24 de junho de 2008

Da série Desmascarando a Folha de SP







A Folha me deu uma assinatura grátis de 30 dias. Digo isso porque eu, que já gostei da Folha, acho que o seu nível decaiu brutalmente nos últimos anos. Tornou-se um periódicuzinho safado, birrento, enganoso. Hoje (24/06/2008) peguei o danado com a boca na botija. Tem uma matéria na página B6, intitulada "Exportação [brasileira] para os EUA cai a 15% do total", que vai para os anais do golpismo banguela.

O número é simples de entender. Antigamente, os EUA compravam quase tudo que o Brasil produzia. Hoje, o leque de compradores de produtos brasileiros é muito mais variado. Temos China, Oriente Médio, África, Mercosul, comprando grandes quantidades e valores do Brasil. Trata-se de um dado positivo em todos os sentidos. O Brasil está menos dependente de um mercado só. Diante da recente (e atual) crise financeira norte-americana, o fato torna-se ainda mais relevante. Os EUA compram hoje cerca 15% das exportações brasileiras, contra 21% em 2003 (diz a Folha). Não significa que as exportações brasileiras para os EUA tenham diminuído. Ao contrário. Em 2002, último ano fernandista, o Brasil exportou US$ 15,81 bilhões para os EUA. Em 2007, esse número saltou para US$ 25,64 bilhoes. Aumento de 62%.

Mas não é isso que a Folha diz. Usando a velha e espertinha tática de ir atrás de declarações que provem teses pré-fabricadas (no caso, de que a nossa política internacional seria "terceiro mundista", "ideológica" e "anti-americana", e isso apesar da Condolezza Rice ter dançando olodum em Salvador), o jornal cita um tal Mario Marconini, da Federação do Comércio de SP, que afirma que o Brasil "está perdendo espaço no mercado americano para concorrentes como a China e Índia". Outro entrevistado, Roberto Gianetti da Fonseca, vai na mesma linha e sai com essa pérola negra: "Diversificar é bom, mas é preciso aumentar a participação dos EUA". É como dizer: picanha fresca é muito bom, mas não podemos esquecer a velha e boa salsicha.

"Ora, direis, ouvir estrelas! Perdeste o senso! ", divagava Bilac. Pois é. Fui atrás dos números e verifiquei que o Brasil não está perdendo espaço coisíssinha nenhuma. A participação brasileira nas importações americanas aumentou sensivelmente nos últimos anos, saindo de um patamar em torno de 1,1%, para mais de 1,4%. E não se iluda com a modéstia desses números. Estamos falando de um país que importa anualmente quase 2 trilhões de dólares. Esses decimais correspondem a dezenas de bilhões de verdinhas.

De fato, China ampliou seu espaço no mercado americano, de 11% em 2002 para 16% em 2007. E daí? O gigante dos olhinhos puxados elevou suas exportações para o mundo inteiro. A mão-de-obra na China custa um décimo que a mão-de-obra no Brasil. É um governo totalitário, que não presta contas para nenhum parlamento e para nenhuma imprensa. Acho sempre engraçado quando a mídia brasileira procura denegrir o Brasil comparando-o com a China. Não troco o nosso crescimento modesto de 5% ao ano pelo crescimento de 10% da China, assim como não troco o aumento das exportações chinesas pelo aumento das nossas. Quanto à Índia, o Marconini falou bobagem. A participação das exportações indianas no mercado americano continua menor que a brasileira: fechou 2007 em 1,23%. Também aumentou bastante de uns 10 anos para cá. Até 2001, era inferior a 1% mas nada indica que esteja tomando o espaço brasileiro. Até onde sei, a India se destaca na exportação de softwares e, portanto, não é concorrente do Brasil.

A matéria é tendenciosa e induz a um conclusão errônea sobre a economia brasileira. Eu me pergunto: qual o interesse da Folha? Por que ela está o tempo todo tentando fazer seus leitores verem as coisas piores do que reamente são? Nesse caso, nem se trata de sensacionalismo. Qual a vantagem em distorcer a realidade do comércio exterior brasileiro? Por acaso, o objetivo é prejudicar o Lula? Dar subsídio para a um boçal ou ingênuo acusar, com base nessa matéria furada, o governo de ser "terceiro mundista"?

Evidentemente, as exportações brasileiras para os EUA poderiam ter crescido 200%, nos últimos 5 anos, em vez de 62%. O Incrível Hulk também podia ser menos stressado. O Brasil NÃO perdeu participação no mercado americano. Esta caiu levemente nos últimos dois anos, mas cresceu vigorosamente em relação ao ínicio da década atual e final dos anos 90 (ver gráfico).

Desejar que um país em crise (os EUA), com um déficit comercial monstruoso, com uma moeda derretendo, aumente sua participação nas exportações brasileiras, é uma estupidez tão inconcebível e grotesca que merecia constar como exemplo num ensaio intitulado "a revolução dos retardados".

O dinheiro americano vale mais que o dinheiro europeu, asiático, africano, argentino? Transformar a diversificação das exportações brasileiras num fato negativo não é apenas mau jornalismo. É o mais tosco anti-patriotismo, a mais incompreenssível burrice, a mais imperdoável safadeza.

3 comentarios

Unknown disse...

Prezado Miguel,
Parabéns! Voltou de férias e com ótimo texto, que agrega valor à análise de uma notícia tendenciosa.
Vou republicar o seu artigo no meu blog.
Feliz retorno,
Maria Tereza (democraciapolitica.blogspot.com)

Anônimo disse...

A intenção da imprensa na cantilena "Lá fora tem melhor", obviamente, é de uma certa lógica. Manter a reserva de mão-de-obra barata que detinham quando os produtos de valor, pelo padrão-ouro da classe dominante, vinham todos de fora. Será que isso explica por que os nativos daqui foram empurrados cada vez mais pros matos enquanto os da África eram importados pro litoral?
Júlio César Montenegro

Miguel do Rosário disse...

obrigado pelos comentários meus amigos. É bom estar de volta. Grande abraço.

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