27 de setembro de 2007

Sobre estratégias

(Francis Bacon)


Tenho perdido tempo num dilema. Atacar frontalmente a mídia ou trabalhar a contra-informação? Quem acompanha esse blog sabe que venho optando preferencialmente pela segunda alternativa, embora inúmeras vezes tenha também deixado me levar pela emoção e partido para a agressão direta. Em legítima defesa, claro.

Concordo que a mídia, e particularmente a Rede Globo, tem grande parcela de responsabilidade nos males do país. Em nossa história recente, o papel da mídia foi decisivo em momentos chave. O golpe militar de 1964, por exemplo, não teria sido possível sem a vigorosa participação da mídia nacional. A interferência da imprensa no processo democrático não deveria ser uma coisa necessariamente negativa. Mas no Brasil tem sido e ainda é, devido à super-estrutura viciada de nossa realidade sócio-econômica.

Outra noite, discuti intensamente com um amigo sobre a conveniência ou não de questionarmos a renovação da concessão pública para a TV Globo. Por quê não questionar, me perguntava ele. Pois é. Também acho que poderia haver um questionamento. Mas tenho minhas dúvidas. O partido da mídia conseguiu, com sucesso, transmitir à sociedade brasileira uma série de preconceitos-clichês sobre "tendências autoritárias" do governo Lula, os quais estariam simplesmente aguardando uma oportunidade de virem à luz.

Tenho minhas dúvidas, repito, porque não acho que seja inteligente iniciarmos uma guerra que, de antemão, não poderíamos vencer. Neste caso, é melhor nem começá-la. A blogosfera tem sido a grande arma anti-mídia. Os canais fechados e, futuramente, a tv digital, também podem e poderão se tornar instrumentos para diluir o poder arbitrário de algumas empresas de comunicação.

Na minha opinião, a Globo é negativa, por uma série de motivos. Para outros milhões (alienados, ingênuos ou não), é um excelente canal de TV. Eu não gostaria de ver a Globo se fazendo de mártir da democracia. Se pensarmos bem, a Globo não é nada. Quem faz a Globo são seres humanos que ali trabalham, jornalistas, roteiristas, marketeiros. Existem indivíduos por trás. Vendidos, sufocados, honestos, inocentes, ambiciosos, gente. Prefiro atacar especificamente os indivíduos, as opiniões reais que eles expressam, do que atacar genericamente a Rede Globo.

Outro motivo que me leva a preferir a estratégia da contra-informação é saber que, em outras partes do mundo, a situação é similar, inclusive em países desenvolvidos. Talvez aqui seja pior, talvez aqui a nossa mídia tenha, particularmente, um histórico golpista, mas o fato é que, nos últimos anos, ela perdeu diversas vezes e parcela importante da sociedade conseguiu construir um aparato crítico intelectual bastante eficaz.

O que acontece hoje? A nossa imprensa continua explorando essa infelicidade congênita, patológica, de nossas classes médias, transformando-a em energia para atacar seletivamente seus desafetos políticos. O caso Renan Calheiros é emblemático. Mas o problema não está apenas na imprensa. E o PSOL, porque faz o jogo da mídia? Porque alguns políticos, como o Aloísio Mercadante, por exemplo, com 10 milhões votos, parecem tão titubeantes em dizer o que pensam e atacar essa ditadura da opinião?

A resposta talvez seja a mais simples. Eles têm medo. O Mercadante tem medo. O governo tem medo. Mas o medo não é necessariamente um sentimento negativo. Ao contrário, ter medo também é sinal de inteligência. O medo é uma de nossas intuições mais antigas e poderosas. Os cientistas detectaram medo até em organismos unicelulares. É uma intuição natural que nos empurra para longe do perigo. Mesmo contra a nossa vontade. O medo nos fez sobreviver até aqui.

