entanto, se eu falar que só o amor pode vencer o terrorismo, muitos vão me ridicularizar, chamando-me de ingênuo, imbecil, pusilânime e até viado. É porque confundem amor com fraqueza. Não. O amor é, antes de tudo, força. Ações políticas ousadas, vigorosas, fortes, que visem o desarmamento, a estabilidade política, social e econômica, poderão mostrar aos jovens candidatos ao terrorismo que o mundo moderno, com seus campos agrícolas, suas indústrias, seus aviões e computadores, também tem seu lado bom, também possui sensibilidade, e que existem outras formas de se mudar o mundo que não explodindo um ônibus cheios de crianças.
Meu falecido pai era um homem fechado, tímido, taciturno, com enorme dificuldade para mostrar sentimentos. Ele expressava seu amor por mim e por meu irmão servindo-nos deliciosos lanchinhos. É por aí. Os Estados deveriam combater o terrorismo com ações políticas afirmativas, construtivas, e não destruindo estações de tratamento de água e esgoto, como fazem no Iraque e na Palestina.
Tanta brutalidade estéril só faz escancarar mais e mais as portas do inferno. É preciso interromper imediatamente esses banhos de sangue, evitando mais sofrimento inútil para a humanidade. Já somos vítimas de tantas desgraças naturais, como câncer, aids, terremotos, furacões, e pitboys da barra, não precisamos que o Tio Sam crie corvos no oriente médio que, um dia, poderão voar até nossas maravilhosas praias, trazendo pequenas e terríveis bombas radioativas.
9 de outubro de 2004
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