Sinto-me um tanto metalinguístico, escrevendo sobre a escrita, mas enfim, se eu me divirto com isso, qual o problema? Iniciei há poucas semanas uma série de artigos sobre as novas tendências da ficção brasileira, polemizando com outro escritor. Meu colega de letras acusa o romance contemporâneo de ter enveredado por um caminho extremamente hermético, o qual, apesar de bem recebido por críticos e outros autores, afasta-o mais e mais do leitor comum.
A teoria dele converge em favor de uma literatura mais aberta ao grande público, desenvolvendo melhores tramas, enredos mais consistentes e mais empolgantes. Eu acho importante ressaltar, no entanto, que o romance de história – em oposição ao romance de linguagem, joyciano - nunca deixou de ser produzido no Brasil. Marcos Rey, Sergio Santanna, Marcos Souza, Marçal Aquino, para citar apenas alguns, têm produzido narrativas mais ou menos lineares e acessíveis nos últimos 10 a 20 anos. Talvez ainda não tenham encontrado a fórmula do best seller, como o fez Paulo Coelho, para falar de um nativo, ou Dan Brow, para citar um americano, mas não creio que eles almejem apenas agradar críticos e outros escritores. Quanto à fórmula do sucesso, os autores citados sempre podem encontrar, num dia de inspiração excepcional, o enredo que galvanizará o grande público. Temos uma classe média leitora com mais de 5 milhões de pessoas. Um mercado promissor do qual, mais dia menos dia, alguém tocará o ponto G.
Mas é verdade que a outra vertente, com textos fechados, densos, de difícil acesso ao leitor não especializado, contendo códigos e referências complexos, têm ganhado muito prestígio em anos recentes. Meu colega lamenta que esta vertente venha sendo tão incensada por crítica e Academia e dominando os cadernos culturais.
Admito que fiquei confuso no meio dessa polêmica. Escrevi alguns ensaios contraditórios, acusando gregos e troianos e não tomando nenhuma posição definitiva. Mas como o tema continua me entusiasmando, decidi fazer mais um esforço para elucidar - para mim mesmo e quiçá para algum náufrago desavisado que ancorar por aqui - esse mistério. A literatura brasileira estaria se fechando em si mesma, tornando-se uma literatura de panelinha, distanciando-se do leitor comum? Para saber, resolvi fazer uma pesquisa empírica e ir em busca do leitor comum. Eu queria conhecê-lo a fundo (com todo respeito). Onde ele mora, em que trabalha, quanto ganha por mês, se toma Viagra, assiste novela, bebe vodka, fuma maconha e, naturalmente, o que esperava de um romance - eram algumas das questões que me vinham à mente.
Inicialmente, havia decidido não procurar o Leitor Comum no mundo virtual. Queria encontrá-lo pessoalmente, ter um contato ao vivo. Mas depois de perambular por dias inteiros nas ruas do centro do Rio, infrutiferamente, resolvi apelar à rede para fazer a primeira abordagem. Abri uma página no Orkut intitulada "Sou um Leitor Comum". No dia seguinte ele apareceu, deixando comentários. Trocamos emails. Ele gostou da proposta e marcamos de beber uma gelada num barzinho da Riachuelo, Lapa.
Cheguei um pouco mais cedo ao encontro, agendado para nove horas da noite. Sentei-me a uma mesa na calçada, uma dessas de plástico, com propaganda de cerveja. A cadeira também era de plástico, com braços e recosto. Prefiro essas às de metal, geralmente tortas e desconfortáveis. Era uma quarta-feira de verão. Fazia calor e as outras mesas estavam todas ocupadas por gente bebendo cerveja. A atmosfera lapiana, como de praxe, transpirava volúpia, me fazendo sentir um friozinho na barriga. Finalmente, eu pensava, excitado. Finalmente vou conhecer o Leitor Comum. Nenhum escritor brasileiro contemporâneo jamais o conheceu. Por isso não conseguem seduzi-lo. E assim ele continua comprando Paulo Coelho, Irving Wallace, Sidney Sheldon, e sei lá mais que besteirol.
Em seguida, pensei melhor e concluí que eu estava sendo preconceituoso; que, se eu continuasse raciocinando assim, nunca seria capaz de compreendê-lo. Planejei iniciar, a partir do dia seguinte, um estudo sobre os livros mais comprados pelo Leitor Comum. Seria um suplício inominável, mas eu tinha que me esforçar, se quisesse de fato atingir o LC e ficar rico. Ainda me pesava na consciência aquele jantar na casa da minha mãe, em que o marido da minha prima fez um comentário entusiasmado sobre o Código da Vinci. Não consegui evitar um olhar de desprezo e o tom de voz escarninho. Ele ficou visivelmente abatido. Hoje, recordando a cena, ponho-me em seu lugar. Eu pensaria assim (se eu fosse ele): "olha só o pedante, como é patético, invejoso; como se ele fosse capaz de escrever um romance tão bom; como se fosse capaz de vender mais de 40 milhões de livros".
