29 de julho de 2009

Curando a ressaca

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Aí vai uma tabela importante para quem se interessa pelos percalços da economia nacional e, sobretudo, para quem torce pelo bem do Brasil. Reparem que o desemprego encerrou junho de 2009 com um número praticamente estável em relação ao mesmo mês de 2008. O mais importante, porém, é ver a recuperação vigorosa registrada nos últimos meses. Por fim, observe que o desemprego, em junho de anos anteriores, era bem maior. Em junho de 2003, por exemplo, quando Lula recebeu essa "herança bendita" (conforme acredita Arnaldo Jabor), o desemprego no Brasil era de 13%. Em dezembro de 2008, com crise mundial e tudo, o percentual de infelicidade do país havia caído para 6,8%.



(Clique na imagem para ampliar)

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A foto é do grande Cartier Bresson. E a ressaca do título não é minha, não desta vez. É do Brasil, depois do porre da crise.

28 de julho de 2009

Ciro Gomes: a mídia é conservadora, facciosa e nepotista

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27 de julho de 2009

UNE desafia o império midiático

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(Retrato de Chaim Soutine, grande pintor, feito por outro grande, Modigliani)


O texto abaixo foi copiado do blog de Altamiro Borges. (Via Tudo em Cima)

Presidente da UNE desafia a mídia venal

Por Altamiro Borges

Em artigo publicado no sítio da revista CartaCapital, o novo presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Augusto Chagas, deixou explícito que a aguerrida entidade dos universitários está disposta a enfrentar a briga contra a ditadura midiática, que insiste em manipular a sociedade e satanizar os movimentos sociais. No ano da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, marcada para dezembro, esta postura combativa sinaliza para um ativo engajamento da juventude na luta pela democratização dos meios de comunicação no país. Concluído o 51º Congresso da UNE, esta batalha passa a ser encarada como estratégica pela entidade máxima dos estudantes.

Diante dos ataques “maldosos e inescrupulosos” de boa parte da mídia à UNE, Augusto Chagas partiu para a ofensiva. Com argumentos sólidos, ele rechaçou todas as mentiras divulgadas pelos jornais e telejornais e desafiou os barões da mídia, que atacam a entidade por receber patrocínio das empresas estatais. “Declarem que de hoje em diante não aceitam um centavo de dinheiro público e faremos o mesmo. Da nossa parte, temos a certeza que seguiremos a nossa trajetória”. Será que os difamadores da mídia topam o desafio da UNE, que levaria à falência boa parte dos monopólios midiáticos do país? Abaixo, os principais trechos deste excelente artigo:


“Fidelidade aos ensinamentos de Goebbels”

A UNE acaba de sair do seu 51º Congresso, um dos mais importantes e o mais representativo da sua história. Mais de 2.300 instituições de ensino superior elegeram representantes a este fórum, contabilizando as impressionantes marcas de 92% das instituições envolvidas, mais de 2 milhões de votos nas eleições de base e de 4,5 milhões de universitários representados. Nosso congresso mobilizou estudantes de todo o país, que por cinco dias debateram o futuro do Brasil – popularização da universidade, reforma política, democratização da mídia, defesa do pré-sal, etc.

Se a imprensa brasileira trabalhasse a favor da democracia, esses assuntos seriam manchete em todos os jornais, rádios e canais de televisão e a disposição da juventude em lutar por um país melhor seria divulgada. No entanto, estes veículos nos dedicaram tratamento bem diferente nas duas últimas semanas. Cumprindo com fidelidade o ensinamento de Goebbels – uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade – a mídia escandalosamente busca subterfúgios para atacar a UNE, taxando-a de governista, vendida, aparelhada e desvirtuada de seus objetivos. Com isso, tenta impor a todos os seus pontos de vista, sem qualquer mediação ou abertura para apresentar o outro lado da notícia.

E os milhões da publicidade oficial?

Uma destas grosserias tem a ver com o recebimento de patrocínios de empresas públicas por parte da entidade. A UNE nunca recebeu recurso público para aplicá-lo no que bem entendesse. Recebe sim, e isto não se configura em nenhuma irregularidade, apoio para a construção de nossos encontros. Tampouco, estas parcerias comprometeram as posições políticas da entidade. Não nos impediu, por exemplo, de desenvolver uma ampla campanha – com cartazes, debates, passeatas e pronunciamentos – exigindo a demissão de Henrique Meirelles da presidência do Banco Central, que foi indicado por este mesmo governo. Não nos furtamos de apresentar nossas críticas ao MEC por sua conivência ao setor privado da educação, como no caso do boicote que convocamos ao ENADE por dois anos consecutivos.

Mas, onde estavam os jornais, as TVs, rádios e revistas para noticiar essas manifestações? Reunimos, em julho de 2007, mais de 20 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios para pedir mudanças na política econômica do governo Lula e nenhuma nota foi publicada ou divulgada sobre isso. Os mesmos jornais que se horrorizam com o fato de termos recebido recursos para reunir 10 mil estudantes de todo o Brasil não parecem incomodados em receberem, eles próprios, um montante considerável de verbas publicitárias do governo federal. Em 2008, as verbas públicas destinadas para as emissoras de televisão foram de R$ 641 milhões, já os jornais receberam quase R$ 135 milhões.

Ora, por qual razão os patrocínios recebidos pela UNE corrompem nossas idéias enquanto todo este recurso em nada arranha a independência destes veículos? A UNE desafia cada um deles: declarem que de hoje em diante não aceitam um centavo em dinheiro público e faremos o mesmo! De nossa parte temos a certeza que seguiremos nossa trajetória! Com certeza não teremos resposta. Pois não é esta a questão principal. O que os incomoda e o que eles querem ocultar é a discussão sobre o futuro do Brasil e a opinião dos estudantes.

“Por uma comunicação mais justa e equilibrada”

Não querem lembrar que durante a década de 90 os estudantes brasileiros – em jornadas ao lado das centrais sindicais, do MST e de outros movimentos sociais - saíram às ruas para denunciar as privatizações, o ataque ao direito dos trabalhadores e a ausência de políticas sociais. Que foram essas manifestações que impediram o governo Fernando Henrique Cardoso de privatizar as universidades públicas através da cobrança de mensalidades.

Não reconhecem que após a eleição do presidente Lula, a UNE manteve e ampliou suas reivindicações. Resultado delas, nós conquistamos a duplicação das vagas nas universidades públicas, o PROUNI e a inédita rubrica nacional para assistência estudantil, iniciando o enfrentamento ao modelo elitista de universidade predominante no Brasil. Insinuam que a UNE abriu mão de suas bandeiras históricas, mas esquecem que não há bandeira mais importante para a tradição da UNE do que a defesa de uma universidade que esteja a serviço do Brasil e da maioria do nosso povo! Não se conformam com a democracia, com o fato de termos um governo oriundo dos movimentos sociais e que, por esta trajetória, está aberto a ouvir as reivindicações da sociedade.

A UNE não mudou de postura, o que mudou foi o governo e o Brasil e é isso que os conservadores e a mídia que está a serviço desses setores não admitem. Insistem em dizer que a UNE nasceu para ser ‘do contra’. Rude mentira que em nada nos desviará de nossa missão! Saibam que estamos preparados para mais editoriais, artigos, comentários e tendenciosas ‘notícias’. Contra suas pretensões de uma sociedade apática, acrítica e sem poder de contestar os rumos que querem impor ao nosso país, eles enfrentarão a iniciativa criativa e mobilizadora dos estudantes na defesa de um novo Brasil. Há de chegar o dia em que teremos uma comunicação mais justa e equilibrada. A UNE e sua nova diretoria estão aqui, firmes e à disposição do verdadeiro debate de rumos para o Brasil!

23 de julho de 2009

Lendo os jornais de cabeça para baixo

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(Giotto)


Falei que ia dar um tempo no blog, mas não resisti. O negócio é o seguinte. Às vezes, procuro alguma coisa para criticar o Lula, e aí, ontem, assisti na TV a âncora anunciar, com voz embargada: "Lula diz que Ministério Público precisa levar em conta a biografia das pessoas", então pensei. Pronto, é agora, Lula falou merda, vou lá criticar. O Paulo Henrique Amorim foi mais rápido e fez uma crítica forte ao pronunciamento do presidente.

Mas aí eu refleti melhor. Ué, mas não é essa justamente a tarefa do juiz e do júri? Avaliar as circunstâncias, a vida, a biografia, da pessoa, para conceder atenuantes ou agravantes ao crime? Se o sujeito levou uma vida de ilícitos, isso será um agravante. Se levou uma vida ilibada, sem nenhuma passagem pela justiça, isso será um atenuante. Ah, procurador não é juiz, dirão alguns. Ora, é sim. A partir do momento em que redige uma peça de acusação, ele também emite, inevitavelmente, um julgamento, ainda mais porque ele sempre terá, diante de si, alternativas diversas, e o certo é que escolha combater o mal maior. Não nos interessa grandes procuradores de roubo de galinha, e sim aqueles que tenham coragem de ir atrás dos verdadeiros larápios da nação.

Em se tratando de homens públicos, é preciso ainda mais cuidado, porque uma acusação infundada pode destruir a vida e a carreira de um político importante para o pais, como já ocorreu algumas vezes. Uma das práticas mais comuns da luta política, é lançar acusações sobre o adversário, falsas ou não, e o Ministério Público deve ser prudente para não se envolver de forma parcial nessas querelas partidárias, nas quais as mídias participam intensamente.


*

Enfim, o Sarney. Não sou advogado do Sarney, mas fico puto porque sei que a oposição, em conluio com a mídia, quer derrubá-lo para desestabilizar politicamente o governo. Isso prejudica a economia brasileira. Estamos em plena crise mundial, e o Senado, em vez de trabalhar, de votar leis que ajudem o país a recuperar o ritmo admirável de crescimento que vinha mantendo até poucos meses atrás, perde tempo e desvia as energias do país nessas crises infladas e golpistas. A mídia corporativa não descansará enquanto não derrubar o Sarney, e já começou a acionar todos os seus "gargantas profundas" dentro das instituições. Qualquer escrúpulo quanto a "Estado policial", vazamento de diálogos sob segredo de Justiça, tudo isso foi repentinamento esquecido.

Mas vamos aos diálogos em si. A netinha do Sarney, com voz de criança, pede ao pai para articular um emprego para seu namorado. Até aí tudo bem, é a coisa mais normal do mundo. O problema é que se trata de um emprego no Senado, um cargo público. Os jornais reproduzem, ad infinitum, a conversa. Até o "Oi, pai" da menina soa como um crime capital. Vamos por partes:

1) Não é crime. Até a aprovação da lei anti-nepotismo, em data recente, não era crime empregar parentes, e por isso quase todos os senadores empregavam parentes. É preciso não esquecer que nepotismo é uma prática sobretudo da direita. Tanto que a "nova liderança" da direita é toda "nepótica": ACM Neto e Rodrigo Maia, neto e filho, respectivamente, de chefes políticos do DEM.

