18 de maio de 2006

A inteligência ainda é a melhor arma contra os bandidos

A crise da segurança pública em São Paulo botou fogo, como qualquer crise, no debate político. O PSDB, desta vez, está numa posição altamente desconfortável. O prejuízo social não foi uma conta devassada de um caseiro. Foram dezenas de vidas humanas, um diretor de presídio queimado vivo, uma polícia atônita e humilhada, pronta para ser vingar sobre a periferia.

A mídia, como era de se esperar, não está reagindo com a sua costumeira emotividade, já que o atacado desta vez são seus aliados políticos. Os colunistas Merval Pereira e Miriam Leitão comentam o caos paulista, de forma fria, distante e genérica, sem culpar o governo estadual, à diferença do que fazem quando o problema é no Rio, ou quando se trata de um problema de competência do governo federal.

A tentativa de transferir a culpa para o governo federal caiu no ridículo. A suposta redução nos investimentos de segurança é uma balela. Os tais recursos constituem um fundo e não uma dotação orçamentária, e por isso oscilam de um ano para o outro. A tal Ong Contas Abertas, que agora virou fonte para a imprensa, pertence a um deputado do PPS, e foi criada em 2005, no auge da crise política, talvez visando o processo eleitoral deste ano. De qualquer forma, a redução não é tão grande assim, e fica ridículo para a rica São Paulo reclamar falta de verbas para uma área que é, constitucionalmente, de sua competência.

O governador-substituto de São Paulo, Claudio Lembro, há pouco mais de 1 mês no cargo, deu entrevista em que revela a falta de interesse de Geraldo Alckmin, o governador eleito e reeleito pelos paulistas, de se envolver com o problema que ele mesmo ajudou a criar. Os caciques do PSDB, FHC, e José Serra, nem sequer telefonaram a Lembo para prestar-lhe solidariedade. Sumiram do noticiário. Estão escondendo a vergonha de seu fracasso, na tola esperança de não se verem associados à monstruosa incompetência administrativa que esta crise está revelando.

Seria também hipocrisia dizer que o problema de segurança é exclusivo de São Paulo ou do PSDB. Trata-se de um problema social grave, cujas soluções são extremamente complexas. De fato, não existe mágica para curar a doença da violência na sociedade brasileira. Mas existem respostas universais que, seguramente, podem contribuir para a paz social. A direita costuma negar a efetividade de investimentos em educação e assistência social no combate à violência. Ontem, no Jornal Nacional da Globo, a âncora tentou descontruir o discurso de Lula sobre o tema segurança. Lula disse que se os governos houvessem investido em educação na década de 80, muitos dos jovens bandidos de hoje poderiam ser pacatos trabalhadores. A âncora disse que lideranças do crime organizado vêm da classe média e estudaram em colégios privados. Ora, Lula disse que "muitos" dos bandidos sofreram os problemas sociais, não "todos". O que ocorre é que, de fato, 95% dos bandidos nas cadeias vieram de famílias destruídas por problemas sociais. E ainda: o quadro econômico e político do país não lhes descortinava nenhuma esperança de ascensção social.

O fato não é descobrir soluções que acabem com a violência, e sim levar adiante ações que contribuam para diminuí-la. Entendem a diferença? A violência não é um ciclope que é vencido apenas com um golpe certeiro em seu olho. A violência não tem uma forma fixa, e precisa ser combatida por todos os agentes sociais, inclusive os privados, inclusive a mídia, através de medidas inteligentes não-violentas. A máxima universal de que violência gera violência continua valendo. Violência se combate com paz, o que não significa que o Estado deva ser leniente ou passivo em face dos criminosos. Por exemplo, a negociação do governo de São Paulo com as lideranças do crime, se confirmada, é uma grande derrota do Estado, e portanto dos cidadãos de bem. O Estado não pode temer, porque ele zela pela vida de milhões de cidadãos de bem, que trabalham e lutam pelo bem estar de sua família e de seus amigos.

Outra estupidez - mostrada na TV Globo - foi mostrar comparativos com outros países na realidade da segurança pública e índices de criminalidade. Comparou-se o Brasil com Georgia, Peru, e sei lá mais qual país. Ora, cada nação tem sua história, seus problemas sociais e políticos, sua cultura, seu imaginário. Ademais, um índice baixo de violência não significa necessariamente que o governo daquele país tem uma boa política de segurança pública. Pode significar simplesmente que a sociedade daquele país é mais igualitária, mais justa, ou então que seus cidadãos sejam mais pacíficos.

O conceito de soberania também deve ser estendido às soluções de segurança pública. Não creio, por exemplo, que devemos seguir o exemplo norte-americano, que tem hoje mais de 2 milhões de pessoas atrás das grades.

Os presídios brasileiros vêm se tornando, há tempos, verdadeiras fábricas de monstros. Servem apenas para produzir bandidos perigosos e organizados. A sociedade precisa refletir sobre isso. O Brasil tem espaço físico, de forma que, talvez, a construção de grandes presídios-fazenda, com foco na instrução técnica, ética e política dos presos, fosse uma solução viável. Particularmente, sou contra aumento de pena, ou coisa parecida. Pelo contrário, o Brasil é um dos países mais atrasados no uso de penas alternativas, que poderiam desinchar os presídios, abrindo espaço para trancafiar os bandidos mais perigosos.

Deus nos concedeu o dom da inteligência. Usemo-la. A mesma humanidade que inventou o avião, o computador, as vacinas, o transplante de órgãos, as ciências exatas, a filosofia e o MP3, seguramente tem capacidade de encontrar soluções para o problema da segurança pública.

3 comentarios

Daniel Pearl disse...

Miguel,
eu e meu companheiro o jornalista BLANCHARD GIRÃO, ex-presidente do Sindicato dos Jornalista do Estado do Ceará, admiramos a maneira tranqüila e sábia de vc abordar os assuntos em tela. Parabenizamos o elegante jornalista, e desejamos sucessos em suas investidas, que são grandes e espinhosas. Queremos um Brasil Justo e igualitário, e passa pela reeleição do torneiro mecânico LUIS INÁCIO LULA DA SILVA.

Anônimo disse...

Claro que a inteligência sempre será um fator importante para conscientização da população quanto ao bem estar coletivo. Contudo, creio que o Brasil ainda está muito longe desse intento. Ainda precisamos olhar necessidades mais básicas, como planejamento familiar, no condizente a estruturação e criação de filhos.

Anônimo disse...

Miguel, linkei seu artigo no Informante. Sem querer te repetir ou defender o Garotinho, mas se isso fosse no Rio não haveria dúvidas sobre a incompetência do Governo estadual.

Postar um comentário