A disputa pelo poder federal no Brasil, que começa a se intensificar agora, será extremamente importante não apenas para o país, mas para o mundo inteiro. Afinal, o Brasil é detentor de recursos naturais, humanos e industriais que muito interessam a toda comunidade internacional. Lembrando: o Brasil possui as maiores reservas de minério de ferro do planeta.
O fato de termos conseguido alcançar a autonomia em petróleo e possuir os maiores manancias de água potável do mundo também contam nas avaliações independentes que se fazem sobre o papel do Brasil na geopolítica global.
Além disso, o Brasil tem um papel extremamente relevante na América Latina. A política exterior brasileira tem ajudado todos os países latino-americanos a elegerem políticos de esquerda. O apoio de Lula a todos os candidatos de esquerda da América do Sul (Chávez, Moráles, Michelet, Tabarez, Kirchneer) são o maior cala-boca que o Brasil já deu no Tio Sam.
O México também poderá eleger um presidente de esquerda nas eleições deste ano, o atual prefeito da Cidade do México.
Por estas razões, a reeleição de Lula será extremamente importante para a continuidade da agenda progressista que se desenha no futuro próximo para a América Latina. Da mesma forma que os mercados temiam Lula na presidência, os movimentos sociais e segmentos importantes da sociedade brasileira agora temem a volta do PSDB ao poder federal.
Dito isto, vamos dar uma espiada nos campos de batalha. Esta semana, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ousou um traiçoeiro e inteligente ataque político contra o governo federal: declarou que a oposição precisa impor o tema do debate eleitoral, e este tema deverá ser a questão moral. Sem incluir nenhum termo que amainasse a desfaçatez, disse que "a conversa do governo é que a questão moral não conta mais. Conta, sim. Ladrão, não mais", disse FHC.
Se a opção tucana realmente concentrar-se sobre a questão moral, ela pode se dar mal. Por dois motivos muito importantes.
Primeiro porque a opção admite a vitória do governo em todos outros temas relevantes: política industrial, política exterior, política agrária, política social e política cultural.
Segundo porque - como disse o amigo Osvaldo Bertolino, em sua
última coluna no Vermelho, - FHC deveria lavar a boca três vezes antes de falar de corrupção no governo Lula.
Há dez anos, os jornalões vêm procurando a todo custo, tapar a podridão exalada pelo ex-governo tucano. A crise política, que exercitou de forma surpreendente a habilidade da imprensa, da oposição e mesmo de setores da esfera pública, de enxergar, criticar, e tirar proveito, dos menores deslizes cometidos por gente ligada ao governo, começa a produzir o velho efeito Bumerangue.
De fato, os mesmos jornalões que noticiaram com estardalhaço que no extrato daquelea figurão ligado ao PT constava 15 reais referentes a um site erótico, nunca deram nenhum destaque as putarias diárias que os paxás da direita nacional praticam há décadas.
Mas agora, algumas ações do Ministério Público e da Justiça Federal, contra figurões do PSDB e do PFL, incluindo o próprio ex-presidente FHC, estão obrigando a imprensa a dar algumas notas sobre o assunto.
A CPI das Privatizações, por exemplo. Uma corajosa desembargadora federal, de posse de toneladas de documentos e milhares de ações populares, decidiu reabrir a questão da privatização da Vale do Rio Doce. Lideranças progressistas que acompanharam, estarrecidos, a entrega da nossa empresa mais importante, mais poderosa e mais estratégica, por um preço aviltante, não perderam tempo e pularam no touro bravo. Criaram a CPI, se levada adianta, irá desvelar o mais assombroso assalto aos cofres públicos da História brasileira desde que D.Pedro I e corte voltaram a Portugal levando todo dinheiro do país.
Se FHC quiser realmente levar a questão moral adiante, terá que explicar porque jazidas inteiras de urânio, ouro, nióbio, não foram incluídas entre os bens da Vale, sendo entregues gratuitamente para empresas internacionais...
O fato é que a última pesquisa do Ibope sobre as eleições, que mostraram a surpreendente recuperação de Lula, causou não apenas espanto entre analistas políticos de jornalões, mas também certo temor. Afinal, se estávamos diante do mais escândalo de corrupção de todos os tempos, como explicar tal recuperação? Medidas populistas? Não, pelo contrário. O governo Lula pisou fortemente no freio em 2005. Discursos inflamados? Nada disso, Lula tem se mostrado inclusive bastante discreto, e durante a crise não produziu nada genial em termos de oratório, muito pelo contrário, a crise deixou-o visivelmente abatido.
Que fez Lula para reassumir a liderança nas pesquisas de intenção de voto?
Bem, a oposição nunca vai admitir, mas Lula fez simplesmente o que todo político deveria fazer: um governo competente, prudente, que ouve críticas e sabe alterar projetos quando se faz necessário.
Por exemplo, há pouco tempo, um repórter pegou o ministro do desenvolvimento, Luis Fernando Furlan, de mal humor e conseguiu uma frase dita meio impensadamente: o governo não tem projetos.
O repórter não perdeu tempo. Sem contextualizar a frase, que expressava alguma situação específica que deveria ocupar a mente de Furlan naquele momento, a mídia ecoou-a por toda parte. Virou manchetes. Na TV, os velhos burguesões de sempre repetiram-na à exaustão, exacerbando-lhe o sentido, agregando-lhe outros.
De nada adiantou o ministro ter se esforçado para divulgar por toda a parte uma nota oficial desmentindo a declaração e explicando em que sentido havia falado. O que interessava à mídia era a primeira frase e pronto.