O senador é eleito e tem bastante liberdade, conferida pela lei e pela democracia, de escolher os funcionários do Senado. Os senadores ligados às bases sindicais, contudo, não têm a cara-de-pau de escolher parentes, porque devem prestar contas às... bases sindicais. De forma que, antes da lei, isso era uma prática comum; eticamente questionável, mas perfeitamente constitucional. Existe um conceito em justiça chamado Direito Consuetudinário, que são os costumes. Se era um costume e todos os senadores praticavam, não é o caso de crucificar o Sarney como querem fazer. Há crimes muito mais cabeludos no Senado.

2) Todos os que fingem horror fizeram o mesmo. Ou seja, não tem sentido pedir a renúncia de Sarney por causa disso. Tem que mudar as práticas, como já foi feito, proibindo o nepotismo. Se for para renunciar, então que renunciem todos os senadores de uma vez. Ou melhor, que se feche logo o Senado. Seria uma excelente notícia para o Brasil, aliás. Ficaríamos só com o Congresso Nacional, que pode muito bem dar conta sozinho do recado.

3) Arthur Virgílio, por exemplo, deve ficar quietinho, porque fez muito pior. Os parentes de Sarney pelo menos trabalham. E ele, Virgílio, que pagou salário por mais de dois anos para um rapazinho flanar ocioso em Paris?

4) Por fim, só estou esperando aquela mula do Fernando Henrique Cardoso falar alguma coisa. A filha dele recebeu, por anos a fio, salário do gabinete do senador Heráclito Fortes. Nem aparecia por lá. Ou seja, tinha um emprego no SENADO DA REPÚBLICA (uso caixa alta para imitar a pompa com que a Lúcia Hippólito se refere ao Senado, evidentemente sempre com aquela indignação seletiva que conhecemos). Ah, detalhe, a filha do FHC ganhava muito mais do que o namorado da neta do Sarney. O Nassif imaginou como teria sido o diálogo entre FHC e Heráclito Fortes. Reproduzo abaixo:

Suponha a seguinte conversa entre FHC e Heráclito Fortes (que nomeou sua filha funcionária-fantasma):

FHC - Caro Heraclito, preciso de um favor seu.

HF - Diga, meu presidente.

FHC - Minha filha quer ficar em Brasília e precisa de algum lugar aí para garantir seu salário. Poderia arranjar uma vaga para ela:

HF - Algum lugar específico?

FHC - Não. Pode ser até como assessora pessoal sua, sem o compromisso de vir diariamente ao Senado para não expô-la.

HF - Pois não, senhor presidente, aqui o senhor manda.

É um diálogo imaginário, porém verossímil. Se a conversa não foi assim, foi parecida. A única diferença do Sarney, é que não foi gravada - e a mídia quer o pescoço do Sarney, não a moralização dos costumes. Mas tentar incriminar FHC por isso é algo tão ridículo quanto essa criminalização da boquinha - à qual recorre o mundo político em massa.

Em vez de atacar a boquinha e discutir formas de eliminá-la, usa-se o vício para objetivos escusos: derrubar o presidente do Senado e transformar a casa em fator de instabilidade política.


*

A gente até entende o Sarney. Ele é do Maranhão, é um político conservador, que apoiou durante um tempo a ditadura. Vem de uma família tradicional de políticos, onde o nepotismo sempre foi natural. O que é inacreditável é FHC, todo metido a moderninho, a ético, a republicano moderno, pedir emprego (sim, porque foi ele que pediu, segundo confessou o próprio Heráclito) para sua filha, e emprego fantasma ainda por cima!

Tem outro caso, que é o fato de FHC ter articulado, e conseguido, que seu genro fosse diretor da Agência Nacional do Petróleo. Mas FHC é queridinho da mídia, e pode tudo...

*

Há uma outra observação importantíssima. Quem está investigando os parentes de Sarney, e o próprio Sarney, é a Polícia Federal. É importante que a PF investigue inclusive aliados do governo. Isso nunca aconteceria no governo FHC, que mandava parar qualquer investigação envolvendo aliados. O problema, muito grave, são esses vazamentos hiper-seletivos. Expuseram essa menina, a neta do Sarney, à execração pública. Ela é jovem, não tem noção das coisas, e não tem culpa de nada. Agora irá pagar um preço alto por seu avô estar apoiando Lula... A oposição e mídia perderam o pouco de compostura que tinham e não respeitaram nem uma garota inocente. Quero ver agora botarem a filha do Serra, que foi sócia de Dantas, na roda. Quer dizer, nem quero não, porque essas práticas sujas conspurcam a política brasileira e interditam qualquer debate.

Sobre prazos estourados e Nassif anti-ofídico

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(Que o anjo do Aleijadinho proteja o Brasil)


Lembram que eu falei sobre reduzir a produção aqui no Blog por causa de um trampo? Pois é, eu não resisti, e igual àquelas pessoas em crise de rouquidão que, apesar de não poderem falar, justamente por causa disso começam a falar mais, passei a escrever em dobro. Agora contudo o meu prazo estreitou-se e preciso terminar o trabalho. Serão apenas duas semanas. Talvez (provavelmente) não resista de novo e publique algo por aqui nesse período. Mas não posso garantir. Deixo uma grande sugestão, porém: Leiam Nassif!

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22 de julho de 2009

Estudantes organizados enfurecem o Leviatã

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(Bispo do Rosário)


A franqueza dura dos estudantes organizados fez o Leviatã midiático urrar de medo e fúria, provocando uma onda crítica que chegou até a blogosfera. O Congresso realizado em Brasília, reunindo cerca de 15 mil lideranças estudantis, produziu um fato político de importância inquestionável. A reação midiática é previsível e enfadonha. Os antilulistas hidrófobos dos jornalões, naturalmente, não gostaram de saber que a UNE apóia, sem a mínima hesitação, o governo Lula, e, mais que nunca, posiciona-se de forma severamente crítica contra a direita e tudo o que ela representa.

Caso Lula fosse vaiado, a mídia distribuiria as imagens para todos os cantos do planeta. Centenas de milhares de blogs, sites e portais reproduziriam o rosto dos estudantes vaiando e o constrangimento do presidente. Seriam feitas charges, editoriais, artigos, enfim, o exército midiático aguarda, com sangue na boca, o aparecimento de um flanco desguarnecido, para entrar atacando com força total. Entretanto, ocorreu uma manifestação surpreendente. Confira o vídeo e veja como é impressionante e perturbadora a paixão dos estudantes. Milhares de estudantes erguem os braços e cantam entusiastica e agressivamente, como se entoassem um refrão de guerra: "Lula/ guerreiro/ do povo brasileiro". Disse "agressivamente" mas não venham com frescura por causa disso, porque me refiro à agressividade boa, que é energia, determinação, paixão.

Assista ao vídeo:



A franqueza das lideranças da UNE também chocou alguns blogueiros. Apareceu rapidamente uma turma que acha a UNE feia, boba e chata. As críticas, contudo, são inconsistentes. A acusação de que ela não representa os estudantes é falsa e antidemocrática. Há sufrágio em todos os diretórios acadêmicos do país, e não se pode culpar um partido, o PcdoB, por ganhar eleições e dominar a UNE. Nosso sistema político é representativo e partidário, então é mais do que saudável e natural que o movimento estudantil também o seja. Claro que nem todos se sentem representados pela UNE. Marcelo Crivella e Dornelles são os senadores do Rio de Janeiro e também não me sinto representado por eles, mas eles são, de fato, por lei e democraticamente, os representantes do Rio no Senado.

Outra crítica recorrente é a de que o PcdoB “aparelharia” a UNE. Ora, essa é a que me irrita mais. Querem o quê? Que a UNE, uma entidade política, com fins políticos, contrate quadros “técnicos” para suas diretorias? Tenham dó! Se o PcdoB ganha as eleições, ele tem o direito, adquirido democraticamente, de nomear quem desejar para as funções. É um universo modesto, estudantil, deficitário. O presidente da entidade ganha salário de R$ 1.500, conforme o Globo fez questão de informar, tentando atiçar seus leitores retardados e hipócritas, que logo mandaram cartinhas comentando sobre o valor - “maior do que o salário de muitos brasileiros”. Ora, R$ 1.500 por mês é mixaria, é metade do que um ascensorista do Senado ganha. Esses lacerdinhas do Globo são, além de reacionários, tremendos muquiranas!

Para o Globo e seus missivistas idiotas o movimento estudantil bom são aqueles bobinhos de cara pintada e nariz de palhaço, se manifestando de acordo com a agendinha reacionária e malandra da grande imprensa. O PIG não engole que o movimento estudantil organizado já entendeu muito bem qual é jogo. Seria muito fácil para a UNE botar milhares de estudantes nas ruas para derrubar o Sarney. Mas para quê? Para botar quem no lugar dele? Marconi Perillo? A UNE está ligada na CPI da Petrobrás, e o Sarney, mal ou bem, é um nacionalista que sempre defendeu a Petrobrás e que agora, independente do seu passado, está apoiando o projeto popular de Lula.

Sobre o fato da UNE receber dinheiro do governo federal, eu transcrevo um trecho do editorial do Vermelho, e depois complemento:

Sim, a UNE recebe dinheiro público no governo de Lula, como nos governos de Itamar, e Goulart, e JK, e antes, desde Getúlio. É legítimo e democrático. Ilegítimo e antidemocrático é proibir a UNE, queimar sua sede, matar na tortura o seu presidente, como fez a ditadura. Ilegítimo e antidemocrático é passar oito anos na Presidência sem receber a entidade máxima dos estudantes, como fez Fernando Henrique Cardoso.


O PIG pensa que todos são idiotas. Eles partem do pressuposto de que o governo é “malvado” e que seu dinheiro é sujo, distorcendo o próprio pilar da democracia, que é o fato de governo eleito pelo povo ter legitimidade para fazer o que bem entender pelo bem do povo, desde que dentro da lei, evidentemente. Eu votei no Lula justamente porque sabia que ele, e não o PSDB, iria apoiar a UNE.

Quando o governo dá, através de incentivo fiscal, R$ 10 milhões para o Instituto FHC, não há problema, quando a Petrobrás dá R$ 3 milhões pra Fundação Roberto Marinho fazer o Memorial da UNE não há problema, quando a Petrobrás dá dinheiro para Fiesp, OAB, campeonato de surf, Fórmula 1, etc, não há problema – o problema acontece quando dá R$ 100 mil para a UNE realizar um dos maiores e mais plurais congressos de sua história, com chapas de todos os partidos, do DEM, PSDB, PMDB, PSOL, PT e PcdoB. Se as chapas de esquerda ganham, se o presidente da UNE apóia Lula, é porque eles têm essa liberdade. A UNE é uma instituição importante e tradicional na história política brasileira, que deve ser aperfeiçoada, patrocinada e defendida.

Querer que uma instituição se estruture sem financiamento público é puro cinismo. Quem daria dinheiro para a UNE? O Bradesco? A Fundação Marinho? Aliás, quero saber: a Fundação Marinho levou, conforme já disse, 3 milhões da Petrobrás para fazer um site, o Memorial da UNE – ela repassou algum royalty para a UNE? Não, não passou. A Fundação Roberto Marinho ganhou muito mais dinheiro da Petrobrás que a UNE e agora os platinados ficam tirando onda de vestais, que não recebem verba pública!

