31 de janeiro de 2008

canibalismo virtual

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pedras no sangue,
pedras e amor,
suave e falso desespero
quase um canto
quase um animal
oculto sob a folhagem

pedras da rua
implosivas, etéreas
como fêmeas ou doses
mal calculadas de cachaça
pedras e amor
e o grito lânguido
erótico
do amor ferino
e seco dos bares sujos
sonhos, pupilas e insígnias
de raças extintas

um futuro arrancado
à alegria morta
- à estranha música que
resgata o virtual
devastado por
teu sorriso
que rouba, por sua vez,
ao futuro,
às mal calculadas doses
um entusiasmo pálido
e frio
como lázaro bêbado
e cantando
sob uma chuva radioativa

sonhos, miséria,
computadores,
e a humilhação de ser
tão desesperadamente vulnerável
ao próprio sorriso, destruído
junto aos sonhos, todos.

livre e pobre como
os pombos (sob o olhar distraído do adolescente)
que sobrevoam
o teto do cinema paisandu

tão nervoso
que vomita nas laterais
da utopia, sem chorar,
as pupilas vazias
como rãs, como inertes,
poetas de escritório
ou infensos, imortais,
parasitas suburbanos.

29 de janeiro de 2008

Cuba e a democracia

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O Jornal Nacional acaba de exibir reportagem sobre um eventual crescimento dos cubanos que fogem de barco para os Estados Unidos. Passei da fase de defender Cuba. Esse tema sempre atiça como nenhum outro os hidrófobos da direita e ninguém merece perder tempo discutindo com esse tipo de gente. Mas outro dia li uma matéria que me emocionou: Cuba já curou mais de 1 milhão de cegos, através do programa Milagro, pelo qual o sistema de saúde cubano trata pessoas com problemas de vista de todo mundo. Como dependo tão visceralmente dos meus olhos, tenho um apreço místico pelo poder da visão, que considero prova de uma inteligência superior regendo o universo. Um país tão pobre, tão pequeno, que ajuda tanta gente, a baixo custo ou mesmo custo zero, é mais uma prova da imensa dignidade do povo cubano. Por isso, gostaria de fazer algumas observações sobre essa tendenciosa reportagem do Globo, muito provavelmente cópia de alguma matéria patrocinada pelo lobby cubano, o qual inclusive deve ter fornecido as imagens usadas na reportagem.

Acho que nenhum país deve proibir seus cidadãos de saírem do país. Essa proibição é controversa e relativa, pois que os cubanos podem visitar outros países, desde que convidados, mas de qualquer maneira, há restrição e isso é errado. Por outro lado, a reportagem do Globo é mentirosa por diversas razões. Primeiramente, não diz que uma das razões que tornam a vida em Cuba tão difícil (talvez a principal razão) é justamente o embargo econômico imposto pelo governo americano, que proibe empresas americanas ou com negócios nos EUA de investirem na ilha. Os próprios americanos são proibidos de fazerem turismo na ilha - quando o fazem são obrigados a viajarem por México ou Canadá e com risco de serem multados ou processados. Sendo a potência que é, não é difícil imaginar que poucas empresas têm condições de enfrentar esse embargo desumano, rechaçado sistematicamente por 99% das nações do mundo, sempre que o tema é levado para as Nações Unidas.

Além disso, é preciso observar que os cidadãos de todos os países caribenhos querem ingressar nos EUA, por razões óbvias: é um país com uma economia gigantesca, com quase infinita disponibilidade de empregos, em contraponto às economias pobres da América Central. E Cuba é uma economia pobre, apesar dos avanços em medicina, educação e esportes. Cuba tem pouquíssimos recursos naturais e baixo desenvolvimento industrial. De maneira que, mesmo que o regime cubano liberasse o ir e vir de seus habitantes (o que eu acredito que vá acontecer, necessariamente, num dia não muito distante, e torço para que isso ocorra o mais breve possível), essa diáspora continuaria a acontecer. A ironia da história é que, possivelmente, assim que Cuba liberar o ir e vir, os EUA irão iniciar uma repressão mais severa contra a entrada de imigrantes cubanos no país.

