(Essa é mais uma das entrevistas feitas para o site Arte e Politica. Publico aqui para efeito de arquivo, ja que o site do AP esta fora do ar)
Arte & Política: Quais são os clássicos que você mais admira?
Luiz Ruffato: Tenho cinco autores de cabeceira, aos quais sempre volto: Machado de Assis, Guimarães Rosa, Luigi Pirandello, Anton Tchekov e William Faulkner.
A&P: Em que momento da sua vida, se é que aconteceu assim, você olhou para o espelho e disse para si mesmo: eu quero escrever ficção?
Creio que no momento em que li o primeiro livro da minha vida. Nós éramos muito pobres, meu pai pipoqueiro, minha mãe lavadeira, e não tínhamos livros em casa. Quando consegui uma vaga numa escola melhorzinha em minha cidade, Cataguases, eu me senti ainda mais deslocado, pois era uma escola onde estudava a classe média de lá. Então, eu, que já era tímido, fiquei mais ensimesmado ainda. E aí entrei na biblioteca, que era ótima, pois recebia como doação os livros que um escritor, Francisco Inácio Peixoto, ganhava de amigos e de editoras, e peguei um livro ao acaso, o primeiro da minha vida. Eu o li e fiquei uma semana com febre... Através desse livro, Babi Iár, de Kusnetzov, descobri que o mundo era maior que o bairro onde morava, maior que a minha cidade... E aí resolvi que quando crescesse eu tentaria descobri o quão grande era o mundo... Mas, para isso, eu precisava conhecer primeiro o meu bairro, a minha cidade... É o que estou fazendo ainda hoje...
A&P: Qual a importância da literatura para um país com 50 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza?
Eu acredito que a arte modifica o mundo, pois acredito que a arte modifica o homem. Foi assim comigo, eu estava fadado a ser no máximo um alienado operário qualificado (acabei me formando no Senai, em tornearia-mecânica) e através da literatura outras perspectivas se me abriram. Então, acho que esse fenômeno pode se repetir sempre, quando se trata de arte de qualidade.
A&P: Que sugestão você daria para a política do livro que está sendo debatida entre o Ministério da Cultura, as editoras, algumas grandes redes de livraria e, mais recentemente, com alguns grupos de escritores?
Eu daria apenas uma contribuição: a recriação do Instituto Nacional do Livro para reedição de clássicos da cultura brasileira, com consequente distribuição para as bibliotecas públicas, que deveriam ser lugares vivos, dinâmicos, interessantes, e não depósitos de livros como são hoje. Acho que todos, governo, livreiros, editores, autores, deveríamos nos engajar para impedir a tragédia que se transformou a educação no país. Se revertêssemos minimamente os caos da atual situação, teríamos cidadãos no futuro, e talvez até leitores, que é o que nos falta...
A&P: Em que o sucesso do cinema, da TV, do audivisual em geral, pode ter mudado os caminhos da literatura?
São inegáveis as mudanças provocadas pelo aparecimento do cinema, da tevê e da internet. No meu caso específico, essas mudanças, principalmente na maneira de descrever a realidade, foram incorporadas antropofagicamente à minha própria linguagem. Eu transformo tudo em linguagem.
A&P: Que filmes nacionais você gostou mais nos últimos tempos?
Estamos levando uma goleada dos argentinos, em termos de cinema. O cinema contemporâneo brasileiro está preso, literalmente. Gostaria até de iniciar uma campanha: Vamos tirar o cinema brasileiro da cadeia! Nos últimos dez anos, surgiram alguns filmes interessantes de diretores que admiro, como o Luiz Fernando Carvalho (Lavoura arcaica), Beto Brant (Os matadores), Walter Salles (O primeiro dia), Eliane Caffé (Narradores de Javé), João Batista de Andrade (O tronco), Karim Ainouz (Madama Satã), Tata Amaral (Um céu de estrelas)...
A&P: Que escritores brasileiros contemporâneos você sente afinidade ou admiração? E na poesia?