É sempre assim. O PIG e seus lacaios da blogosfera defendem furiosamente estudantes do Irã, mas os estudantes brasileiros podem ser espancados sem piedade e suas entidades representativas podem ser caluniadas e asfixiadas financeiramente. Estudante bom, para o PIG, só iraniano. Blogueiro, só serve aquela cubana que fala mal de Fidel. Twiteiro, só serve o #ForaSarney, aqueles bebedores de Toddynho alienados, ingênuos, analfabetos políticos, e oportunistas.

Barbosinha, o santo e o Red Label

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Meu pai, típico mineiro da roça, caladão, esquivo, desconfiado, possuía um carisma extraordinário. As pessoas não apenas simpatizavam com ele: amavam-no perdidamente. Em casa, porém, em virtude de sua timidez intransponível, conversar com ele era, às vezes, angustiante, porque respondia por monossílabos e ficava sempre em pé, no umbral de alguma porta, para poder escapar mais rápido. Notava-se que sofria com isso, e qualquer um que o conhecesse melhor logo o perdoava, diante de um quadro tão grave de introversão, por beber tanto.

Apesar de todos os problemas de timidez, era uma pessoa incrivelmente forte. Nunca ficou doente, à exceção da operação de safena aos 55, e do câncer final, que o matou aos 61 anos. Enervava-se constantemente, isso sim, e às vezes por bobagens, e alegrava-se com facilidade, mas jamais testemunhei, em vinte e poucos anos de convivência, nenhuma demonstração ou confissão de tristeza. E trabalhava duro, incansavelmente. Começou a trabalhar com uns quatro ou cinco anos de idade. Meu avô amarrou-o num cavalo para que não caísse, e ele acompanhou os piões da fazenda a tocar o gado. Na volta, teve que se sentar numa bacia com água morna e sal para aliviar as assaduras terríveis naquela parte do corpo que atrita com a sela.

Dormia como rocha. Deitava-se em qualquer lugar, cama, gramado, chão, e apagava por horas. Diversas vezes, no sítio, flagrei-o dormindo no meio do mato, como um bicho, indiferente aos insetos - que pareciam respeitá-lo -, à gritaria das crianças, a tudo. Adormecia assim que fechava os olhos.

Era o indivíduo mais resolutamente ateu que jamais conheci. Recusou-se terminantemente a batizar os filhos, mesmo sabendo da enorme apreensão e aborrecimento que isso causava à minha avó. Quando eu tinha uns nove ou dez anos, toda a minha turma da terceira série primária, no colégio católico onde eu estudava, fez primeira comunhão. Eu queria muito fazer. Andava com o Novo Testamento embaixo do braço para lá e para cá e implorei a ele que me deixasse acompanhar meus coleguinhas. "Não, você é muito pequeno. Quando crescer e tiver mais juízo, pode se batizar, fazer primeira comunhão, o que quiser, mas agora não", me disse. Não muitos anos depois, eu ostentaria, com orgulho, o título de não-batizado, o qual carreguei até uns cinco anos atrás, quando decidi tomar o banhinho sagrado, para satisfazer minha mulher, que quis casar-se na igreja. E também a mim mesmo, já que, no fundo, meu ateísmo nunca foi tão autêntico quanto do meu pai. Ao contrário, sofro de uma tendência à carolice católica contra a qual sempre lutei, primeiro por ideologia, depois por uma questão de elegância - um conflito que nos últimos tempos resolvi através de uma maneira esquizofrênica: sou um ateu que acredita em Cristo (não nas lendas mágicas, mas na força e importância de seu mito) e em Deus (como centro do universo e inteligência superior).

O ateísmo de meu pai patenteava-se, sobretudo, pela mais absoluta indiferença a qualquer tema religioso ou teológico. Só não é exato afirmar que odiava o catolicismo, à maneira do Eça de Queiroz, porque ele simplesmente deixara de pensar no assunto. Mas alguma raiva tinha. Quando criança e adolescente, deixava a unha crescer para cravá-la na própria mão até sangrar, como auto-punição pelos pequenos pecados que cometia.

Era uma pessoa extremamente generosa. Primogênito, ajudou todos os irmãos, moral e financeiramente, a completarem os estudos. Ajudou muitos amigos. E ajudava pragmaticamente, conseguindo emprego e emprestando dinheiro. Em verdade, meu pai era quase um santo, se é que é possível aliar santidade e Red Label.

20 de julho de 2009

Elocubrações pós-lulistas e a esperteza de Appius Claudius

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(Rauschenberg)


Tenho trabalhado freneticamente nos últimos dias, traduzindo filmes argentinos. É um trampo bem legal porque, felizmente, são filmes bons. Para quem trabalhou quinze anos fazendo matérias sobre café, traduzir bons filmes argentinos é um trabalho quase onírico. Pena que vai durar pouco. Mas não quero ser ingrato com a rubiácea, que me deu (e ainda dá, de vez em quando) tanta coisa. Qualquer dia conto as mil histórias que vivi no mundo marrom e verde do café, viajando por todo Brasil à cata de assinaturas e reportagens.

Acabo de traduzir El Camino de San Diego, um filme emocionante de Carlos Sorín, sobre Tito Benítez, jovem fanático por Diego Armando Maradona, do interior de Misiones, província pobre e atrasada do norte da Argentina. O ator é genial e conseguiu criar um personagem excepcional, um rapaz simplório que, justamente quando sua mulher dá a luz ao terceiro filho, é demitido da madeireira onde trabalha. Seus amigos sugerem que procure um velho artesão. Ele se torna aprendiz do velho e passa a trabalhar nessa área, ajudando o mestre a procurar raízes e madeiras que apresentem formas originais, para serem trabalhadas e vendidas nas cidades próximas. Um dia, durante uma tempestade, ele encontra uma raíz que lembra muito Diego Maradona com os braços para o alto. Ele se entusiasma deveras com aquilo. No dia seguinte, um conhecido bate à sua porta para lhe contar uma notícia: Maradona fora internado e estava num Centro de Tratamento Intensivo. Tati não possui sequer um rádio e corre para o bar onde há um aparelho de TV.

Decide então ir à Buenos Aires presentear Maradona com sua estátua de madeira. Não vou me estender mais. Adianto apenas que, no caminho, vai encontrando vários tipos, e todos se solidarizam de alguma forma com o personagem, que é um jovem realmente cativante. O espectador fica apreensivo, o tempo inteiro, com o que vai lhe acontecer, pois nota-se que ele é crédulo e ingênuo. Mas o rapaz tem uma boa estrela e consegue despertar, em todos que encontra, uma surpreendente generosidade.

Emocionei-me porque, vendo esses argentinos comuns, simples, trabalhadores, gentis e educados como lordes britânicos, pensei em meus conterrâneos. Já viajei bastante por esse Brasil e não paro de me surpreender com a doçura, educação e generosidade dos brasileiros, sempre dispostos a ajudar, informar, conversar. Evidentemente há muita maldade, muita gente ruim, como em toda parte. Mas tive o privilégio de observar tipos humanos na Europa, por exemplo, e constatei que os brasileiros (e argentinos, conforme pude ver nesse filme), tidos como ignorantes e desonestos pelos próprios brasileiros, são, na verdade, um povo especialmente cordial, divertido e amoroso, e é junto dele, do povo brasileiro (por mais cafona que isso possa parecer aos cínicos colonizados e pseudo-sofisticados que abundam na internet) que me sinto mais à vontade. Entrando num ônibus de algum lugarejo de Minas, Bahia ou Espírito Santo, e observando os trabalhadores sentados, circunspectos e silenciosos, sentia essa mesma emoção, esse mesmo amor por meus irmãos brasileiros. Sentia uma espécie de orgulho, um orgulho besta, vaidoso, jesuítico, de estar ali, entre os pobres, e não num avião cheio de almofadinhas convencidos.

Mas já que adentrei esta seara franciscana, permitam-me decepcionar os mais inocentes. Quer dizer, se tiverem paciência e tempo de concederem um pouco de atenção às minhas teorias, talvez não fiquem tão decepcionados. Pode ser que se sintam até entusiasmados. Já fui anarquista e até hoje as pessoas me crêem socialista ou coisa parecida. No entanto, eu me nomeio, e sinto-me muito franco e honesto em afirmá-lo, um capitalista de esquerda. Claro que isso é uma simplicação grosseira, em contraste inclusive com outra idéia minha, a saber, que o capitalismo não existe. Essa é uma teoria inspirada nos textos de Noam Chomski, para quem o capitalismo americano, conforme é apregoado por seus ideólogos, nunca existiu de fato, ou talvez tenha existido somente nos primeiros anos de colonização, entre os pioneiros. Os Estados Unidos, e Chomsky prova isso com estatísticas e documentos, desde sua independência, sempre foram uma democracia de Estado, com predominância do poder público e estatal. Neste momento, em que o governo americano é acionista majoritário dos maiores bancos, seguradoras e indústrias do país, a afirmação de Chomsky faz mais sentido que nunca.

Engels e Marx estudam as origens do capital desde seus primórdios. Para Marx, o capitalismo propriamente dito surgirá no fim da idade média, quando o mundo ocidental começa a experimentar profundas transformações tecnológicas. Engels, por sua vez, buscará raízes na pré-história, quando o homem escraviza o animal doméstico e sua própria família.

Acho que as teorias de Marx têm muito valor para algumas coisas, mas mantenho minha postura heraclitiana de achar que o conhecimento é dialético e obscuro e, como tal, não poderá nunca ser encontrado num ponto determinado, numa teoria específica. Ou seja, as teorias marxistas, colocadas sob o fogo implacável da história e da razão, perderam sua gordura revolucionária e delas sobreviveram apenas os conceitos mais originais. Não porque Marx não tivesse sido suficientemente astuto, mas porque o conhecimento só é possível perante a experiência concreta. O conhecimento da história se desenvolve (e somente assim) simultaneamente ao processo histórico. Descartes e Espinoza também foram gênios, mas suas teorias tiveram que, igualmente, perder muita gordura antes de serem classificadas entre os cânones da filosofia.

Considero-me - o que é extremamente engraçado partindo de alguém considerado entre os íntimos como um socialista incendiário - um conservador. Defendo um Estado forte, com monopólio sobre o sistema de crédito (ou seja, sem bancos privados), democrático, e que, ao mesmo tempo que garanta uma sólida liberdade individual e empresarial, e justamente por causa disso, exerça uma supervisão rígida sobre toda a vida econômica da sociedade. Educação e saúde gratuitas são outros itens sagrados da minha pessoalíssima ideologia morena.

Embora essa conversa pareça entrar no campo da discussão utópica, a ideologia que eu descrevi laconicamente acima, em verdade, é a que mais próxima está de nossa Constituição. O problema social, a meu ver, não seria resolvido com revolução (e por isso me considero “conservador”) e sim através das ferramentas de que dispomos hoje; ou seja, através do voto.

