2 de março de 2009

Rápida reflexão sobre a excelente telefonia brasileira

Por João Villaverde

A partir dos anos 80, no longo processo de reforma do modelo varguista de desenvolvimento no Brasil, uma das ideias defendidas com mais ênfase era a privatização da telefonia. Essa ideia foi ganhando massa crítica entre os acadêmicos - majoritariamente de Economia e Administração do eixo Rio-São Paulo - que retornavam com mestrados e doutorados de escolas americanas. Por aqui, esses intelectuais passaram a ocupar cada vez mais espaços estratégicos.

Aos poucos ocuparam a imprensa, ora como fonte, mais à frente como articulistas. Depois, passar a altas posições em grandes empresas. Finalmente, foram ocupando espaços executivos no governo. Nos anos 90, seguindo um processo que se dava em toda a América Latina, o discurso de "inserir o país na modernidade, enxugando o Estado, fortalecendo a iniciativa privada" foi colocado em prática.

A ideia de privatizar a telefonia foi então colocada em prática.

O objetivo do modelo privatizado, conforme se apregoava, seria obter a universalização do acesso às telecomunicações (basicamente, ao sistema de telefonia), por meio de empresas concessionárias que operariam em um mercado concorrencial e competitivo. Adicionalmente, não se deveria esquecer de assegurar o desenvolvimento industrial e tecnológico do país. O argumento principal era de que a concorrência iria conduzir à universalização, sem prejuízo para o desenvolvimento industrial e tecnológico.

Para verificar se todo esse discurso bonitinho valeu a pena ou não é preciso, portanto, medir o que foi alcançado em temos de universalização, competição e desenvolvimento industrial.

Pois hoje, segunda-feira 02 de março, a seguinte nota publicada na Folha Online exemplifica um pouco todo aquele processo de passar os serviços de telecomunicação das mãos do Estado para as mãos das empresas privadas. A matéria pode se lida clicando aqui.

A ONU divulgou hoje estudo que apresenta informações sobre os serviços de telefonia e internet em 150 países. O Brasil aparece entre os 40 em que o uso de telefones fixos e celulares consome a maior fatia da renda per capita.

Tomando como referência o preço de um pacote básico, a União Internacional de Telecomunicações (UIT) chegou à conclusão de que o uso do celular no Brasil é um dos mais caros, consumindo o equivalente a 7,5% da renda média per capita do país. Numa escala crescente de custo, o país ocupa a 114ª posição. A telefonia fixa morde uma fatia menor da renda do brasileiro (5,9%), mas também coloca o país entre os últimos, no 113º lugar.

A internet de banda larga, considerada pela UIT importante ferramenta para o desenvolvimento econômico, tem um preço elevado no Brasil. De acordo com o estudo, seu custo mensal equivale a 9,6% da renda média per capita brasileira. E lembrem-se, na momento da reflexão, que nossa renda é baixa. Somos um país de Terceiro Mundo, bom lembrar. Essa realidade foi totalmente ignorada quando se passou os serviços de telecomunicações para mãos privadas.

Em seu seminal "A Lógica do capital-informação", o pesquisador Marcos Dantas, doutor em Engenharia da Produção pela Coppe-UFRJ, foi enfático: "o modelo que se construiu e tentou implantar nas telecomunicações brasileiras está errado. Está errado porque ignorou a realidade. A conhecidíssima má distribuição de renda brasileira foi completamente ignorada na hora em que o governo Fernando Henrique Cardoso definiu as características básicas do seu modelo para as telecomunicações".

Qualquer análise isenta e desinteressada apontaria para a incapacidade (sem falar na falta de vontade) de o investimento privado lograr superar nossas barreiras de renda, liderando assim um programa destinado a democratizar a telefonia no Brasil.

"A experiência internacional anterior a 1998 (quando se deu a privatização da Telebrás no Brasil) permitia afirmar que em nenhum lugar do mundo a concorrência democratizou as telecomunicações. Pelo contrário: nos (poucos) países onde a telefonia fora de fato universalizada, isso ocorreu por meio de monopólios públicos. Mais: antes dos leilões da Telebrás, também se sabia muito bem que o espaço para a concorrência nas telecomunicações se limita, quando muito, ao chamado mercado corporativo e ao familiar de alta renda. O governo dispunha de levantamentos feitos por empresas de consultoria contratadas pelo BNDES, confirmando que o mesmo se repetiria no Brasil. "

Não há pois surpresa no fato de a concorrência não ter vingado no conjunto do setor. Aliás, nada relacionado a péssima experiência de telefonia privada no Brasil deveria surpreender.

Ao contrário. Deveria fazer pensar.

7 comentarios

Carlinhos Medeiros disse...

Salve, Miguel! Não bastasse a carestia ainda temos que aturar os "gabirus" dentro de nossos bolsos.

A TIM resolveu descumprir a resolução da ANATEL e está bloqueando os créditos dos clientes ao bel-prazer.

Amanhã vai sair um artigo co-relacionado no bodega sobre a portabilidade numérica, onde aproveito para "escalar a mariquita".
Abs!

Miguel do Rosário disse...

