O Jornal Nacional acaba de exibir reportagem sobre um eventual crescimento dos cubanos que fogem de barco para os Estados Unidos. Passei da fase de defender Cuba. Esse tema sempre atiça como nenhum outro os hidrófobos da direita e ninguém merece perder tempo discutindo com esse tipo de gente. Mas outro dia li
uma matéria que me emocionou: Cuba já curou mais de 1 milhão de cegos, através do programa Milagro, pelo qual o sistema de saúde cubano trata pessoas com problemas de vista de todo mundo. Como dependo tão visceralmente dos meus olhos, tenho um apreço místico pelo poder da visão, que considero prova de uma inteligência superior regendo o universo. Um país tão pobre, tão pequeno, que ajuda tanta gente, a baixo custo ou mesmo custo zero, é mais uma prova da imensa dignidade do povo cubano. Por isso, gostaria de fazer algumas observações sobre essa tendenciosa reportagem do Globo, muito provavelmente cópia de alguma matéria patrocinada pelo lobby cubano, o qual inclusive deve ter fornecido as imagens usadas na reportagem.
Acho que nenhum país deve proibir seus cidadãos de saírem do país. Essa proibição é controversa e relativa, pois que os cubanos podem visitar outros países, desde que convidados, mas de qualquer maneira, há restrição e isso é errado. Por outro lado, a reportagem do Globo é mentirosa por diversas razões. Primeiramente, não diz que uma das razões que tornam a vida em Cuba tão difícil (talvez a principal razão) é justamente o embargo econômico imposto pelo governo americano, que proibe empresas americanas ou com negócios nos EUA de investirem na ilha. Os próprios americanos são proibidos de fazerem turismo na ilha - quando o fazem são obrigados a viajarem por México ou Canadá e com risco de serem multados ou processados. Sendo a potência que é, não é difícil imaginar que poucas empresas têm condições de enfrentar esse embargo desumano, rechaçado sistematicamente por 99% das nações do mundo, sempre que o tema é levado para as Nações Unidas.
Além disso, é preciso observar que os cidadãos de todos os países caribenhos querem ingressar nos EUA, por razões óbvias: é um país com uma economia gigantesca, com quase infinita disponibilidade de empregos, em contraponto às economias pobres da América Central. E Cuba é uma economia pobre, apesar dos avanços em medicina, educação e esportes. Cuba tem pouquíssimos recursos naturais e baixo desenvolvimento industrial. De maneira que, mesmo que o regime cubano liberasse o ir e vir de seus habitantes (o que eu acredito que vá acontecer, necessariamente, num dia não muito distante, e torço para que isso ocorra o mais breve possível), essa diáspora continuaria a acontecer. A ironia da história é que, possivelmente, assim que Cuba liberar o ir e vir, os EUA irão iniciar uma repressão mais severa contra a entrada de imigrantes cubanos no país.
Há um fator histórico que as pessoas costumam esquecer quando analisam o fenômeno Cuba. Quem derrubou o regime democrático cubano não foram os guerrilheiros castristas. Ao contrário, Fidel Castro e os cubanos eram defensores da democracia. Antes de se tornar guerrilheiro, Fidel, assim como tantos outros, era um estudante com aspirações políticas totalmente democráticas. Quem derrubou a democracia em Cuba foi Fulgêncio Batista, em 1952, com ajuda militar e financeira direta do governo dos Estados Unidos. Os guerrilheiros castristas, portanto, lutavam contra uma DITADURA, que já durava quase uma década.
Outros governos democráticos, eleitos pelo sufrágio popular, foram derrubados com ajuda americana nos vinte anos seguintes. Salvador Allende, presidente ELEITO do Chile, foi assassinado em 1973, enquanto ocupava a presidência da república, por caças americanos que bombardearam o palácio de governo. Aqui no Brasil, o regime democrático foi derrubado por militares mancomunados com a política externa americana. Ou seja, quem tem sido, nas últimas décadas, o maior inimigo da democracia na América Latina: Cuba ou os Estados Unidos? Cuba nunca derrubou regimes democráticos latinos. No máximo, ajudou, desastradamente, com os recursos ínfimos que possuía, a restaurar a democracia em países como Brasil e Chile.
Cuba tem seus problemas. São sérios. Tem suas contradições. Que são graves. Mas que país não as têm? A Arábia Saudita também não tem democracia e as autoridades americanas são só elogios para seus príncipes. Por quase três décadas, os EUA foram cúmplices de ditaduras militares na América Latina. Por três décadas, colaboraram com a derrubada de regimes democráticos. Essa é a verdade. Devido a sua fragilidade militar e instabilidade política, a democracia nos países caribenhos nunca inspirou confiança ou trouxe bem estar para seus habitantes. Não esqueçam que os EUA não apenas colaborou com a derrubada de governos democráticos, como intervia nos processos eleitorais. E assim esses países foram devastados por décadas de tortura, totalitarismo e miséria. Portanto, temos uma explicação muito consistente para a desconfiança de Fidel Castro em relação às maravilhas da democracia.
Cuba tem seus problemas, sim. Eu não gostaria de nascer em Cuba. Mas queria muito menos nascer no Haiti. Também não queria nascer no Complexo do Alemão, nem na favela da Maré. Cuba tem seus problemas, mas também tem soluções, cineastas, músicos, atletas, intelectuais e muita dignidade. Se os atletas cubanos querem fugir do país, é um problema decorrente da super-população de talentos, resultado por sua vez de uma educação exemplar. Como explicar que Cuba ganhe campeonatos contra os EUA, que obtenha mais medalhas de ouro que países como Brasil e Argentina, que possuem populações e PIBs cinquenta vezes maiores?
Os hidrófobos da direita brasileira podem continuar babando seu ódio contra a pequena ilha caribenha, mas quem estuda a história política da América Latina sempre saberá avaliar a importância da vitória da revolução castrista sobre a ditadura de Fulgêncio Batista.