(Ronald Binnie)
Nós blogueiros vivemos um dilema. A situação, afinal, é um tanto ridícula. Desde que me entendo por gente eu leio O Globo. Minha família não apenas lia O Globo, como vivia dele. Meu pai trabalhou lá, como Repórter Especial, por quinze anos, na área de Economia. Ele só largou esse "empregão" por um outro ainda melhor, onde trabalharia como chefe. Sempre foi bem tratado pela família Marinho. Detalhe: meu pai era comunista. Sempre foi comunista. Estudou na Tchecoslováquia com bolsa de um governo comunista. Mas "renunciou" a qualquer ideologia já nos anos 70, aparentemente frustrado com a invasão soviética à... Tchecoslováquia.
Enfim, meu pai foi comunista quando todo intelectual era comunista e deixou de sê-lo quando todos deixaram de sê-lo. Passou inclusive a votar no PSDB, o que gerava discussões políticas homéricas em casa, porque eu, muito cedo, já percebera que o engodo neoliberal era um capitalismo pra otários do terceiro mundo. Infelizmente, meu pai morreu no início de 1999, antes do debacle cambial do país, que revelou a gigantesca fraude eleitoral perpetrada por FHC, que, para garantir a vitória nas urnas, esvaziou nossas reservas internacionais. Se ele não tivesse morrido, eu teria vencido, magistralmente, aqueles encarniçados debates domésticos...
Meu pai trabalhou no JB, no Correio da Manhã, até que caiu na rede macia dos platinados. Foi muito bem tratado, foi muito bem pago. Plano de saúde, viagens ao exterior, presentes ao final do ano, Tivoli Park gratuito para os filhos.
Meu pai largou o Globo nos anos 80, para ser editor da Revista do Café, depois saiu da Revista e abriu seu próprio jornal, o Coffee Business, a primeira newsletter especializada em café do Brasil. Aí eu entrei na jogada, trabalhando com ele, fazendo de tudo. Isso é outra história que conto depois.
Minha tese é a seguinte. Não tenho razão pessoal nenhuma para não gostar do jornal O Globo. Muito pelo contrário. Eu queria gostar do Globo, não só porque meu pai foi bem tratado por lá, mas porque eu gosto de ler jornal. Parafraseando Hegel, o jornal é o meu "café-da-manhã de realidade".
A coisa é ainda mais séria. Como carioca com veleidades literárias, minha posição antiglobal é profundamente prejudicial aos meus objetivos. Tenho contato com assessores de imprensa, e estou ciente como é importante, para um artista, para um empresário, para qualquer cidadão carioca com necessidade profissional de projeção pública, estabelecer uma boa relação com o jornal dos Marinho.
Quando existiam outros jornais, essa dependência era muito menor, porque um "desafeto" global sempre podia ganhar espaço junto aos concorrentes. Antes da ditadura militar, aliás, O Globo ocupava o terceiro ou quarto lugar no ranking de circulação no Rio, atrás do Correio da Manhã e do JB. Enquanto a ditadura asfixia seus concorrentes, o Globo ganha vultosos financiamentos públicos e consegue, inclusive, mudar a Constituição (vejam só, mudar a Constituição! Em Honduras fazem golpes de Estado diante desta possiblidade!) para que as Organizações Globo possam receber recursos financeiros dos Estados Unidos.
Concorrentes falidos, o jornal O Globo emerge no pós-ditadura exercendo o monopólio do jornalismo político e cultural do Rio de Janeiro. E a TV Globo, por sua vez, conquista um monopólio nacional. O poder imenso de Roberto Marinho torna-se lendário. Recordo que, desde garoto, ouvia as pessoas afirmarem que era ele, Roberto Marinho, quem mandava de fato no Brasil.
Voltando à minha tese, reitero que não tenho nenhum motivo pessoal para ter passado para este lado das trincheiras e me tornado um "combatente antimidiático". Estou consciente de quão quixotesco e ridículo isso deve soar aos ouvidos de muita gente. Eu mesmo procuro não me levar assim tão à sério. Há coisas na vida, no entanto, que nos arrastam, inexoravelmente. Minhas razões para atacar o Globo são políticas e ideológicas; e quanto mais se acentua o caráter reacionário e direitista do Globo, mais as paixões políticas me arrastam para as trincheiras antimidiáticas.
Confesso que tento fugir o tempo todo. Invento mil subterfúgios. Trabalho, leituras, lazer, há tanta coisa a fazer. A troco de que eu preciso me lançar nesta batalha quixotesca, perdendo meu tempo respondendo a figurinhas tão absolutamente medíocres como Cora Ronai? Não sei. Patriotismo? Justiça? Esses conceitos parecem tão ridículos, tão falsos... A onda de cinismo que se espraiou sobre o cenário cultural brasileiro é tão poderosa, tão elegante, tão inteligente, que humilha e esmaga esse tipo de coisa... Evito, portanto, por defesa pessoal, sequer pensar nesses termos. Guio-me pelo sentimento, ou seja, pela minha loucura, e já li Don Quixote.