Ocorre que a crítica da "falta de projetos", "ineficiência administrativa" e "falta de autoridade" vem rondando o governo Lula desde os primeiros dias da gestão.
Bem, em primeiro lugar, o Estado brasileira realmente tem problemas. Todos sabemos disso. Mas também existem preconceitos da classe mandona nacional, os descendentes dos grandes proprietários, que possuíam valores morais bem definidos, sendo o autoritarismo, o mandonismo, um dos mais sagrados.
Por que os programas políticos da direita nacional nunca dão certo? Justamente por isso. São autoritários, forçados, mandões. Os mandatários da direita não sabem dialogar com a sociedade. O Congresso Nacional reclama da medidas provisórios de Lula, mas a média de MPs de FHC foi quatro ou cinco vezes superior. E isso com um controle político sobre o Congresso muito maior do que o de Lula, que tem minoria no Congresso.
Sindicalistas, movimentos sociais, estudantes, sabem muito bem como era o diálogo com o governo tucano: porrada.
As coisas estão diferentes agora. O governo erra em muitas partes, mas os movimentos socais tem liberdade para exercer pressão e espaço para influenciarem as decisões governamentais.
Por exemplo: acusa-se a Polícia Federal, sob o governo Lula, de fechar uma quantidade enorme de rádios comunitárias, mais do que no governo anterior. Está certo. Está aí um erro grave de Lula. Mas que está sendo corrigido. Em primeiro lugar, quando Lula chega ao poder, centenas de ações tramitavam nos tribunais para o fechamento de rádios não-autorizadas. Essas rádios muitas vezes estão inseridas em conflitos políticos locais - até porque 80% destas rádios estão em mãos de oligarquias e igrejas evangélicas - e sofrem pressão contínua de seus adversários. O governo Lula, no quesito respeito às instituições democráticas, tem sido exemplar. A Justiça erra, mas tem que ser respeitada. A luta se dá nas esferas democráticas e é de acordo com essa visão que o governo federal enviou Projeto de Lei que regulamentará as rádios comunitárias no país. Nunca em governos tucanos se pensaria em tal coisa.
Outra confusão grande que está ocorrendo é sobre a reforma agrária. Já falei sobre isso em artigo anterior mas irei repetir aqui. Há uma grande divisão no movimento social camponês. De um lado estão os sem-terra, de outro os pequenos agricultores. O MST, por exemplo, é considerado um dos principais movimentos sociais do país. Milhares de famílias ligadas ao MST conseguiram ingressar nos cadastros do Pronaf, que oferece diversos tipos de ajuda para o agricultor familiar. A medida, contudo, contraditoriamente, enfraquece o MST, pois à medida que as demandas vão sendo atendidas, o índice de insatisfação e rebeldia cai e o movimento encontra dificuldade para continuar pressionando pelo aprofundamento das reformas. O MST, contudo, conseguiu compreender o dilema e conseguiu crescer, trazendo mais gente para suas fileiras e incrementando seus objetivos.
Há que entender, porém, que importantes segmentos da esquerda acomodaram-se no protesto fácil, e prosseguem com os mesmos discursos dos anos 70, 80 e 90. Há intelectuais sensíveis demais para suportar a aspereza do poder, mas precisamos justamente de uma esquerda mais dura, mais forte, mais pragmática, para segurar o leme do país; se é duro governar, então sejamos duros. A direita, acostumada a governar há séculos, não encontra nenhum escrúpulo, inconveniência ou dificuldade para lidar com os mecanismos nem sempre limpos do poder. Essa é a grande "eficiência administrativa"alardeada por gente como Geraldo Alckmin: governar sem sujar as mãos e sem deixar nada aparecer nos jornais; e quando algum podre vazar, basta ligar para seus camaradas de chop, donos do Estadão, Globo e Folha, e prometer polpudas verbas do BNDES.
Ah, lembrei! Lembro nitidamente quando li uma notinha no jornal Globo sobre as negociações entre o BNDEs e as empresas de mídia. O BNDEs oferecia recursos às empresas de midia, mas, ao que parece, estava exigindo contra-partidas. Bem, pareceu-me que o banco estava somente tomando as devidas providências para proteger o erário público. Contudo, as empresas de mídia queriam dinheiro grátis do governo e não conseguiram. Com FHC, seria tão diferente!
A Globo conseguiu mais de 1 bilhão de dólares com o governo tucano, razão pela qual você não vai encontrar, em qualquer página da Globo, qualquer crítica mais contundente contra FHC. Os colunistas políticos principais do Globo: Miriam Leitão, Merval Pereira e Arnaldo Jabor, são todos tucanos declarados e assumidos, apesar de Miriam e Merval disfarçarem bem. Outra colunista do Globo, Teresa Kruvinel, parece independente. Soube criticar bem o governo Lula, obedecendo ajuizadamente a política editorial do jornal, mas nunca com o histerismo frequente da Miriam e do Merval.
Chegamos ao fim do artigo e, contrariando minha tradição, sem grandes frases. Conforme a luta se intensifica, aumenta a necessidade de sermos menos eloquentes. O importante é lastrear-se com sólidos argumentos ideológicos e abundante e confiável material estatístico. Sem esquecer, porém, o poder puramente emocional de determinadas idéias.
Numa democracia, os combates mais sangrentos ocorrem no campo da linguagem. Mas requerem as mesmas virtudes exigidas a todo combatente: coragem, resistência, lealdade, perseverança, criatividade, inteligência, rapidez, e uma visão bem clara de quem é o inimigo.
O inimigo é o PSDB e seu partido-laranja, o PFL, conforme genial expressão de Wanderley Guilherme dos Santos.