5 de setembro de 2007

Sobre Curta-Metragens e eventos

(um dos filmes mais bonitos que vi na vida, do Saraceni. É baseado no conto de Paulo Emílio Sales Gomes. Recentemente, tentaram estragar o tema com o filme Duas Vezes com Helena, uma merda)




O Porta-Curtas é uma iniciativa ótima. Me cadastrei lá e espero ver muitos curtas legais. Gosto de curta-metragem. Quando é bom, óbvio. Há tempos que tenho vontade de me especializar em escrever sobre cinema. Tem muita gente fera fazendo isso, os caras da Contracampo, por exemplo, que são insuperáveis, embora às vezes excessivamente acadêmicos ou com obsessão de parecer inteligentes e experts, o que enche um pouco o saco. Eles sempre têm algo a dizer, todavia, mesmo empoladamente. São sérios e corajosos e fizeram escola. Mas é preciso continuar inovando. Reinventar a própria maneira de escrever sobre cinema. Por isso a iniciativa da organização do Festival de Curtas de São Paulo de criar um blog - em parceria com uma escola de cinema - para publicar críticas sobre os filmes exibidos no evento, foi fantástica.

Mas eu queria falar do Porta-Curtas. Eles criaram um prêmio especial para o Festival de Sampa. Escolheram três filmes. Acontece que não gostei de nenhum dos três. Na onda de desenferrujar a verve crítica, escrevi sobre os referidos trabalhos. Os filmes estão acessíveis gratuitamente no portal.

*

Abaixo as críticas mencionadas.


Sobre Lobinho nunca mente, de Ian Samarão Brandão Fernandes 2007, 9 min: o tema é arriscado, e o cineasta tem o mérito de ser corajoso ao abordá-lo. Não é original. Jonnhy vai a guerra transformou o assunto num clássico. Na literatura, temos Samuel Becket, com um trio de romances dedicados ao pesadelo da imobilidade. O curta, portanto, é valente, estranho, provocativo. Mas ruim, muito ruim.

Sobretudo me pareceu um tanto fútil. Coisa de garoto mimado. Diálogos enjoados, mesquinhos. Filme sem movimento, com um narrador de voz monótona e timbre repetitivo. O texto é previsível. Marlene, a empregada, único contraponto humano ao protagonista, é um personagem fantasmagórico, sistematicamente insultado pelo narrador. Há um preconceito de classe profundo, mas o cineasta aparentemente não se dá conta disso e o resultado é feio, ingênuo, irritante. Longe fazer patrulhamento. Isso não quer dizer nada. O filme podia ser do caralho se o personagem dissesse algo interessante. Podia ser pessimista e preconceituoso. Gosto de ler Schopenhauer justamente por causa de seu pessimismo e preconceitos. Mas o alemão sabia ser interessante, sabia mesmo ser engraçado, como quando critica a própria obssessão germânica pela erudição: querer que guardemos na cabeça todos livros que lemos é como querer que guardemos no estômago toda a comida que comemos, diz.

Quando o personagem do "Lobinho" começa a falar, até gostei. A fala é natural, espontânea, autêntica. Ele fala merda e isso é humano, é forte, é arte. Mas ele se repete demais e isso não é arte. A diferença entre a música tribal e o blue-jazz de kansas city é que o segundo se repete menos. Sabe jogar com a repetição, mas sem se repetir verdadeiramente. O cineasta acertou ao usar uma linguagem despojada. Mas errou fragorosamente ao não procurar um texto melhor. O mínimo que se pede de um filme cujo protagonista passa 100% do tempo sem se mover, sem expressão facial, é um pouco de conteúdo. Algum texto que nos faça pensar, mesmo sendo um palavrão. O sujeito poderia berrar: CARALHO! e isso poderia, se inserido num bom contexto, adquirir belos significados metafísicos, filosóficos, artísticos. Ou não significar nada, o que seria mais belo ainda. Apenas um grito de raiva. Nota 3.

*

Curiosamente, outro filme do festival também trabalha com a imobilidade. O Homem-estátua (Marcos Magalhães 2007 9 min) tem um bom ritmo nos primeiros minutos. A trilha sonora foi bem produzida. Sempre quis saber o que se passa pela cabeça desses homens-estátuas. Porra, que tipo de cara é esse que passa o dia sem se mover, em troca de míseras moedinhas? Gosto muito dos artistas de rua, mas tenho uma especial antipatia pelos homens-estátuas. Mas isso não prejudicou minha disposição de avaliar bem o curta.

O cineasta usa o olhar do homem-estátua para observar as pessoas, produzindo um caledescópio humano legal. O roteiro demora um pouco a se desenvolver e quando estamos quase de saco cheio, o homem-estátua enfim desce do pedestal e corre para a Caixa Econômica para dar baixa na penhora de seu mono-ciclo.

No entanto, um detalhe me incomodou. Ele consegue pagar a penhora de R$ 2.184,25 com aquelas moedinhas que ganhou durante o dia? O roteirista surtou? Essa irrealidade besta revela um descuido imperdoável. Quando se faz um filme em que o dinheiro é um elemento central da trama – como é o caso - , a verossimilhança é fundamental. Senão, alguém pode pensar que o autor é mais um burguesinho fazendo filme sobre pobre sem ter noção do que faz. Estragou o final e piorou minha avaliação, que, iniciando em nota cinco, caiu para nota 3.

*

O brilho dos meus olhos (Ficção, Concorrendo Fest De Allan Ribeiro 2007 11 min) iniciou me assustando com aquelas cenas enfadonhas de trabalhador entrando no trem. Não porque eu tenha algo contra filmar trabalhadores entrando no trem. Critico aqui a forma convencional com que Allan o fez. Conforme o filme avança, a coisa piora. O show de breguice aumenta, até chegar ao apogeu do homem cantando uma música no karaokê de um botequim vagabundo. Caralho, dá medo.

A cena do operário comendo é um atentado à história da cinematografia proletária. Filmar um operário comendo pode ser a coisa mais brega, mais fútil. A velha história do Joãozinho Trinta: coisa de intelectualóide com tesão em ver pião trabalhando e mendigo revirando lata de lixo. Esse filme consegue ser o pior dos três.

*


Segue um informe importante, copiado e colado do Porta-Curtas. Irei com certeza. É praticamente ao lado da minha casa. Escreverei sobre.


CINECLUBE BOM DE LAPA inicia suas atividades

Mais um cineclube surge no Rio de Janeiro. Localizado na Lapa, o CINECLUBE BOM DE LAPA inicia suas atividades no dia 3 de setembro, às 21h. Programado pelo jornalista Breno Lira Gomes, o cineclube será quinzenal, com sessões de curtas-metragens e entrada franca.

Para a noite de estréia estão programados PALACE 2, de Fernando Meirelles e Kátia Lund, SETE MINUTOS, de Cavi Borges, Júlio Pecly e Paulo Silva, e O FILME DO FILME ROUBADO DO ROUBO DA LOJA DE FILME, de Marcelo Yuca, Júlio Pecly e Paulo Silva.

À meia noite acontece a Sessão Maldita, com um curta cujo tema envolve sexo, mundo bizarro, terror ou universo trash. O primeiro a ser exibido será ALGOLAGNIA, de Túlio Bambino.

Durante as exibições o público presente irá ganhar pipoca. E no intervalo das sessões ocorrerão sorteios de convites para o filme CIDADE DOS HOMENS.

A próxima sessão do CINECLUBE BOM DE LAPA está prevista para o dia 17 de setembro, com curtas que foram exibidos no Festival do Rio. O Bom de Lapa fica na rua do Riachuelo, 49, Lapa.

Comente!