Há um fator histórico que as pessoas costumam esquecer quando analisam o fenômeno Cuba. Quem derrubou o regime democrático cubano não foram os guerrilheiros castristas. Ao contrário, Fidel Castro e os cubanos eram defensores da democracia. Antes de se tornar guerrilheiro, Fidel, assim como tantos outros, era um estudante com aspirações políticas totalmente democráticas. Quem derrubou a democracia em Cuba foi Fulgêncio Batista, em 1952, com ajuda militar e financeira direta do governo dos Estados Unidos. Os guerrilheiros castristas, portanto, lutavam contra uma DITADURA, que já durava quase uma década.

Outros governos democráticos, eleitos pelo sufrágio popular, foram derrubados com ajuda americana nos vinte anos seguintes. Salvador Allende, presidente ELEITO do Chile, foi assassinado em 1973, enquanto ocupava a presidência da república, por caças americanos que bombardearam o palácio de governo. Aqui no Brasil, o regime democrático foi derrubado por militares mancomunados com a política externa americana. Ou seja, quem tem sido, nas últimas décadas, o maior inimigo da democracia na América Latina: Cuba ou os Estados Unidos? Cuba nunca derrubou regimes democráticos latinos. No máximo, ajudou, desastradamente, com os recursos ínfimos que possuía, a restaurar a democracia em países como Brasil e Chile.

Cuba tem seus problemas. São sérios. Tem suas contradições. Que são graves. Mas que país não as têm? A Arábia Saudita também não tem democracia e as autoridades americanas são só elogios para seus príncipes. Por quase três décadas, os EUA foram cúmplices de ditaduras militares na América Latina. Por três décadas, colaboraram com a derrubada de regimes democráticos. Essa é a verdade. Devido a sua fragilidade militar e instabilidade política, a democracia nos países caribenhos nunca inspirou confiança ou trouxe bem estar para seus habitantes. Não esqueçam que os EUA não apenas colaborou com a derrubada de governos democráticos, como intervia nos processos eleitorais. E assim esses países foram devastados por décadas de tortura, totalitarismo e miséria. Portanto, temos uma explicação muito consistente para a desconfiança de Fidel Castro em relação às maravilhas da democracia.

Cuba tem seus problemas, sim. Eu não gostaria de nascer em Cuba. Mas queria muito menos nascer no Haiti. Também não queria nascer no Complexo do Alemão, nem na favela da Maré. Cuba tem seus problemas, mas também tem soluções, cineastas, músicos, atletas, intelectuais e muita dignidade. Se os atletas cubanos querem fugir do país, é um problema decorrente da super-população de talentos, resultado por sua vez de uma educação exemplar. Como explicar que Cuba ganhe campeonatos contra os EUA, que obtenha mais medalhas de ouro que países como Brasil e Argentina, que possuem populações e PIBs cinquenta vezes maiores?

Os hidrófobos da direita brasileira podem continuar babando seu ódio contra a pequena ilha caribenha, mas quem estuda a história política da América Latina sempre saberá avaliar a importância da vitória da revolução castrista sobre a ditadura de Fulgêncio Batista.

28 de janeiro de 2008

Parada de Carnaval

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"Cristo en el garage" (1981) de Antonio Berni
(Pintor argentino, 1905-1981)




Pois é, este blog ainda não conseguiu engrenar. O carnaval não ajuda, com seus blocos e latinhas de antartica. Por isso, vou publicando algumas pinturas de um argentino que eu descobri recentemente, o Antonio Berni, um dos maiores nomes das artes plásticas porteñas. Berni tem uma obra bastante heterogênea, com fases bastantes distintas: momentos cubistas, muralistas, outros mais abstratos e, sobretudo, muita coisa absolutamente original.