As pessoas esquecem que o regime político sob o qual vivemos tem mais de 2.500 anos. Abrindo um pouco o campo de visão, adentramos uma teoria interessantíssima, sempre mencionada pelo cientista Wanderley Guilherme dos Santos, sobre o caráter biológico da organização social humana. Esse foi o maior erro de Marx, que revelou a sua arrogância suprema, característica, aliás, que contamina todo esquerdista radical. Segundo essa teoria, a organização social humana integra o mesmo processo que levou à formação de nosso cérebro, nossa postura ereta, mãos ágeis, sentidos aguçados e capacidade imaginativa. Trata-se de uma teoria extremamente respeitada nos meios científicos, embora ainda olhada com muita desconfiança por intelectuais marxistas por sua inevitável valorização de um certo conservadorismo.

Eu tenho a impressão, todavia, que uma teoria dessas, se desenvolvida competentemente, poderia representar uma derrota teórica fulminante para a direita, para o conservadorismo chulé e, sobretudo, para esse monstro de hipocrisia e violência social chamado neoliberalismo. Não seria fácil: teríamos que extirpar de vez o revolucionarismo adolescente que caracteriza o discurso de muitos representantes políticos da esquerda, e causar um estrago talvez fatal no prestígio do marxismo. Por outro lado, não é exatamente isso que está acontecendo? O socialismo moreno da América Latina não é, na prática, justamente isso? Quer dizer, alguns governantes estão agindo assim, pragmaticamente, e o discurso de pirotecnia revolucionária de alguns apenas atrapalha, além de não corresponder à realidade do que eles mesmos fazem. Não é, aliás, pela compreensão do que Lula representa, em termos de avanço teórico, para a democracia contemporânea, ainda amarrada a disputas ideológicas depressivas (para um lado e para o outro), que ele faz tanto sucesso no mundo inteiro, despertando uma simpatia quase apaixonada em autoridades e intelectuais tão díspares quanto Hugo Chávez e Sarkozy, Obama e Ahminejad?

Estivesse preso aos dogmas marxistas, ou mesmo a qualquer tipo de academicismo ou ortodoxia, Lula nunca poderia ter alcançado essa originalidade ideológica tão desprezada no Brasil e tão admirada lá fora; pela mesma razão que B.B.King nunca poderia aprender blues na prestigiada Berkeley. Nosso presidente operário mostrou, enfim, que a política também é uma arte, e como tal, deve ser pensada intuitivamente, sobretudo quando chegamos num momento de crise ideológica aguda, como chegou a esquerda na década de 80, e mais ainda a partir da queda do muro de Berlim e abertura econômica da China.

*

A esperteza de Appius Claudius

Não quero terminar o post hoje, porém, sem fazer uma última observação. Estou gostando muito de um livro, Les institutions politique romaines, de Léon Homo, e há pouco passei por um trecho que me remeteu imediatamente a uma situação política bem conhecida nossa. No século IV antes de Jesus Cristo, ou seja, mais de 300 anos antes de nascer Júlio César, Roma era uma república bastante avançada em termos jurídicos, mas experimentava, justamente por ser moderna, conflitos sociais agudos, caracterizados principalmente pelo enfrentamento entre patrícios e plebeus, ou seja, entre os nobres, de famílias tradicionais, e a turma sem passaporte da época. Nos anos seguintes, os patrícios perderão, paulatinamente, sua influência política, e os conflitos se desenvolverão, como de praxe, para uma guerra de classes. Mas antes de perderem poder, os patrícios conseguiram, por muitas gerações, conservá-lo através de artimanhas políticas das mais variadas. Uma dessas é descrita por Homo como protagonizada por um patrício brilhante, Appius Claudius, líder da ala mais à direita da nobreza romana. Homo mostra que havia uma divisão de esquerda e direita tanto entre patrícios quanto entre plebeus. Entre os patrícios, havia uma esquerda querendo estabelecer relações com os plebeus mais ricos, que por sua vez formavam a direita deste segmento. E havia, naturalmente, uma extrema esquerda plebéia, dominada por líderes radicais. Pois não é que Appius Claudius, num lance de genialidade política, consegue estabelecer uma parceria sólida com esses grupos radicais? A estratégia foi muito bem sucedida - para o lado dos patrícios, claro. Homo argumenta que esses radicais da esquerda plebéia não perceberam a armadilha em que caíram, e que iria resultar, no futuro breve, em muitas décadas de derrota política para sua classe. O plano de Appius foi relativamente fácil. Explorou a insatisfação dos radicais com a situação vigente e usou-os para derrubar seus adversários. Qualquer semelhança do PSDB e DEM usando o PSOL para derrubar Sarney e o presidente Lula não é mera coincidência...

16 de julho de 2009

Os ingênuos também vão para o inferno

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Dando sequência a minha (nem tão) promissora missão pública de ombudsman do jornal O Globo, comento a matéria em destaque na edição de hoje (16/07/2009), na página 3, onde diversos ex-caras pintadas, ao estilo surrado do "petista arrependido", derramam lamúrias contra a foto que o jornal, na véspera, estampou na capa. Era a foto, agora famosa, de Lula abraçando Collor.

É realmente engraçado. Bastou falar mal de Lula para ganhar uma foto tamanho família na página 3. A história mostra que a manipulação da ingenuidade tem sido uma estratégia constante daqueles que precisam enganar a opinião pública. Heródoto relata um caso assombroso ocorrido na Grécia Antiga, em Atenas, que o revoltou especialmente. Pisístrato, um tirano que os atenienses haviam, com muita dificuldade, logrado expulsar da cidade, restabelecendo assim o regime democrático, apela para uma artimanha incrível para voltar ao poder. Nas palavras de Heródoto:

"(...) usaram, para o retorno de Pisístrato, o artifício mais grosseiro que, em minha opinião, se pode imaginar, principalmente considerando que os gregos eram tidos, desde há muito tempo, como mais astutos que os bárbaros e menos expostos a se deixarem deslumbrar por esse tipo de coisa, e que os atenienses, em particular, eram reputados como os mais sábios e perspicazes de todos os gregos. (...) Havia uma mulher muito formosa, chamada Phya, dotada de grande estatura. Armada completamente, e vestida com trajes que a fizeram parecer ainda mais bela e majestosa, puseram-na sobre um luxuoso carro e a conduziram à cidade, enviando na frente emissários para dizer ao povo desta forma: "Recebei, ó atenienses, de boa vontade, aquele que a própria deusa Atenas restitui ao poder, dando a ele uma demonstração nunca usada com outro mortal". Gritavam isto por todas as partes, de maneira que, muito breve, a fama se espalhou por toda a cidade e toda província. E os que se achavam na fortaleza central, acreditando que aquela mulher era realmente a deusa Atenas, abriram os portões para Pisístrato e seus comparsas."


Assim Pisístrato restabelece sua tirania. Heródoto se espanta com a facilidade com que os atenienses, tidos como astutos e perspicazes, se deixaram enganar por uma mentira tão grosseira.

Saltemos alguns milênios. A experiência tornou os espertos mais espertos e os bobos menos bobos, mas a ingenuidade é a condição natural do ser humano. A esquerda, particularmente, carrega o DNA da ingenuidade e talvez seja esse o seu maior defeito, assim como o egoísmo é a característica mais negativa da direita.

A luta contra a ingenuidade é uma frente de batalha importante para este blog, porque percebi há tempos que esse é um ponto extremamente vulnerável de muitas pessoas progressistas e bem intencionadas. "Soyons realistes, demandons le impossible!", gritavam os jovens de 68. Era um lema bonito, mas os europeus, com seu espírito pragmático, nunca o levaram muito à sério e os americanos, como é tão bem mostrado em Sonhadores, obra-prima de Bertolucci, consideravam-no falso e pedante; os que o levaram ao pé da letra, tornaram-se, além de derrotados politicos, pessoas amargas e desiludidas. Aliás, a consequência inevitável, necessária, da ingenuidade política, é tristeza e desilusão. Tentar enxergar na política uma pureza que não existe, nem em si mesmo nem no mundo real, é ingenuidade, ignorância e, às vezes, megalomania moral, doença crônica dos hipócritas.

O PIG adora os ingênuos porque sabe que eles são inofensivos. Sempre interessou ao PIG uma esquerda ingênua, que se limitasse a empunhar bandeiras bonitinhas e graciosas, mas que nunca tivesse a ousadia de disputar, à vera, o poder político, e muito menos o discernimento de saber conservá-lo - não, isso é para os "adultos", ou seja, para os conservadores. Renan Calheiros foi ministro da Justiça de FHC e nunca vimos uma matéria negativa sobre a figura. Bastou mudar o governo e Renan aderir a Lula para que ele passasse a integrar o "eixo do mal" da política brasileira.

Desde que Collor elegeu-se senador da república por Alagoas, a mídia corre atrás de uma foto sua com o presidente. A desta semana não é a primeira. Os fotógrafos catam os ângulos mais enviezados para enquadrar, na mesma imagem, Lula e os "vilões". Até aí tudo bem. Todo mundo sabe que O Globo faz oposição à Lula e, portanto, seus empregados cumprem a determinação editorial de bater diariamente no ex-barbudinho. Cada um a seu jeito. Os chargistas fazem charges, os jornalistas escrevem matérias, os fotógrafos tiram fotos, os colunistas escrevem colunas. O trabalho é bem pago e obedece quem tem juízo.

Daí que Lula participou de um ato importante em Alagoas e quem estava lá? Fernando Collor de Melo, senador da República. Ora, Collor e Renan Calheiros pertencem a partidos que compõem a base aliada no Senado, onde a situação do governo é extremamente delicada, vide as inúmeras CPIs criadas ininterruptamente pela oposição, sempre com o entusiástico apoio da mídia corporativa. Lula agradeceu o apoio que Collor e Renan davam aos projetos do governo. E depois, em determinado momento, cumprimentou pessoalmente Collor.

Lula é um estadista, um político no sentido lato do termo, e sabe pôr o interesse nacional acima de questões pessoais e, sobretudo, sabe deixar o passado para trás e olhar o futuro. O Brasil é um Estado democrático onde, se o sujeito é absolvido na Justiça e ganha as eleições, ele é um representante do povo e como tal deve ser respeitado, quer gostemos dele ou não. Seria demais, aí sim, entregar um Ministério a Fernando Collor, mas ir lá e cumprimentar o homem, qual o problema? Agradecer o seu apoio no Senado, qual o problema? É razão para histeria? Para chorar pelos cantos?

As organizações Globo tem uma saudade enorme dos "caras pintadas" porque sabem a influência que tiveram sobre o fenômeno. A Globo ataca sistematicamente o movimento estudantil enquanto força organizada, institucional, partidária. Para o Globo, o movimento estudantil ideal é essa festinha de caras pintadas, sem ideologia, sem partido, sem organização, reunidos esporadicamente para protestar contra "vilões" de manchete de jornal.

"Pragmatismo tem limite", diz um dos ex-caras pintadas. Ok, filho, mas qual é o limite? Cumprimentar Collor? E daí? Collor tem lepra? Collor foi cassado, pagou sua dívida política, foi absolvido no Supremo Tribunal Federal, e foi eleito pelo povo de Alagoas. Se alguém tem culpa é o povo de Alagoas, e os meios de comunicação de lá (certamente ligados aos representantes locais dos platinados), que preferiam Collor a um cara de esquerda.