O grande dilema a que eu me referia no início do post, portanto, é o seguinte: se desprezamos tão solenemente a mídia corporativa, que identificamos com os interesses políticos mais mesquinhos e mais reacionários, não seria melhor simplesmente não falar dela? Não seria melhor esquecê-la completamente? Talvez. Talvez num momento futuro, e não muito no futuro, essa seja a melhor estratégia. Mas não podemos, agora, subestimar o adversário. Ele agoniza, mas ainda berra alto. Lembra-me os porcos que meu pai mandava matar lá no sítio. Sabe porque é difícil matar porco? Porque o coração dele fica escondido no meio do peito, protegido por ossos, músculos e muita gordura. E o pobrezito sente dor, naturalmente, e seus gritos parecem gritos humanos.
Esses pensamentos todos me ocorreram enquanto lia o Globo hoje. De certa forma, sinto-me até agradecido ao jornal por me proporcionar tanto assunto. Imagino que os jacobinos deviam experimentar uma sensação semelhante diante dos aristocratas presos: ah, obrigado pelo prazer de cortarmos suas cabeças!
Enfim, meu pai foi comunista quando todo intelectual era comunista e deixou de sê-lo quando todos deixaram de sê-lo. Passou inclusive a votar no PSDB, o que gerava discussões políticas homéricas em casa, porque eu, muito cedo, já percebera que o engodo neoliberal era um capitalismo pra otários do terceiro mundo. Infelizmente, meu pai morreu no início de 1999, antes do debacle cambial do país, que revelou a gigantesca fraude eleitoral perpetrada por FHC, que, para garantir a vitória nas urnas, esvaziou nossas reservas internacionais. Se ele não tivesse morrido, eu teria vencido, magistralmente, aqueles encarniçados debates domésticos...
Meu pai trabalhou no JB, no Correio da Manhã, até que caiu na rede macia dos platinados. Foi muito bem tratado, foi muito bem pago. Plano de saúde, viagens ao exterior, presentes ao final do ano, Tivoli Park gratuito para os filhos.
Meu pai largou o Globo nos anos 80, para ser editor da Revista do Café, depois saiu da Revista e abriu seu próprio jornal, o Coffee Business, a primeira newsletter especializada em café do Brasil. Aí eu entrei na jogada, trabalhando com ele, fazendo de tudo. Isso é outra história que conto depois.
Minha tese é a seguinte. Não tenho razão pessoal nenhuma para não gostar do jornal O Globo. Muito pelo contrário. Eu queria gostar do Globo, não só porque meu pai foi bem tratado por lá, mas porque eu gosto de ler jornal. Parafraseando Hegel, o jornal é o meu "café-da-manhã de realidade".
A coisa é ainda mais séria. Como carioca com veleidades literárias, minha posição antiglobal é profundamente prejudicial aos meus objetivos. Tenho contato com assessores de imprensa, e estou ciente como é importante, para um artista, para um empresário, para qualquer cidadão carioca com necessidade profissional de projeção pública, estabelecer uma boa relação com o jornal dos Marinho.
Quando existiam outros jornais, essa dependência era muito menor, porque um "desafeto" global sempre podia ganhar espaço junto aos concorrentes. Antes da ditadura militar, aliás, O Globo ocupava o terceiro ou quarto lugar no ranking de circulação no Rio, atrás do Correio da Manhã e do JB. Enquanto a ditadura asfixia seus concorrentes, o Globo ganha vultosos financiamentos públicos e consegue, inclusive, mudar a Constituição (vejam só, mudar a Constituição! Em Honduras fazem golpes de Estado diante desta possiblidade!) para que as Organizações Globo possam receber recursos financeiros dos Estados Unidos.
Concorrentes falidos, o jornal O Globo emerge no pós-ditadura exercendo o monopólio do jornalismo político e cultural do Rio de Janeiro. E a TV Globo, por sua vez, conquista um monopólio nacional. O poder imenso de Roberto Marinho torna-se lendário. Recordo que, desde garoto, ouvia as pessoas afirmarem que era ele, Roberto Marinho, quem mandava de fato no Brasil.
Voltando à minha tese, reitero que não tenho nenhum motivo pessoal para ter passado para este lado das trincheiras e me tornado um "combatente antimidiático". Estou consciente de quão quixotesco e ridículo isso deve soar aos ouvidos de muita gente. Eu mesmo procuro não me levar assim tão à sério. Há coisas na vida, no entanto, que nos arrastam, inexoravelmente. Minhas razões para atacar o Globo são políticas e ideológicas; e quanto mais se acentua o caráter reacionário e direitista do Globo, mais as paixões políticas me arrastam para as trincheiras antimidiáticas.