Por falar em pintura, no sábado aconteceu um evento super legal no centro do Rio, nos arredores da praça tiradentes. Três galerias, uma já antiga e duas novas, realizaram aberturas de exposições simultâneas. A chuva não atrapalhou o evento, que reuniu quase toda a galera interessada em artes plásticas da cidade. Teve sambinha em frente à galeria Gentil, a mais antiga das três e muita cerveja - gratuita, farta e distribuída sem confusão.

Há alguns anos que estudo artes plásticas, por puro prazer pela coisa. Já li alguns livros sobre o tema e sempre procuro me atualizar sobre o que há de novo. Acompanhei as polêmicas criadas pelo Affonso Romano de Santanna, na sua briga contra certos modismos da arte contemporânea. Sobretudo contra algumas vertentes da arte conceitual e do minimalismo. Eu mesmo já gastei alguma saliva invectivando contra o que eu considerava pilantragem conceitual.

Minha crítica, no entanto, nunca foi dogmática e sempre procurei esclarecer que eu defendia, em verdade, uma separação mais corajosa do joio do trigo. Na França, particularmente em Nice, tive oportunidade de ver trabalhos magníficos de arte contemporânea, muitos inclusive conceituais, o que serviu para refinar minha visão crítica e reafirmar minha convicção de que o problema da arte contemporânea não é o conceitual, e sim a falta de critério para distinguir uma arte conceitual boa de uma arte conceitual ruim.

Um sujeito pode colocar um bode empalhado no meio da sala, com um pneu pendurado no pescoço e fazer disso um belíssimo e intrigante trabalho artístico. Outro pode fazer a mesma coisa e chegar a um resultado medíocre. O importante é observar que a beleza, assim como o diabo, moram nos detalhes. O trabalho conceitual deve estar tão atento à voluptuosidade das cores e formas da mesma forma que uma pintura convencional. Essa é a diferença. O conceitual em si não é arte. Colar um tufo de pentelhos no meio de um quadro branco não é arte. Mas, com sensibilidade, pode-se perfeitamente fazer um excelente trabalho usando um tufo de pentelhos, desde que os elementos possuam a harmonia, a dissonância, o jogo de contrastes e símbolos, que causem aquela comichãozinha na alma que somente uma boa obra de arte causa.

Uma das leituras mais importantes que fiz foi a Crítica do Juízo, de Immanuel Kant, livro no qual ele discorre sobre o que é arte, e conclui dizendo que arte é apreendida intuitivamente pelo homem, assim como o próprio conhecimento tem sua origem na intuição. Naturalmente, os conceitualistas irão desconstruir e negar as teorias de Kant, mas eu, por enquanto, ainda confio mais no pontual pensador de Konigsberg do que nesses pós-estruturalistas americanos, que abusam de palavras como subversivo, revolução, crítica, e chancelam e produzem as obras mais absolutamente conservadoras.

22 de janeiro de 2008

Sobre as nuvens que se avizinham

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(Manuel Ocampo, filipino)


Ping pong com este artigo da Márcia Denser


Naturalmente que não foi somente a passagem da máquina de escrever para o computador que "endireitou" as redações. O próprio processo ideológico histórico avançou nas últimas décadas.

No Brasil, a direita venceu e manteve a ditadura. Entregou o poder quando quis e da maneira que quis e agora, com a maior cara de pau, dissocia-se de qualquer autoritarismo, o qual lança no colo da esquerda. Na verdade, tanto a esquerda como a direita andam meio perdidas. A direita é auto-confiante, mas tem poucos votos, pois o povo começa a ficar, intuitivamente (sem precisar de Marx, Weber ou artigo na revista Istoé), mais sabido na hora de votar. A esquerda porque embora possua votos, ainda não houve tempo de reconstruir um discurso ideológico criativo e convincente.