A gente sabe muito bem quem elegeu Collor - os mesmos globais que agora o transformam em vilão de história em quadrinhos. Quem editou debate na TV para prejudicar Lula? Quem ajudou Collor a se eleger em 1989? Agora ele é senador da república, num Senado onde o governo vive uma situação, como já disse, extremamente instável. Que raios de ingenuidade é essa, beirando a estupidez, que acha que Lula deveria fazer carinha feia para o Collor? É absurdo, para os neo-lacerdistas midiáticos, que a esquerda seja pragmática e astuta. Prefere-a, claro, sonhadora, ingênua - e derrotada. Churchill dizia que se aliaria ao diabo se fosse para derrotar Hitler. O Brasil tem um inimigo que matou, nos últimos séculos, muito mais que o nazismo, que é a pobreza, que não apenas destrói vidas, mas devasta sonhos, esperanças e a alegria das pessoas, e se Collor, Sarney, Renan, apóiam o governo (por interesse político lá deles, ou mesmo por estarem acuados eleitoralmente num nordeste onde Lula tem 90% de aprovação), Lula tem mais é que, humildemente, agradecê-los e tocar a vida pra frente. A oposição acaba de criar uma CPI bastante perigosa, num Senado sob fogo cerrado de uma mídia disposta a derrubar Lula, e o presidente precisará, logicamente, do apoio de cada senador da base aliada, seja o vilãozinho Collor seja o heroizinho Pedro Simon. Lula não pode contar 100% nem com os senadores de seu próprio partido, que volta e meia lhe puxam o tapete, como poderia deixar de ser educado com um senador que lhe empresta apoio?

O Globo e seus priminhos paulistanos, assim como aquele tirano grego, estão sempre a pintar alguém de deus, ou de diabo, na tentativa de convencer a legião de ingênuos (ou que fingem sê-lo) a abrir os portões da república aos adversários do povo.

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A pintura no início do post é de Flavio Shiró, um dos maiores nomes, vivo ou morto, da história das artes plásticas do Brasil, talvez apenas superado pelo meu amigo Juliano Guilherme (vale 1 cerva essa, héin?).

14 de julho de 2009

A guerra que antecede o bocejo

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(Luis Felipe Noe, pintor argentino)


Quosque tandere abutere, Catilina, patienta nostra? Assim começa Cícero o seu primeiro discurso contra um golpista da Antiguidade. Catilina planejava matar todos os senadores e tribunos do povo e tomar, à força, o poder em Roma. Para isso, contratou milhares de mercenários, a quem prometeu riquezas e terra. A história vive se repetindo, e a figura de Catilina vive reaparecendo na história da humanidade. No Brasil, Catilina é a mídia. Leiam abaixo os dois primeiros parágrafos do discurso de Cícero, trocando o nome do golpista em questão por Mídia Corporativa, e vejam se não encaixa às mil maravilhas. Detalhe: a função de cônsul era semelhante a de presidente da república, então substituam um pelo outro para estabelecer uma comparação ainda mais viva.

Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda nocturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas?

Oh tempos, oh costumes! O Senado tem conhecimento destes factos, o cônsul tem-nos diante dos olhos; todavia, este homem continua vivo! Vivo?! Mais ainda, até no Senado ele aparece, toma parte no conselho de Estado, aponta-nos e marca-nos, com o olhar, um a um, para a chacina. E nós, homens valorosos, cuidamos cumprir o nosso dever para com o Estado, se evitamos os dardos da sua loucura. À morte, Catilina, é que tu deverias, há muito, ter sido arrastado por ordem do cônsul; contra ti é que se deveria lançar a ruína que tu, desde há muito tempo, tramas contra todos nós.


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Em editorial, o Globo de hoje (14/07/2009) lança mais um de seus gritinhos de guerra. Misturando velhas e preconceituosas ladainhas antisindicais com acusações genéricas e levianas, os platinados mostram que vão cobrir a CPI da Petrobrás com o rosto pintado, berrando com a voz em falsete. Cumprimento-os pela audácia. O alvo, a maior empresa da América Latina, não podia ser mais simbólico. A Petrobrás não é apenas um símbolo de nossa soberania. Ela é a nossa soberania. É uma verdade dura, mas implacável: sem a Petrobrás, o Brasil não é nada. Por isso, sindicatos, estudantes e todos os matizes da esquerda deixaram divergências de lado para defendê-la.

Recentemente, Lula afirmou, brincando, que o presidente da Petrobrás deveria ser eleito pelo povo e indicar o chefe da República, e não o contrário. É uma brincadeira que flerta com uma verdade perturbadora. Cada país tem as suas jóias da coroa. Não se trata apenas do petróleo, mas do imenso e incalculável patrimônio intelectual, industrial, marítimo, científico, acumulado pela empresa. A Petrobrás não é apenas uma estatal. É a mãe de todas as estatais, a mais importante de todas, a que permitiu ao Estado brasileiro, depois do criminoso desmantelamento sofrido durante o governo FHC, manter um bom nível de investimento em infra-estrutura, projetos sociais e cultura.

Esta semana, o Globo publicou, no alto da página, em destaque, uma cartinha de leitor que dizia mais ou menos o seguinte: "já fui defensor da Petrobrás, etc, agora acho que ela deve ser privatizada, como foi a Vale, para não ficar nas mãos de sindicalistas". O leitor alinha-se ao pensamento do Globo e sua missiva, como vem ocorrendo sistematicamente na página de "cartas do leitor", integra a seção editorial. A vênus de prata, portanto, tem uma postura bastante clara em prol da privatização da Petrobrás. Para ela, a Vale é um grande exemplo. Não importa que a Vale privatizada esteja exportando ferro a 30 dólares a tonelada pra China e cometendo o crime histórico de não investir em siderurgias que permitam ao Brasil processar o minério aqui para vendê-lo com valor agregado. Não importa que a Vale, no momento mais crítico vivido pelo Brasil, por causa da crise financeira global e da histeria catastrofista da mídia brasileira, tenha anunciado demissões em massa. A Vale é um exemplo! A Petrobrás, que tem saltado posições no ranking mundial das empresas mais modernas, mais transparentes e mais respeitadas do mundo, que é a empresa petrolífera que mais achou petróleo nos últimos 30 anos, que está hoje na vanguarda mundial por conta de ser a única com tecnologia para exploração em águas ultra-profundas, a Petrobrás é tratada pelos platinados como uma "república de sindicalistas".

A matéria dos platinados que trata da tal "república de sindicalistas" foi um dos ataques mais ridiculamente preconceituosos e reacionários já vistos na imprensa brasileira. Não se trata, todavia, de uma matéria isolada, mas de uma campanha sistemática, repetida diariamente, com apoio editorial de cartinhas selecionadas.

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Instalada a CPI da Petrobrás, li na internet que a oposição convocou o ex-senador Paes de Barros para chefiar o "comitê" de guerra montado para atacar a empresa e o governo. Barros, para quem não se lembra, é aquele amigo de bandidos do Centro-Oeste, como o Comendador Arcanjo, que se destacou durante a tentativa de derrubar Lula em 2006. Dotado daquela desenvoltura fabulosa que a ausência de escrúpulos confere, Barros é expert em jogadas de contra-informação e artimanhas políticas. Seu histórico sujo, naturalmente, será carinhosamente poupado pela mídia conservadora.

Entretanto, conforme observou brilhantemente Santayana, as intenções da oposição devem se voltar contra ela mesma. A presente configuração política mudou muito. A blogosfera de esquerda converteu-se num poderoso exército ideológico em prol dos interesses populares, bagunçando definitivamente a venda de teses pré-fabricadas à opinião pública.

Há agora uma grande expectativa em relação à postura dos senadores da base aliada, sobretudo a bancada petista. Mais que nunca, terão que mostrar verve, astúcia, inteligência, oratória, agressividade, e procurarem se afastar da capciosa rede construída pelo discurso midiático com objetivo de capturar psiques bem intencionadas mas ingênuas e, em alguns casos, decrépitas.

Espera-se que Mercadante, senador mais votado da história do Senado, com mais de 10 milhões de votos em 2002, reverta a impressão de pusilanimidade e incompetência política que ele começa a ganhar na blogosfera.

Alguns não tem solução. Pedro Simon, por exemplo, é uma figura esclerosada politicamente. Não atualizou-se. É um indignado de manchete de jornal e, como tal, facilmente manipulável pela mídia. Confortável em seu trono de rei dos "éticos", obedece caninamente à cartilha ditada pelo editorial do dia. Quando foge ao roteiro, é repreendido e disciplinado imediatamente pelos capatazes éticos a serviço das "famiglias".

Muitos senadores trabalham em plenário com seus laptops conectados ao blog do Noblat. Não perceberam, por burrice, incompetência, preguiça ou interesse, que Noblat obedece aos ditames ideológicos e políticos de seus patrões? Naturalmente que ele, Noblat, tem seus pruridos de independência. É um ser humano(?), tem contas a pagar, e possui o direito de vender sua força de trabalho e sua inteligência para quem bem entender. Não devemos crucificar ninguém. O ridículo é ver senadores se curvando, ou pior, se acovardando, aos interesses obscuros de grupos de comunicação.

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Tem umas coisas que não dá para engolir. A omissão na cobertura do golpe de Honduras, por exemplo. Onde estão os editoriais, as entrevistas, as longas reportagens, os históricos, a análise detalhada dos envolvidos? Não. Isso vai ficar marcado. Através de fontes alternativas, ficamos sabendo que os golpistas de Honduras suprimiram os direitos civis, fecharam jornais, rádios e canais de TV críticos ao governo, reprimiram violentamente manifestações, assassinaram lideranças sindicais e estudantis, enfim, cumpriram integralmente a agenda de horrores de uma ditadura latino-americana do século passado. Onde está a dramaturgia jornalística? Onde estão os indignados? A partir do momento em que a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) não condenou, até agora, o golpe em Honduras, e a mídia brasileira não se preocupou com o fato do órgão maior que a representa no continente estar omisso nesse assunto, nunca o epíteto "golpista" ajustou-se tão bem à realidade.

Haverá um dia em que não mencionarei a grande imprensa. Estão certos os que falam que a internet deve produzir uma agenda própria, não apenas reagir ao que sai na mass media. Mas tudo tem sua hora. A blogosfera é sensível à grande agenda política, não ao que sai nos jornais. Enquanto a agenda for ditada pela imprensa corporativa, estaremos lá, mordendo os pés da mídia, servindo-lhe de contraponto e freiando-lhe a ambição de manipular os parlamentares. Aguardo ansiosamente, no entanto, o momento em que poderemos responder-lhes, aos abutres da nossa soberania, com um solene bocejo.