É sempre complicado isso, a gente sempre acaba cometendo injustiças. Existem os canônicos, que me são contemporâneos, mas não são meus contemporâneos , então cito só os amigos que frequentam a minha casa, Marçal Aquino, Claudio Galperin, Cíntia Moscovich, Iacyr Anderson Freitas, Fabrício Carpinejar, etc.
A&P: Que conselho daria para um escritor começando sua carreira?
Escreva, sempre, e leia, muito.
A&P: Escrever é difícil? Quanto tempo você leva em geral para escrever um romance como "Eles eram muitos cavalos"? Você faz algum tipo de pesquisa?
Escrever é difícil e não tem nenhum glamour. Doem as costas, os olhos, fica-se isolado do mundo... Eu não faço pesquisa, eu vivo.
A&P: Você acompanha alguma coisa de música ou artes plásticas? Há qq coisa nessas áreas que lhe interessam?
As artes plásticas, de uma maneira geral, me interessam, e muito. Aliás, costumo dizer que meu diálogo formal hoje se dá muito mais com as artes plásticas que com a literatura. As artes plásticas são muito mais rápidas na compreensão da realidade que a literatura. Quanto à música, vivemos um impasse meio parecido com o cinema. A geração dos "filhos" é extremamente desinteressante. O que acontece de novo hoje ocorre fora do circuito das grandes gravadoras. E citaria nomes como Vitor Ramil, no Sul, e Luisinho Lopes, em Minas, para só ficar em dois exemplos.
A&P: O que acha da televisão brasileira? Algum programa que lhe diverte ou gosta mais? E os que não gosta?
Não vejo televisão.
A&P: Tem algum best seller que você gosta de ler? Falo de um desses americanos que ganham milhões, como Jeffrey Deaver, Stephen King, John Grisham...
Tenho toda a literatura clássica me esperando para ler ou reler, não tenho tempo para essas coisas...
A&P: O que você está lendo agora?
Autores que se tornaram amigos durante minha participação no festival Ettonants Voyageurs, na França: Karla Suárez, cubana; José Manuel Fajardo, espanhol; Jean-Paul Delfino, francês; e Tabajara Ruas... brasileiro.
A&P: Qual sua filosofia de vida, em poucas frases?
Lao Tsé: "Uma longa caminhada começa com o primeiro passo".
A&P: Para você, qual o significado do carnaval?
Sempre foi uma festa popular, alegre, interessante, até ser apropriada pela burguesia brasileira, que tem o poder de um Midas escatológico, que transforma tudo em vulgaridade...
A&P: E o amor? Para você, o que é o amor? Acredita no casamento?
Amor é solidariedade. Amar é dividir com o outro. Sim, acredito no casamento, se pensarmos que casar é estabelecer uma relação honesta, fiel e construtiva.
A&P: Como você explica a ascenção das religiões evangélicas no país?
A ascensão das religiões evangélicas deve ser entendida como um fenômenos de mão dupla. De um lado, ela cresce por absoluta incompetência do Estado brasileiro. Se tivéssemos o Estado verdadeiramente preocupado com o bem-estar dos seus cidadãos, não haveria necessidade de igrejas que promovem ações sociais onde grassa a miséria. Agora, por outro lado, essa histeria da burguesia brasileira com relação às igrejas evangélicas é injustificada, porque a Igreja Católica sempre fez a mesma coisa, e ainda hoje faz, com menos competência talvez: é dona de rádios, de votos, de políticos. Os evangélicos tiveram uma excelente escola...
A&P: Qual a sua sugestão para a luta contra o terrorismo?
O respeito pela diversidade...
A&P: Se o Lula te telefonasse e pedisse uma idéia para melhorar a educação brasileira, o que falaria?
Diria: Lula, eu votei em você e sempre soube que você não faria nenhuma revolução no país. Mas eu achava que pelo menos mudanças pontuais haveriam. E uma delas seria justamente na educação. O que seu governo está fazendo, entretanto, é apenas jogar a pá de cá no cadáver da educação brasileira, que vinha doente desde que os militares tomaram o poder, piorou bastante nos últimos governos civis e infelizmente morreu justo em seus braços...
2 de abril de 2007
Entrevista exclusiva com Luiz Ruffato (arquivo)
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