A verdade é dura, mas precisamos encarar. Existe um déficit enorme de narrativa na literatura brasileira. Mesmo entre os medalhões, não temos nada de extraordinário em termos de trama. Além disso, o escritor brasileiro tem a mania de achar que, só porque leu muito, tornou-se superior ao comum dos mortais, quando, francamente, na maioria das vezes, suas leituras excessivas só serviram para lhe detonar a saúde física e mental. Veja os romancistas americanos: em geral são esbeltos, vigorosos, joviais, dão entrevistas na televisão, engajam-se em campanhas políticas. O Philiph Roth é uma exceção porque é judeu e os judeus são pessimistas – com fortes razões históricas para tal. Os escritores brasileiros, tirante o Marçal e o Reinaldo Moraes, costumam ser gordos, gagos, doentios, trêmulos, indecisos, apáticos, tímidos, com forte inclinação ao alcoolismo. Droga, estou generalizando, falando besteira, odeio isso. Apaguem da cabeça as últimas frases. Tenho que pensar mais claramente, mais cientificamente, se quiser de fato entender a cabeça do Leitor Comum - não é possível que...
Com licença, você é o Miguel do Rosário?
Olhei para o lado e para o alto e vi um sujeito mais pra baixo que pra alto, cabelo grande encrespado, bermudão colorido, havaianas, camisa branca - e um sorrisão imenso, desconcertante. O sorriso dele agarrava-se ao rosto como uma criança ao colo do pai, com fúria, medo, amor. Era um buraco, um abismo. Podia-se mergulhar naquele sorriso e se perder para sempre.
Desculpe, eu pensei que...
O apogeu do sorriso havia passado. Restava o seu crepúsculo, ainda glorioso, mas cuja luz declinava vertiginosamente. Um sorriso quase triste. Ele fez menção de se afastar. Eu o contive.
Sim, sou eu. Desculpe-me, estava distraído. Você é o Leitor Comum?
Levantei-me e estendi a mão. O sorriso ressurgiu com toda força, como um sol que desistisse de se pôr e voltasse, incoerentemente, a subir no horizonte. Ele aparentava uns trinta e poucos anos, tinha barba por fazer e parecia não ter muito dinheiro.
Pode me chamar de Leco!, respondeu, apertando-me a mão com energia. Sua voz elevava-se no início das frases e perdia vigor ao final. Reparando bem, era mais pra baixo, um metro e sessenta e cinco, e pesava um pouco acima do ideal. Os traços eram bem comuns e, apesar do rosto marcado por cicatrizes de uma antiga doença de pele, possuíam uma distinção quase bela. Talvez (a razão dessa beleza canhestra) fossem os olhos castanhos claros, atentos, puros, alegremente desconfiados – como quem se diverte com seus próprios temores. Talvez fosse o hiato irônico entre os dois dentões da frente.
Sentamo-nos. O garçom trouxe um copo para Leco e trocamos algumas frases sobre o calor, o bairro, nós mesmos. Leco enfim deu uma informação importante.
Eu tenho um ateliê aqui quase em frente. Sou artista plástico.
A frase gelou-me a espinha. Eu esperava tudo, menos um artista plástico. O Leitor Comum deveria ser engenheiro, funcionário público, professor, gerente de loja, dono de restaurante, estudante de medicina. Não podia ser outro artista. Consolei-me pensando que, ao menos, não era outro escritor. O consolo durou pouco:
Eu cometo uns poemas de vez em quando, disse Leco, enchendo seu próprio copo, após ter esperado em vão que eu o fizesse. Fiquei constrangido de ter me esquecido desta óbvia delicadeza, e sorri sem graça, à guisa de desculpas.
Verdade? Que livro você está lendo? perguntei, mudando de assunto. Enquanto enchia meu copo, refletia se cairia bem uma cachaça. O bar do Paulinho tinha uma excelente, por um bom preço. Eu estava com vontade de começar a beber a sério. Escuta, Leco, eu vou pedir uma cachaça. Você quer também?
Bem, Rosário, preciso dizer uma coisa... Estou completamente duro. Sabe como é, vida de artista no Brasil é foda.
Fica frio, você é meu convidado. Vamos beber.