13 de julho de 2009

O mesmo de sempre

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Na sexta-feira, acompanhei minha mulher a um lugar em Botafogo, e fiquei esperando numa lanchonete enquanto ela resolvia seu problema. Sem ter o que fazer, atravessei a rua e comprei a Folha de São Paulo. Já falei pra vocês: eu gosto de jornal, talvez porque eu seja viciado em ler. Quando não tenho nada para ler num banheiro, por exemplo, abro minha carteira e examino minha identidade, ou o desenho numa cédula. Cansei de observar onças, tartarugas, tamanduás, toda a fauna brasileira estampada no glorioso dinheiro nacional. Enfim, comprei a Folha e voltei à lanchonete. Pedi um chope e, de pé mesmo (é tão bom beber chop de pé!), pus-me a folhear, com prazer semelhante ao de contemplar um mico-leão-dourado. Reparem que usei uma palavra que odeio: pus-me. Foi proposital, já que este jornal parece uma enorme ferida babando pus. Certamente, se eu não possuísse o privilégio de ter esse canal de desabafo, autodefesa ideológica e trincheira antimidiática, já teria desistido, há tempos, de dar atenção a esses boçais.

Então esbarrei na coluna do venerando Clóvis Rossi, na qual (pasmem, ou melhor, pusmem), ele desanca Lula e o petismo! Que novidade! Começa mais ou menos assim: “era uma vez a teoria da mídia golpista cantada por intelectuais vendidos ao PT e pela mídia chapa branca”. Rossi leu que Berlusconi culpou a imprensa por seus problemas. Daí, por uma analogia fascinante e original, ele compara o primeiro ministro italiano a Lula. Omitiu alguns detalhes, claro, como o fato de Berlusconi ser o homem mais rico da Itália e proprietário dos principais canais de TV, jornais e rádios. Outros detalhes, como o fato do partido de Berlusconi patrocinar uma política de extrema direita, também são, convenientemente, postos de lado. Ou melhor, "pustos" de lado.

O que me chamou a atenção, no entanto, não foi isso. Quer dizer, não foi esse texto previsível, leviano e rasteiro que despertou meu interesse. O que me tocou foi o fato de eu não ter ficado tão irritado. Senti desprezo, só, e um pouco de melancolia em constatar que milhares de árvores foram derrubadas para imprimir estultices. Afinal, que espécie de análise política se pode esperar de uma coluna com o número de caracteres tão restrito, e sem a mínima abertura ao contraditório? Essa é a grande força e a grande superioridade da blogosfera. Um textinho imbecil como aquele seria massacrado na internet. Milhares de cidadãos brasileiros publicariam comentários engraçados, ofensivos, raivosos, sentimentais, astutos, desmoralizando cabalmente o colunista da Folha. Somente a proteção quentinha do papel impresso possibilita esse tipo de mediocridade militante. O que me impressiona, sobretudo, é a baixa qualidade intelectual de colunistas como Clovis Rossi. Encontramos, na internet, na seção de comentários, milhares de pensamentos infinitamente mais originais do que as colunas de opinião da Folha de São Paulo – e que não consomem as árvores de nossas florestas.

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A Miriam Leitão voltou a ficar louca, se é que algum dia deixou de sê-lo. Diante da possibilidade do governo iniciar um programa inédito de redução da carga tributária sobre a folha salarial, o que é, a meu ver, um problema real no Brasil, ela agora é contra. Diz que o governo já reduziu imposto demais e não tem como ampliar os cortes. Depois de anos pregando contra a carga tributária, Leitão se torna, de súbito, defensora dos impostos altos.

Na realidade, ela está totalmente destrambelhada. Suas previsões catastróficas não se realizam e ela começa (assim espero) a desconfiar que vem se tornando motivo de chacota pública. A reação, todavia, ao invés de vir na forma de uma revisão de atitudes, manifesta-se por uma intensificação de histeria e demonstração de desequilíbrio emocional.

Entretanto, há um ponto que começo a gostar na Miriam. Na falta de um apoio mais firme para criticar o governo, ela vem ensaiando tornar-se uma ecoxiita, uma ambientalista radical. Acho ótimo. É uma tremenda evolução, e o governo precisa mesmo ser fortemente criticado nessa área. Não porque esteja (necessariamente) fazendo feio, mas porque sempre se pode fazer melhor. Além disso, prefiro mil vezes uma Miriam ecoxiita do que a profetiza de calamidades sociais e econômicas que ela vem sendo nos últimos anos.

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Neste domingo, o Globo publica uma reportagem adorável. Num acesso esquizóide de franqueza, o jornal informa que a fonte de uma matéria sobre o governo federal é um secretário do governo de São Paulo, do PSDB. Então tá, façam matérias sobre o flamengo consultando os torcedores do vasco... Será que deram emprego para o Tarso da novela? O texto critica o aumento de gastos do governo federal, dizendo que se trata de uma bomba a estourar no colo da próxima gestão. A matéria, ironicamente, parece uma belíssima peça de propaganda de Lula, pois mostra aumento de gastos como: merenda e transporte escolar, auxílios sociais, financiamento a pequena agricultura, e assim vai. Estou curioso para saber que doente vai criticar aumento de gastos em merenda escolar...

O que a matéria não diz – também aí é querer demais – é que, com a redução dos juros básicos, o governo está economizando dezenas, quiçá centenas, de bilhões de reais por ano, e este dinheiro, em vez de pagar banqueiros e rentistas, está sendo usado em programas sociais, aumento do salário mínimo e reajuste do funcionalismo.

Aliás, sobre o funcionalismo, acho impressionante a campanha midiática contra as demandas trabalhistas do serviço público. A direita deixa bem claro que pretende realizar um choque de gestão no serviço público brasileiro através de arrocho salarial e demissão em massa. Recentemente, a prefeitura de São Paulo tomou uma decisão estarrecedora. Muita gente da esquerda, inocentemente, aprovou a medida. Trata-se da publicação dos salários dos funcionários da prefeitura na internet.

Meu Deus! Que grosseria. Não sou, por princípio, contra uma medida como essa. Mas fazer isso unilateralmente, sem negociação com os sindicatos, é uma violência imperdoável, que só demonstra o incompreensível ódio ideológico que a direita alimenta contra o funcionalismo público. Os prejudicados, como sempre, são a parte mais fraca, aqueles trabalhadores que residem em áreas pobres, que possuem famíliares em situação financeira precária, e que passarão pelo constrangimento de saber que todos seus parentes e amigos pidões estão agora cientes de quanto eles ganham.

Passado um tempo, a situação se estabilizará, mas quem pagará pelo sofrimento moral desses trabalhadores? Salário, afinal, sempre foi uma informação privativa. O sujeito trabalha no setor público mas tem direito a privacidade. Não é um político eleito, com imagem pública. Qual a grande vantagem que a sociedade brasileira obterá em saber que aquele fulaninho da repartição ganha 1.105 reais ao mês? Além disso, numa cidade com problemas trágicos de assalto e sequestro, como São Paulo, será um prato feito para os ladrãozinhos de bairro saberem que sicrano, que todo mundo achava que não possuía um centavo, ganha 7.200. De qualquer forma, o mínimo que podiam fazer era estabelecer um cronograma de divulgação, para que os trabalhadores se preparassem para essa novidade. Divulgaram tudo no susto, sem o menor respeito para com a opinião dos funcionários.

Transparência é importante, claro, mas também não pode virar uma pantomina, uma palhaçada. O que a sociedade quer ver publicada na internet é a planilha das obras públicas, a jogatina de precatórios e títulos, essas coisas, e não o salário de todos os barnabés do município.

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A mídia brasileira está sonegando informações sobre o golpe em Honduras. Os acontecimentos mais graves, como a suspensão dos direitos civis, e a repressão aos órgãos de imprensa críticos ao golpe, têm sido omitidos. Reproduzo aqui um comentário que alguém deixou no post anterior, reproduzindo nota da Reuters:

Periodistas abandonan Honduras -
Tegucigalpa. Miembros de la cadena venezolana VTV y de Telesur abandonan el hotel donde se hospedaban, luego de que policías hondureños detuvieron a integrantes de su equipo, según denunciaron los mismos periodistas. Reuters

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Fizeram (e continuam fazendo) aquele escarcéu todo em cima do Irã, onde ocorreram ELEIÇÕES DEMOCRÁTICAS, e agora abafam o que acontece aqui do lado, em Honduras: um golpe de estado contra um presidente eleito em sufrágio universal, num continente traumatizado por esse tipo de acontecimento. E mais: porque nenhum desses colunistas da grande mídia não opina sobre a posição da Veja, que não só apoiou o golpe de estado em Honduras como deixou claro que o mesmo poderia ocorrer aqui? Reitero: são uns golpistas filhos da puta. A hora de cada um ainda vai chegar. Esse episódio em Honduras, apesar de trágico, teve o mérito de desvelar a carantonha golpista e racista da direita latino-americana. A Sociedade Interamericana de Imprensa está caladinha até agora, o que é outra coisa inacreditável. Zuenir Ventura, que eu admirava, publicou coluna em que dizia ter visto e revisto, várias vezes, o vídeo que mostrava a garota iraniana morrendo. Que espécie de tarado vê e revê uma coisa dessas? E aí vem com um texto em que descreve, em detalhes, a morte da moça. Para quê? Qual a finalidade disso? Mostrar a crueldade desumana dos iranianos? Ou fazer o joguinho da direita bélica americana? Ora, valha-me Deus. Morrem milhares de pessoas por semana no Iraque e o mundo não está nem aí. Na África sub-saariana, morrem milhões por ano, das formas mais humilhantes, de doença e fome, em países que nem eleições tem, e esse lacerdinha não fala nada? Eu admirava o Zuenir pelos livros "1968: o ano que não terminou" e "Cidade Partida", mas, diante de sua pusilanimidade senil e desinformada, eu fico, ao mesmo tempo que tentado a repensar a qualidade de suas obras, desinteressado totalmente em ler qualquer coisa sua no futuro. O dinheirinho fácil da grande mídia está ajudando a desfazer muitos mitos do jornalismo tupiniquim.

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Tô falando. O Globo intoxica qualquer um. Até Chico Caruso, até ele, converteu-se num verdugozinho da direita. Em charge publicada no Globo desta segunda-feira, 13 de julho, vemos cinco presidentes da república, eleitos pelo sufrágio universal, do Irã, Paraguai, Bolívia, Chávez e Equador, sob o chapéu: "Andar para trás? Agora só com os Ahmadinejackson Five"! Meu Deus! Ainda procurei o novo ditadorzinho de Honduras por ali, mas não, ele colocou só o "eixo do mal" do Bush. Com certeza vai ganhar presentinho do Ali Kamel.

12 de julho de 2009

Comprem o livro de Altamiro Borges: "A ditadura da mídia"

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Leiam abaixo o texto de apresentação do livro "A ditadura da mídia", de Altamiro Borges, escrito (o texto abaixo e o livro) por ele mesmo.

A mídia hegemônica vive um paradoxo. Ela nunca foi tão poderosa no mundo e no Brasil, em decorrência dos avanços tecnológicos nos ramos das comunicações e das telecomunicações, do intenso processo de concentração e monopolização do setor nas últimas décadas e da criminosa desregulamentação do mercado que a deixou livre de qualquer controle público. Atualmente, ela exerce a sua brutal ditadura midiática, manipulando informações e deturpando comportamentos. Na crise de hegemonia dos partidos burgueses, a mídia hegemônica confirma uma velha tese do revolucionário italiano Antonio Gramsci e transforma-se num verdadeiro “partido do capital”.