Salve Carlinhos! Ó, o texto é do João, meu nobilíssimo colaborador. Obrigado pelo comentário.

Juliano Guilherme disse...

Aqui no Rio, antigamente tinha a "Telerda", agora tem a "Telemerda". Muito bom artigo do Vilaverde. Ele só esqueceu de dizer que a privataria na telefonia gerou o Daniel Dantas. Ou seja, o FHC só fez cagada.

Anônimo disse...

É claro que o modelo de privatização da telefonia no Brasil não foi dos melhores. Mas daí a dizer que "nada relacionado a péssima experiência de telefonia privada no Brasil deveria surpreender".

Uma coisa que com certeza o modelo conseguiu foi a universalização do acesso à telefonia. Antes da privatização, com a telefonia nas mãos do Estado, para conseguir um telefone fixo era necessário comprar ações da companhia telefônica, quando elas abriam para tal (e isso acontecia raramente), e esperar pelo menos uns 2 anos para a instalação. Telefone fixo era tão raro que era declarado no imposto de renda e o aluguel dele era um negócio lucrativo.

E a telefonia celular? Nem se fala. Comprei meu celular por R$ 2.000,00 porque só tinha a Telerj e ela não tinha linha pra vender.

Conclusão: ruim com a privatização, pior sem ela.

João Villaverde disse...

Olá Adhemar,
O Brasil, de 1997 para cá, retrocedeu muito do patamar tecnológico que já atingira na primeira metade da década de 1990. Claro, em muito pontos, tecnologicamente falando, o país se desenvolveu, mas, em dados agregados, o quadro geral é pior de antes da privatização. A explicação divide a mesma raiz que a enorme universalização do telefone, como você diz.
De fato, uma parcela importante da população brasileira passou a ter acesso, como nunca antes tivera, a um aparelho telefônico pessoal. A questão, no entanto, vai mais embaixo: o sistema, depois de privatizado, não ambiciona a universalização, mas o lucro. Por isso, a universalização é antes uma decorrência do lucro. Como vivemos num país de Terceiro Mundo, temos uma péssima distribuição de renda. Isso é refletido nos Estados. Realmente, para um morador do Rio, de São Paulo, Porto Alegre e outras capitais econômicas, os bolsões de riqueza passaram a ter um acesso privilegiado. Por que isso? Porque a alta renda permite ganhos de escala e investimentos em melhoria da tecnologia dos aparelhos por parte das operadoras. Ou seja, onde há perspectiva de lucro, há universalização. O contrário não é verdade.
No caso de um modelo público de telecomunicações, este não seria um grande problema, pois a rentabilidade baixa (ou mesmo negativa) dessas linhas seria subsidiada com recursos públicos de diversas origens. No caso de um modelo privado, como o que se instalou no Brasil de FHC, a parca rentabilidade de boa parte do sistema tornou-se um grande problema, erodindo a geração de caixa das empresas e os lucros dos investidores. Como se sabe, esse último ponto é tudo o que importa para o capital: se não há lucro, não há investimento.
E finalmente, um ponto importante: especificamente sobre os telefones celulares, é bom lembrar que eles apenhas engatinhavam antes de 98. Existiam poucos e eram caros em qualquer lugar do mundo.
Um abraço

João Villaverde disse...

Olá Juliano Guilherme,
Pois é, além de atrasar os investimentos na melhoria geral da infraestrutura e do sistema de telecomunicações no Brasil, a privatização ainda gerou Daniel Dantas.
O rolo de Dantas para levar a Brasil Telecom (antiga Tele Centro-Sul) aliás, envolveu BNDES, Ministério das Comunicações, o presidente da República, o Citibank (que à época era o maior banco do mundo), a Telecom Italia (a maior operadora de telefonia italiana), fundos de pensão de estatais, etc. Além disso, a participação do Opportunity (o banco do Dantas) foi sustentada porque o Pérsio Arida, um dos economistas do Plano Real - ligado, portanto, às pessoas que ocupava o BNDES, as Comunicações e a presidência na época - era sócio-diretor.
Um negócio incrível.
Tempos atrás escrevi um longo artigo sobre toda a história, se tiver interesse, posso te mandar por e-mail.
Um abraço

Anônimo disse...

João Villaverde


Discordo. Que dados agregados te levam a concluir que o quadro atual é pior que antes da privatização? A universalização é um fato. Grande parcela da população passou a ter acesso a um aparelho telefônico. No modelo anterior, estatal, isso não acontecia. O modelo apresenta falhas? Sim, certamente. Mas que é infinitamente melhor que o modelo anterior, isso é sem sombra de dúvidas. E nem vou entrar no mérito dos ganhos indiretos para o país, por exemplo, na economia com a agilidade provocada pela comunicação fácil e rápida entre as pessoas.

Ainda não entendi bem qual a sua ressalva em relação ao modelo atual. É o custo das tarifas? A universalização não é a adequada?

Quanto ao ponto dos celulares, sim antes de 1998 eles engatinhavam. Mas, o fato é que as companhias públicas não tinham condições de suprir os consumidores, nem em termos de quantidade, nem em termos de avanços tecnológicos.

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