Pedi cachaça, depois outra - e depois outra. E mais outra.
Aqui confesso o fiasco da minha empreitada, pelo menos até o momento. Eu e Leco bebemos cerveja e cachaça em grande quantidade, depois fomos a seu ateliê, quase em frente, e fumamos uns baseados. Havia trabalhos magníficos pendurados nas paredes, objetos que mesclavam materiais esdrúxulos: anúncios de igrejas evangélicas, placas de carro, bonecas de plástico, cabides, pedaços de computador e de celulares, e cada um tinha um tema, remetia a algum significado misterioso. Enquanto fumava, eu contemplava embevecido aquilo tudo. Pouco conversamos sobre literatura, e o pouco que fizemos não registrei devidamente, com certeza em virtude (melhor dizendo: pela falta de virtude) do excesso de substâncias bebidas e fumadas. Recordo apenas que ele disse estar lendo a biografia não-autorizada do Roberto Carlos. Tinha ficado curioso, só porque o Rei tentou proibi-la.
Marquei de encontrá-lo em outra oportunidade, quando espero colher mais dados. Pra dizer a verdade, tudo isso aconteceu ontem. Até agora, o único resultado da minha pesquisa sobre o Leitor Comum, além de uma grande ressaca, é a impressão – pela qualidade da luz filtrada pela cortina - de que já são umas cinco da tarde e que faltei a todos os compromissos do dia.
13 de março de 2007
O leitor comum
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o velho e comum problema. criamos conceitos prévios a respeito das coisas e das pessoas, e isso acaba construindo uma barreira entre os dois lados. acabamos perdendo com isso. acontece comigo, também.
muito bom texto, miguel.
valeu alvarez
Miguel, drinque em http://urarianoms.blog.uol.com.br/
Abraço.
No momento são 07:51
Miguel, me desculpe se estou sendo inoportuno. É que eu e a Ana Maria adoramos escrever em caixa de comentários de blogs. E para não atrapalhar a participação dos seus leitores nos posts mais recentes, peguei este aqui, antigo, para usar como folha de rascunho. Como tenho pouco tempo nesta manhã, é bem provável que meu post destinado a publicação no meu blog não seja concluído.
E não sendo do seu agrado este nosso comportamento, use o filtro.
Falando em filtro, veja só o quão maravilhoso,claro, objetivo este pequeno texto do Eduardo Guimarães que transcrevo a seguir:
11/04/2007
Pesquisa "filtrada"
Filtros servem para reter impurezas, ou seja, o que não presta, deixando passar o que presta. Foi por isso que a mídia - e, inspirado por Paulo Henrique Amorim, daqui em diante colocarei o adjetivo golpista sempre que escrever o substantivo mídia ou imprensa - "filtrou" a pesquisa CNT-Sensus divulgada ontem.
Eu poderia ironizar o noticiário sobre a pesquisa dizendo que, para a mídia (golpista), não são 75% dos brasileiros que, apesar do bombardeio midiático, não atribuem ao governo Lula responsabilidade pelo "caos aéreo"; são 25% que atribuem. Mas, daí, apenas estaria repetindo o que os insuperáveis Luiz Carlos Azenha e Paulo Henrique Amorim já comentaram com extrema precisão. E também não estaria falando do "filtro" que a mídia (golpista) usou para noticiar a sondagem do humor da sociedade em relação ao governo do país. Quero falar, pois, do que sumiu da mídia.
Como estou participando de uma feira do segmento em que trabalho, não tinha tomado conhecimento dos números do CNT-Sensus até o fim da noite de ontem. Então, fui procurar em alguns grandes sítios noticiosos na internet a pesquisa e as chamadas para seus resultados, e descobri que essas chamadas "filtraram" o que, para a mídia (golpista), "não presta", isto é, a impressionante popularidade de Lula e a altamente favorável aprovação de seu governo, que persistem em patamares elevadíssimos à revelia do intenso, do incansável bombardeio midiático anti-Lula.
Alguns argumentarão que a mídia (golpista) é privada e, portanto, pode esconder o que quiser. O mundo contemporâneo, afinal, sofre uma infestação de trouxas e de caras-de-pau como poucas vezes se viu na história da humanidade. Às favas, para essa gente, com o direito da sociedade de receber informações corretas e completas. Mas você que não sofre de fobia preconceituosa nenhuma (nem homofobia nem, muito menos, petefobia), não acha que está na hora de começar a exigir que a mídia (golpista) lhe forneça os fatos em vez de sua versão deles? Se acha, não concorda comigo que não é isso que está acontecendo?