Por outro lado, ela nunca esteve tão vulnerável e sofreu tantos questionamentos da sociedade. No mundo todo, cresce a resistência ao poder manipulador da mídia, expresso nas mentiras ditadas pela CNN e Fox para justificar a invasão dos EUA no Iraque, na sua ação golpista na Venezuela ou na cobertura tendenciosa de inúmeros processos eleitorais. Alguns governantes, respaldados pelas urnas, decidem enfrentar, com formas e ritmos diferentes, esse poder que se coloca acima do Estado de Direito. Na América Latina rebelde, as mudanças no setor são as mais sensíveis.

No caso do Brasil, a mídia controlada por meia-dúzia de famílias também esbanja poder, mas dá vários sinais de fragilidade. Na acirrada disputa sucessória de 2006, o bombardeio midiático não conseguiu induzir o povo ao retrocesso político. Pesquisas recentes apontam queda de audiência da poderosa TV Globo e da tiragem de jornalões tradicionais. O governo Lula, com todas as suas vacilações, adota medidas para se contrapor à ditadura midiática, como a criação da TV Brasil e a convocação da primeira Conferência Nacional de Comunicação.

Este quadro, com seus paradoxos, coloca em novo patamar a luta pela democratização da mídia e pelo fortalecimento de meios alternativos, contra-hegemônicos, de informação. Este desafio se tornou estratégico. Sem enfrentar a ditadura midiática não haverá avanços na democracia, nas lutas dos trabalhadores por uma vida mais digna, na batalha histórica pela superação da barbárie capitalista e nem mesmo na construção do socialismo. Aos poucos, os partidos de esquerda e os movimentos sociais percebem que esta luta estratégica exige o reforço dos veículos alternativos, a denúncia da mídia burguesa e uma plataforma pela efetiva democratização da comunicação.
O livro A ditadura da mídia tem o modesto objetivo de contribuir com este debate. Não é uma obra acadêmica, mas uma peça de denúncia política. Ela não é neutra nem imparcial, mas visa desmascarar o nefasto poder da mídia hegemônica e formular propostas para a democratização dos meios de comunicação. O livro foi prefaciado pelo professor Venício A. de Lima, um dos maiores especialista no tema no país, e apresenta também um comentário do jornalista Laurindo Lalo Leal Filho, ouvidor da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Ele reúne cinco capítulos:

1- Poder mundial a serviço do capital e das guerras;
2- A mídia na berlinda na América Latina rebelde;
3- Concentração sui generis e os donos da mídia no Brasil;
4- De Getúlio a Lula, histórias da manipulação da imprensa;
5- Outra mídia é urgente: as brechas da democratização.

O exemplar custa R$ 20,00. Na venda de cotas para entidades sindicais e populares (acima de 50 exemplares), o valor unitário é de R$ 10,00. Para adquirir sua cota, escreva para: aaborges1@uol.com.br.

Altamiro Borges.

Clique aqui para ir ao blog do Altamiro Borges.

8 de julho de 2009

A hora e a vez do negrinho

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Essa é boa, essa é muito boa. O ministro de relações exteriores de Honduras, Henrique Ortez, em entrevista para um canal de TV local, afirmou que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, era "um negrinho que sequer conhecia Tegucigalpa". Depois pediu desculpas, não sei se antes ou depois da embaixada americana no país fazer um "protesto veemente". Mas isso não é uma coisa passível de "desculpas". No Brasil, se uma autoridade fizesse uma afirmação dessas, seria imediatamente linchada pela opinião pública, tanto a verdadeira (ruas e internet), quanto a "de mentirinha", ou seja, pelos seis ou sete colunistas da imprensa corporativa.

Não se pede desculpas por uma coisa dessas. Não estamos diante de um deslize diplomático, mas de uma manifestação explícita de racismo. Em primeiro lugar, ofende a maioria do povo hondurenho, formado por mestiços, negros e índios, ofendendo igualmente negros e mestiços do mundo inteiro. Em segundo, revela o imbricamento ideológico entre o racismo e a direita política, que existe em todo o continente americano. Hugo Chávez e Morales têm sido, sistematicamente, agredidos racialmente em seus países. Esse racismo é sinal de decadência política, degeneração moral, desequilíbrio psicológico e uma profunda ignorância. Aliás, sobre ignorância, esse comportamento mostra que há uma espécie de ignorância infinitamente mais perniciosa do que o tropeçar na sintaxe, num detalhe jurídico, numa etiqueta diplomática qualquer. Falamos aqui de preconceito racial, uma violência que constitui agressão indescritível à dignidade humana.

Diversas fontes informam que teriam morrido mais de cinquenta pessoas nos últimos enfrentamentos. A mídia brasileira prossegue sonegando informações e a inteligentzia corporativa (ou seja, os escribas midiáticos), sempre tão pronta a vender sua indignação, parece não ter recebido nenhuma oferta generosa, visto que não encontramos, até agora, nenhuma demonstração um pouco mais emotiva sobre os acontecimentos.

O tal chanceler hondurenho não parou nas ofensas racistas à Obama. Referindo-se à El Salvador, ele disse que: "Não vale a pena [falar de El Salvador]. Não quero falar sobre um país tão pequeno que nem se pode jogar futebol porque a bola sai."

É muito engraçado. Ou melhor, é tragicômico. Honduras, país menor que o Sergipe, esnobando do tamanho de El Salvador! Essa é a direita apoiada entusiasticamente pela revista Veja.

Lula falou grosso, em Paris, contra o governo golpista de Honduras. Os olhos da América Latina agora se voltam para "o negrinho". Qual será a reação de Obama quando ele ler nos jornais ou algum assessor lhe contar que foi vilipendiado torpemente por um governo sem nenhuma legitimidade democrática, um governo criminoso e golpista?

Obama é um negro orgulhoso, como todos os negros norte-americanos. Mas também, como a maioria dos americanos, é infinitamente pragmático. Creio que a resposta de Obama não será um latido, mas uma belíssima e definitiva mordida. Afinal, até as moscas paulistas sabem que os EUA tem poder político, militar e financeiro para esmagar o governo golpista de Honduras com a mesma facilidade com que Obama matou um jornalista da Ditabranda.

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Procurando no Google imagens de Honduras, esbarrei no blog sabe de quem? Do Gabeira. E não é que a nossa "instalação artística" também não se posiciona claramente neste caso? Nos dois posts que escreveu sobre o tema, Gabeira se mantém em cima do muro, ficando ainda mais à direita do que os jornalões. Confira os posts de Gabeira, reproduzidos abaixo. É estarrecedor perceber no que Gabeira se tornou, um político sem opinião, medíocre, guiado pela mídia como um cordeirinho. Gabeira diz que está se informando pelos "jornais" de Honduras, "como El Heraldo, conservador". Nossa, que parlamentar mais bem informado! No post mais recente, de 28 de junho de 2009, parece torcer contra o presidente deposto, ao afirmar que "Zelaya já está de pijamas". Não imaginaste, ó tolo Gabeira, a reação feroz que o golpe iria desencadear no mundo inteiro? Claro que não. Agora tu és um "ético" e tua única preocupação é tranquilizar as senhorinhas indignadas do Leblon com um discursinho lacerdista qualquer.


28.06.2009
Zelaya já está de pijamas

A esta hora do domingo, o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, já está de pijamas na Costa Rica. O golpe que o derrubou teve como objetivo evitar que fizesse um referendo para continuar no poder , depois de janeiro. Mesmo sem apoiar o referendo, vale perguntar se não havia outro caminho para punir o presidente eleito, uma vez que o referendo ainda não havia sido realizado. Estados Unidos, Brasil e OEA condenaram o golpe militar. Os norte-americanos foram claros ao dizerem que o presidente não era Micheletti (eleito pelo Congresso) mas sim o que foi deposto. Chávez afirmou que um embaixador da Venezuela foi sequestrado, assim como o representante de Cuba. Prometeu retaliação militar. Será grave a crise a partir de Honduras, embora talvez não tenha o desfecho dramático que Chávez está prevendo.
Gabeira

28.06.2009
Honduras em transe

A chapa está fervendo em Honduras. O presidente Manuel Zelaya teria sido preso. Zelaya foi eleito pela direita e agora quer se aproximar da esquerda, com um projeto parecido com o de Chávez. Nesse momento, parece que apenas grupos rivais aparecem nas ruas de Tegucigalpa, sem incidentes sérios. Chávez pediu a intervenção de Obama para salvar seu aliado. O Brasil terá de entrar nessa dança. Estamos acompanhando o que se passa, através dos informes dos jornais hondurenhos. El Heraldo, conservador, considera que a partida está chegando ao final e que Zelaya não respeitou a Constituição, partindo para o modelo de consultas populares, como Chávez e Morales.
Gabeira

7 de julho de 2009

Sarney e a República de Weimar

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(Pois é, não resisti. Deixei o trabalho de lado e corri pra cá).

Eis que Sarney se torna o inimigo público número um! Ele é a vítima perfeita, pelas mesmas razões que Renan Calheiros também era uma excelente presa para os ódios midiáticos. Sarney não tem a simpatia da esquerda porque é um político conservador e tradicionalista. E desde que tornou-se um importante suporte do governo Lula, perdeu também a simpatia das direitas. Restou-lhe a tolerância morna, quase indiferença, do centro político da opinião pública.

A campanha midiática contra Sarney, portanto, conseguiu ganhar corpo com imensa facilidade. Por quê?

1) Por que a mídia tem facilidade de fazer campanha contra qualquer um, sobretudo se apoiar Lula. Se o Papa elogiar Lula, no dia seguinte, encontraremos todos os podres dele estampados nos jornais. Obama, que chamou Lula de "o cara", perdeu a graça junto a mídia. A cobertura da política obamista esfriou repentinamente.

2) Sarney pertence a uma das famílias mais enraizadas na política. Tem centenas, talvez milhares, de parentes e contraparentes e sei lá mais quem trabalhando com política. Achar um sobrinho, um apadrinhado, um amigo-do-filho de Sarney trabalhando em alguma das milhões de sinecuras de Brasília é a coisa mais fácil do mundo. Mas pelo menos a filha do Sarney, Roseana, foi pra rua e elegeu-se pelo voto popular, ao contrário da filha de FHC, que, ao ser flagrada trabalhando "em casa" para o senador Heráclito Fortes, reagiu dizendo que "o Senado é uma bagunça". Essa arrogância, de comer no prato onde se refestelou, é de lascar.

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O que está em jogo, afinal, não é o destino de Sarney, mas a cadeira de presidente do Senado num momento em que a oposição, com apoio obstinado e histérico da mídia, se prepara para iniciar a CPI da Petrobrás. A mídia está louca para trocar Sarney por outro menos comprometido com a governabilidade. Fale-se o que quiser de Sarney, mas ele tem prestado um importante apoio ao presidente Lula.