Por isso, a experiência dos governos de esquerda de Argentina, Chile, Uruguay, Venezuela, Paraguay, Equador, Bolívia, enfim todos os governos do continente (com exceção da Colômbia) abre oportunidades para esses países experimentarem fórmulas econômicas que permitam democracias mais humanas. O famoso "jeitinho" brasileiro é discriminado pelo complexo de inferioridade, quando nada mais é que a necessidade do brasileiro de ser criativo para sobreviver, e o relativo sucesso - em termos de felicidade, ao menos - com que é bem sucedido.

O Brasil é a terra onde se mistura tudo e por isso acredito que aqui se misturará capitalismo, socialismo, candomblé e Guimarães Rosa, num saladão maluco que pode ajudar o mundo a enfrentar as eras terríveis de caretice que se avizinham. Por isso, a importância da literatura. Para dar consistência histórica e tempero estético ao saladão.

21 de janeiro de 2008

A perua febril

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Ping pong com esse post do Mello.

Essa Cantanhede é uma perua alçada à condição de colunista política por conta da ideologia peruesca que vem se consolidando na Folha. Lembra quando ela citou a manicure como fonte para saber o que pensava o povo? Nessa história da febre amarela, a perua cometeu um grave crime de responsabilidade. Questões de interesse nacional e saúde pública devem ser abordadas com o devido cuidado. Liberdade de imprensa não significa bandalheira total. Nesses tempos de poderosos meios de comunicação de massa, a exploração política e partidária de uma doença perigosa como a febre amarela só não é incrível porque a mesma imprensa não hesitou em usar acidentes aéreos com o mesmo objetivo.

O ministro cansou de explicar: o ciclo da doença é de cinco em cinco anos. Por isso, há um aumento dos casos a cada cinco anos. O Brasil, com as florestas que possui, com macacos e mosquitos transmissores - que sempre vão existir, caso as florestas sejam preservadas - nunca eliminará completamente a doença.

19 de janeiro de 2008

Crônica de um sábado comum

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(pintura de Luis Felipe Noe, pintor moderno argentino)



Esses dias de férias no blog acabaram por me enferrujar. E me dar preguiça de escrever. Aos poucos vamos nos readaptando. Passei férias em Buenos Aires, que vive um momento bem propício para o turismo brasileiro, devido às passagens baratas da Gol e a relação cambial vantajosa para nosso lado. Onze dias na capital argentina serviram-me para tomar um gostoso banho de literatura. Além dos mestres já conhecidos (Borges, Cortázar), descobri outros clássicos, como Roberto Arlt, do qual estou lendo Los siete locos. Trata-se de um romance de 1958 sobre um agente de seguros que, após ser pego roubando, inicia sua perambulação pelas ruas de Buenos Aires, atrás do dinheiro que prometera devolver à empresa, enlouquecendo e encontrando outros destrambelhados. A atmosfera é de delírio, tristeza e revolta, muito conforme à alma porteña.

16 de janeiro de 2008

EUA, país do inchaço estatal e dos petralhas

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E não é que os Estados Unidos, que eu pensava fosse o paradigma do liberalismo econômico, é na verdade uma república de petralhas que só pensam em inchar a máquina pública e dar emprego à cumpanheirada? Segundo o IPEA, nos EUA existem 9,82 servidores públicos para cada mil habitantes, contra 5,32 no Brasil.

E não é que o gasto federal, brasileiro, com o funcionalismo público caiu de 24,5% em 1995 para 17% em 2002 e 13,4% em 2006?

Enquanto isso, juros e encargos com a dívida pública subiram de 10,8 em 1995 para 12,5% em 2002 e 18,9% em 2006.

Os que criticam a gastança pública deveriam criticar a política de juros altos. O funcionalismo público, definitivamente, não é o vilão do Brasil.

Estas informações foram colhidas numa nota escondida do caderno de economia do Globo. Naturalmente, não a veremos repetida ou lembrada nos editoriais veementes do jornal contra o "inchaço" da máquina pública.

15 de janeiro de 2008

Outra crise

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Que febre amarela que nada. Vem aí a CRISE DAS FORMIGAS ASSASSINAS.