Confesso que tento fugir o tempo todo. Invento mil subterfúgios. Trabalho, leituras, lazer, há tanta coisa a fazer. A troco de que eu preciso me lançar nesta batalha quixotesca, perdendo meu tempo respondendo a figurinhas tão absolutamente medíocres como Cora Ronai? Não sei. Patriotismo? Justiça? Esses conceitos parecem tão ridículos, tão falsos... A onda de cinismo que se espraiou sobre o cenário cultural brasileiro é tão poderosa, tão elegante, tão inteligente, que humilha e esmaga esse tipo de coisa... Evito, portanto, por defesa pessoal, sequer pensar nesses termos. Guio-me pelo sentimento, ou seja, pela minha loucura, e já li Don Quixote.
O grande dilema a que eu me referia no início do post, portanto, é o seguinte: se desprezamos tão solenemente a mídia corporativa, que identificamos com os interesses políticos mais mesquinhos e mais reacionários, não seria melhor simplesmente não falar dela? Não seria melhor esquecê-la completamente? Talvez. Talvez num momento futuro, e não muito no futuro, essa seja a melhor estratégia. Mas não podemos, agora, subestimar o adversário. Ele agoniza, mas ainda berra alto. Lembra-me os porcos que meu pai mandava matar lá no sítio. Sabe porque é difícil matar porco? Porque o coração dele fica escondido no meio do peito, protegido por ossos, músculos e muita gordura. E o pobrezito sente dor, naturalmente, e seus gritos parecem gritos humanos.
Esses pensamentos todos me ocorreram enquanto lia o Globo hoje. De certa forma, sinto-me até agradecido ao jornal por me proporcionar tanto assunto. Imagino que os jacobinos deviam experimentar uma sensação semelhante diante dos aristocratas presos: ah, obrigado pelo prazer de cortarmos suas cabeças!
Caro Miguel: Sou gaúcho, aqui do interior do RS e posso lhe dizer com total certeza: sinto a mesmo coisa que vc, mas com algumas diferenças. Já li um post seu dizendo que iria assinar novamente o Globo. Eu, de maneira alguma, assino o Globo aqui do RS, o jornal Zero Hora. De 1999 a 2002, governou este este estado o Sr. Olívio Dutra do PT, mas não deste PT do Tião Viana, que muito bem colocou vc, bundão, medo da mídia, o Olívio peitou, um pouco menos que o Brizola aí no Rio, mas deixou bem claro para os gaúchos que esta imprensa global aqui do Sul é um partido político. Quando o grande companheiro Olívio não teve a chance de disputar a reeleição, perdeu nas prévias para o Tarso Genro, estava desgastado até no PT pelos ataques covardes dos grupos midiáticos aqui do Sul, cancelei a Zero Hora. A partir daí, comecei a fazer campanha com pessoas próximas a mim para fazerem o mesmo, fui para o pau com este grupo RBS, com as armas que eu tinha, a PALAVRA. Hoje quando participo de debates, conversas, vejo que as pessoas estão muito mais concientes do partidarismo desta mídia, bem mais que 1999. É um fato. Óbvio que fico indignado quando vejo companheiros meus homenageando a RBS, como a petista Mária do Rosário, e tantos outros que se dizem de esquerda, mas eles são políticos, eu não. Enfim, o que eu lhe digo é o seguinte: Não gasto um centavo com a Zero Hora, leio em um restaurante que almoço, me indigno, perco a fome, mas dinheiro meu com este lixo, nem pensar, leio porque está ali a disposição. Mesma coisa para as revistas: Carta Capital, Caros Amigos, Fórum, Le Monde. Tenho discordância com todos estas revistas, mas são boas, de esquerda, gosto muito da Fórum. O resto, nada feito. Enfim, não compre, assine o globo, da asia, como diz o Lula, leia às vezes nos botecos tomando umas, sem compromisso. Abraço.
sandro, você tem toda razão. eu só não deixo de assinar o globo, porque a minha mulher gosta de ler o caderno cultural e o caderno feminino. só por isso.
Argh, do Rosário! Enfiar a faca no lugar certo, entre as costelas...cortar cabeças...tem hora que eu os odeio assim também. Mas, hoje em dia, prefiro que morram de enfarte, de derrame, ou de velhice mesmo, tipo velho rabugento e que fala mal de todo mundo. Lenta, mas seguramente acontecerá. Eles partirão. Deixarão talvez algumas crias. Mas estas já mestiçadas, convertidas em Brasil. Que vão, apenas! Ad aeternum.
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