O Senado é o calcanhar de aquiles do governo Lula. É onde a oposição é mais forte. Por isso, a mídia se ocupa tanto do Senado, porque sabe que é ali que pode surgir um ataque efetivo ao presidente Lula. O Senado pode votar um pedido de impeachment. Pode atrasar indefinidamente a liberação de um orçamento. Pode destruir, através de uma CPI bem orientada, a reputação de uma candidata...

Ao infernizar a vida dos senadores da base aliada, a mídia manda o seu recado: tudo bem, podem apoiar Lula, mas pagarão caro por isso!

A campanha para derrubar Sarney, no entanto, não desgasta somente o Senado. Serve também para mostrar à classe política que ela não pode mais fugir à batalha ideológica travada nos meios de comunicação. Deve partir para o enfrentamento usando as armas que os eleitores deram. As armas são as leis. Se existem legisladores, é porque as leis precisam estar sendo constantemente atualizadas para dar conta de uma realidade dinâmica que muda a cada instante.

A classe política precisa, portanto, votar leis que moralizem a comunicação pública no Brasil. E agora que teremos também um Parlamento do Mercosul, cumpre estabelecer parâmetros legais e democráticos comuns a todo continente americano.

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A situação de Sarney lembrou-me a República de Weimar, o breve governo republicano e democrático que vigiu na Alemanha entre as duas grandes guerras, e que foi derrubado pelo nazismo. A república era atacada duramente pela esquerda e pela direita. O país enfrentava uma severa crise econômica, em consequência da derrota militar em 1918 e agravada pela crise das bolsas em 1929, e os políticos do weimar se tornaram, de repente, símbolo de todos os males que afligiam os alemães. A república de weimar era o sarney germânico. Os sindicatos alemães, muito fortes e organizados, uniram-se à campanha das elites para desmoralizar o governo. Os objetivos eram opostos, naturalmente, mas o adversário era um só. Enfim, conseguiram derrubar a república. E daí nasceu o nazismo.

A lição dessa história é que os sindicatos alemães e a inteligentzia de esquerda incorreram num imperdoável erro estratégico. Ajudaram a desestabilizar um governo sem considerar as consequências para a classe trabalhadora, para o povo alemão em geral, e para o mundo. É sempre confortável unir-se à gritaria moralista e vociferar que os políticos são todos corruptos. Mas e aí? Quid prodest? A quem beneficia a campanha? Remover Sarney da presidência do Senado às vésperas da instalação da CPI da Petrobrás me parece extremamente oportuno para a direita golpista, para essa direita que, agora vemos claramente, ainda acredita em golpes militares.

Link da ilustração.

Honduras em chamas

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O que acontece em Honduras talvez seja, como já disse em outro post, a última grande batalha pela democracia na América Latina. Todos os elementos que caracterizam o clássico golpe de Estado latino-americano, incluindo aí o golpe no Brasil, estão presentes em Honduras. Mídia + elite + exército.

O papel do exército e das elites vêm sendo abordado por nossa imprensa, embora com as distorções de sempre. A grande ausência na cobertura midiática dos eventos em Honduras é a função da mídia local e regional na construção de um discurso ideológico que explique e justifique uma violência dessa magnitude. Um golpe desses não se constrói de um dia para outro. É resultado de um processo lento e eficaz de desgaste das instituições democráticas, a começar pela presidência da república. A instituição mais democrática de todas é a presidência da república e não é por outra razão que as mídias golpistas do continente atacam-na mais encarniçadamente. Os elementos reacionários da América Latina sempre se penduraram nos supremos tribunais, que abusam de seu poder para lançar as leis ao fogo - ao mesmo tempo em que bradam defendê-las!

Neste exato momento, em Honduras, há grande revolta contra alguns jornais e canais de TV, que não estão informando a população sobre as greves, manifestações e repressões que acontecem em todo país. Há, portanto, duas grandes violações da liberdade de opinião neste momento, em Honduras. A primeira é o fechamento de jornais contrários ao golpe. O segundo é a manipulação das notícias por parte das empresas pró-golpistas. A demora da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) em se posicionar sobre estes acontecimentos, torna-a cúmplice. A mesma coisa vale para os meios de comunicação brasileiros. E a defesa, pela Veja, do golpe de Estado em Honduras, inclusive com a sugestão reiterada de que o mesmo poderia ser feito no Brasil, deixa qualquer democrata estarrecido.

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Não é compreensível, portanto, que um senador da república do partido dos trabalhadores, do partido do presidente da república, o senhor Tião Viana, permita-se dar uma entrevista à revista Veja!

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Ainda sobre Honduras, esse texto de Laerte Braga, via Azenha, pega na veia.

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Nessas horas que vemos a importância da Carta Maior. O site está fazendo uma excelente cobertura dos acontecimentos em Honduras. Destaco três artigos:

1) Este, de Sandra Russo, analisando como o golpe em Honduras excitou as direitas em todo continente.

2) Esse, do sempre impagável Gilson Caroni, meu articulista político preferido nos últimos tempos.

3) Este outro, também traduzido pela Katarina Peixoto.

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Tem um outro da própria Katarina, publicado na Carta Maior.

Link da ilustração.

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Esse outro artigo, via Azenha, também esclarece alguns pontos.

Dilemas antimidiáticos

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(Ronald Binnie)


Nós blogueiros vivemos um dilema. A situação, afinal, é um tanto ridícula. Desde que me entendo por gente eu leio O Globo. Minha família não apenas lia O Globo, como vivia dele. Meu pai trabalhou lá, como Repórter Especial, por quinze anos, na área de Economia. Ele só largou esse "empregão" por um outro ainda melhor, onde trabalharia como chefe. Sempre foi bem tratado pela família Marinho. Detalhe: meu pai era comunista. Sempre foi comunista. Estudou na Tchecoslováquia com bolsa de um governo comunista. Mas "renunciou" a qualquer ideologia já nos anos 70, aparentemente frustrado com a invasão soviética à... Tchecoslováquia.

Enfim, meu pai foi comunista quando todo intelectual era comunista e deixou de sê-lo quando todos deixaram de sê-lo. Passou inclusive a votar no PSDB, o que gerava discussões políticas homéricas em casa, porque eu, muito cedo, já percebera que o engodo neoliberal era um capitalismo pra otários do terceiro mundo. Infelizmente, meu pai morreu no início de 1999, antes do debacle cambial do país, que revelou a gigantesca fraude eleitoral perpetrada por FHC, que, para garantir a vitória nas urnas, esvaziou nossas reservas internacionais. Se ele não tivesse morrido, eu teria vencido, magistralmente, aqueles encarniçados debates domésticos...

Meu pai trabalhou no JB, no Correio da Manhã, até que caiu na rede macia dos platinados. Foi muito bem tratado, foi muito bem pago. Plano de saúde, viagens ao exterior, presentes ao final do ano, Tivoli Park gratuito para os filhos.

Meu pai largou o Globo nos anos 80, para ser editor da Revista do Café, depois saiu da Revista e abriu seu próprio jornal, o Coffee Business, a primeira newsletter especializada em café do Brasil. Aí eu entrei na jogada, trabalhando com ele, fazendo de tudo. Isso é outra história que conto depois.

Minha tese é a seguinte. Não tenho razão pessoal nenhuma para não gostar do jornal O Globo. Muito pelo contrário. Eu queria gostar do Globo, não só porque meu pai foi bem tratado por lá, mas porque eu gosto de ler jornal. Parafraseando Hegel, o jornal é o meu "café-da-manhã de realidade".

A coisa é ainda mais séria. Como carioca com veleidades literárias, minha posição antiglobal é profundamente prejudicial aos meus objetivos. Tenho contato com assessores de imprensa, e estou ciente como é importante, para um artista, para um empresário, para qualquer cidadão carioca com necessidade profissional de projeção pública, estabelecer uma boa relação com o jornal dos Marinho.

Quando existiam outros jornais, essa dependência era muito menor, porque um "desafeto" global sempre podia ganhar espaço junto aos concorrentes. Antes da ditadura militar, aliás, O Globo ocupava o terceiro ou quarto lugar no ranking de circulação no Rio, atrás do Correio da Manhã e do JB. Enquanto a ditadura asfixia seus concorrentes, o Globo ganha vultosos financiamentos públicos e consegue, inclusive, mudar a Constituição (vejam só, mudar a Constituição! Em Honduras fazem golpes de Estado diante desta possiblidade!) para que as Organizações Globo possam receber recursos financeiros dos Estados Unidos.

Concorrentes falidos, o jornal O Globo emerge no pós-ditadura exercendo o monopólio do jornalismo político e cultural do Rio de Janeiro. E a TV Globo, por sua vez, conquista um monopólio nacional. O poder imenso de Roberto Marinho torna-se lendário. Recordo que, desde garoto, ouvia as pessoas afirmarem que era ele, Roberto Marinho, quem mandava de fato no Brasil.

Voltando à minha tese, reitero que não tenho nenhum motivo pessoal para ter passado para este lado das trincheiras e me tornado um "combatente antimidiático". Estou consciente de quão quixotesco e ridículo isso deve soar aos ouvidos de muita gente. Eu mesmo procuro não me levar assim tão à sério. Há coisas na vida, no entanto, que nos arrastam, inexoravelmente. Minhas razões para atacar o Globo são políticas e ideológicas; e quanto mais se acentua o caráter reacionário e direitista do Globo, mais as paixões políticas me arrastam para as trincheiras antimidiáticas.

Confesso que tento fugir o tempo todo. Invento mil subterfúgios. Trabalho, leituras, lazer, há tanta coisa a fazer. A troco de que eu preciso me lançar nesta batalha quixotesca, perdendo meu tempo respondendo a figurinhas tão absolutamente medíocres como Cora Ronai? Não sei. Patriotismo? Justiça? Esses conceitos parecem tão ridículos, tão falsos... A onda de cinismo que se espraiou sobre o cenário cultural brasileiro é tão poderosa, tão elegante, tão inteligente, que humilha e esmaga esse tipo de coisa... Evito, portanto, por defesa pessoal, sequer pensar nesses termos. Guio-me pelo sentimento, ou seja, pela minha loucura, e já li Don Quixote.

O grande dilema a que eu me referia no início do post, portanto, é o seguinte: se desprezamos tão solenemente a mídia corporativa, que identificamos com os interesses políticos mais mesquinhos e mais reacionários, não seria melhor simplesmente não falar dela? Não seria melhor esquecê-la completamente? Talvez. Talvez num momento futuro, e não muito no futuro, essa seja a melhor estratégia. Mas não podemos, agora, subestimar o adversário. Ele agoniza, mas ainda berra alto. Lembra-me os porcos que meu pai mandava matar lá no sítio. Sabe porque é difícil matar porco? Porque o coração dele fica escondido no meio do peito, protegido por ossos, músculos e muita gordura. E o pobrezito sente dor, naturalmente, e seus gritos parecem gritos humanos.

Esses pensamentos todos me ocorreram enquanto lia o Globo hoje. De certa forma, sinto-me até agradecido ao jornal por me proporcionar tanto assunto. Imagino que os jacobinos deviam experimentar uma sensação semelhante diante dos aristocratas presos: ah, obrigado pelo prazer de cortarmos suas cabeças!