Só não entendo uma coisa - além de não entender aqueles que, não sendo filiados nem ao PSDB nem ao PFL nem ao PPS, aplaudem esse tipo de conduta midiática : se todo o noticiário difamador não conseguiu, em mais de quatro anos, desmoralizar Lula e seu governo, por que é que a mídia (golpista) faz uma manipulação imbecil dessas? Será que acha que aqueles três gatos pingados que conseguiu colocar contra Lula e seu governo mudarão de opinião se souberem que a maioria esmagadora do país está satisfeita com o presidente e com o governo que têm?
Fonte: www.edu.guim.blog.uol.com.br
JC, mudando de assunto, qual foi o seu sonho desta noite? Conte-me
Ah sim, pois não
Ana, já imaginastes um teatro, uma peça na qual o ator dá um branco e a platéia, tendo o texto em mãos, continua a apresentação?
Foi com isso que sonhei.
É como seu eu morresse e, na minha ausência, a minha obra continuasse pelas mãos de outros.
E sabes que a morte não está tão distante de mim
Fiz todos os exames e, do ponto de vista de Doenças Sexualmente Transmissíveis, eu estou livre de todas elas. Por enquanto... amanhã não sei.
Mas não esta não é a única forma de se morrer
Você sabe que eu fiz amizade com um Idéia Sem Rosto, um mascarado, que mora aqui na minha rua.
Não sei onde eu estava para fazer amizade com aquela figura que, além de cleptomaníaca=ladra tem, por detras de si, gente barra pesada, leia-se assassinos.
Isto quer dizer que a morte está no meu encalço
E que eu seja feliz enquanto a morte não chegar
Mãos à obra
Estou feliz demais da conta. Aquela pessoa voltou para meu aconchego. Minha mãe está ótima.
Estou apenas sendo vítima de inveja, sabes esta veja que, a qualquer momento, pode tomar a forma de assassina
Pessoa que não se conformam com o bem-estar do outro.
É o velho coro de descontentes em ação
e quem manda...
quem manda em si
e quem manda não mandar em si mesmo?
Voltando ao assunto do sonho....
No sonho eu estava apresentando a peça e de repente deu-me um branco geral
Só que a platéia continuou minha obra
Imagina só o ator no palco sofrendo um branco=apagão na cabeça... o texto some... a platéia, de posse do texto, assume os papeis dos personagens e, assim, continua a encenação da peça
que esta minha obra, na minha ausência que, não sei, pode ocorrer nesta manhã, continue
continue por vossas mãos
amém=amem
Fui dormir tarde da noite. Aquela pessoa me telefonou querendo vir dormir=posar=pousar aqui em casa. Como eu havia convidado minha irmã C. para pernoitar aqui, tive que dizer não àquela pessoa.
Dormi e sonhei que eu estava no teatro de um palco encenando uma peça.
Sabes o que aconteceu?
não sei
me conte
esta minha obra, na minha ausência que, não sei, pode ocorrer nesta manhã, continue
continue por vossas mãos=olhos=seres
amem=olhem=sejem
sejem felizes!
sem máscaras
falando em Idéia Sem Máscara, você o quão maravilhoso esta poesia?
MÁSCARAS
Para quem entende um pouco de psicologia ou já fez terapia de verdade (e não apenas para se auto-enganar), o texto abaixo vai dizer muito. Não sei quem é o autor, mas gostaria muito de ter o talento para escrever algo assim tão simples, porém tão forte. Leiam e tirem proveito!
MÁSCARAS
Cada vez
que ponho
uma máscara
para esconder
a minha realidade,
fingindo ser
o que não sou...
faço-o
para atrair o outro
e logo descubro
que só atraio
outros mascarados
distanciando-me
deles devido a um estorvo:
A máscara.
Faço-o
para evitar
que os outros vejam
as minhas debilidades
e logo descubro
que, ao não verem
a minha humanidade,
os outros não me podem
querer pelo que sou,
senão pela máscara.
Faço-o
para preservar
minhas amizades
e logo descubro que,
quando perco um amigo,
por ter sido autêntico,
realmente não era meu amigo,
e, sim, da máscara.
Faço-o para evitar
ofender alguém
e ser diplomático
e logo descubro
que aquilo
que mais ofende as pessoas,
das quais quero
ser mais íntimo,
é a máscara.
Faço-o
convencido de que
é o melhor que posso fazer
para ser amado
e logo descubro
o triste paradoxo;
o que mais desejo obter
com minhas máscaras
é, precisamente,
o que não consigo
com elas.
Postado por André Lux
Fonte=link:
http://tudo-em-cima.blogspot.com/2007_03_01_archive.html#6666290962437146845#links
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