Mas o medo é triste. A coragem é o que nos dá alegria. Há momentos em que o medo deixa de ser um instrumento de sobrevivência e se torna um sentimento degradante. Para vencer guerras, por exemplo, carece coragem. Para ter coragem, todavia, é preciso sentir-se forte. Daí a importância de criarmos um sistema de defesa consistente. Precisamos de mais anti-corpos.

Acho que uma das saídas para reduzir a vulnerabilidade dos indivíduos à manipulação midiática seria incluir nos currículos escolares e universitários diversos textos que pensem o papel da mídia na democracia. Textos que discutam o que fez a mídia no tempo de Vargas, na ditadura, nas eleições recentes. Esses textos estamos produzindo agora.

Na internet, essas discussões vêm ocorrendo de forma intensa. A luta é sobretudo ideológica - no sentido mais profundo e humanista do termo, inevitavelmente classista - e, como tal, envolve ciências, artes, humor e muita inteligência.

12 comentarios

Juliano Guilherme disse...

Miguel, concordo contigo que não existe a possibilidade da Globo não obter a conceção. Não só por medo, mas também não seria inteligente da parte do governo. Imaginou? " Lula impede o povo de ver novela?", estariam nas manchetes garrafais. Um confronto radical, que o Lula não buscaria de jeito nenhum. Agora, só o fato da sociedade discutir isso, algo impensável até a pouco, não aceitando como se fosse um direito divino da Globo, já é um avanço. Mesmo sabendo que não ia dar certo, um abaixo-assinado, por exemplo, contra a renovação seria interessante, não acha?

Anônimo disse...

Realmente esta imprensa é de dar dor na canela.

Olha aí a manchete no portal Folha/UOL agora 07h de 27/09: "Há provas "muito boas" do valerioduto, diz procurador".

Quem ler a manchete fica saber que o valerioduto do qual fala a Folha é tucano.

Engraçado como são as coisas.

A mesma mídia que cunhou o termo "Mensalão" agora está se vendo obrigado a usá-lo para se referir aos seus aliados.

Dizem que o mundo dá muitas voltas, não é?

Outros dizem que um dia é da caça e o outro do caçador.

Como se vê, o feitiço virou contra o feiticeiro.

Diz, de forma truncada, a Folha: "O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, 58, disse ontem considerar "muito boas as provas" que compõem o inquérito no qual é investigado o valerioduto mineiro, o suposto esquema de desvio recursos -inclusive públicos- destinados ao caixa dois da campanha em que o hoje senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) tentou se reeleger governador mineiro em 1998."

Aqui o link para assinantes

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2709200702.htm

Miguel do Rosário disse...

não juliano, como diz a canção dos titãs, eu só quero saber do que pode dar certo. Além disso, no processo de luta ideológica que eles mesmos gostam de botar fogo (vide o Kamel e suas histerias anti-comunistas), não podemos assumir o papel de vilões, os malvados que querem acabar, como voce disse, com as novelas, com a Grande Família, etc. E não teria graça ganhar da Globo no tapetão. A gente tem que se impor, assim como houve com as Diretas Já, em que a Globo foi obrigada, depois de tentar esconder, a mostrar a realidade. Assim como houve com a eleição do Lula, 2 vezes. Quero continuar me divertindo observando até onde o Jabor pode se degradar. Mas é uma guerra, eu sei. Mas, no momento, a Globo não está ganhando. As estratégias de puxar pelo tapete tem que continuar sendo deles, da direita raivosa. A gente tem que manter a elegância. Voce sabe que a única bandeira que eles tem é a liberdade de imprensa, a qual eles se agarram desesperadamente, omitindo sempre o direito à liberdade de se informar bem do consumidor. Por outro lado, acho que seria muito saudável haver algum tipo de reformar. O Conselho Nacional de Jornalismo, por exemplo, foi uma bandeira pedida pela Federação Brasileira de Jornalistas, que poderia melhorar a independência do profissional de imprensa dentro do jornal. Hoje o jornalista é violentado ideologicamente. Não pode pensar, não pode ter uma posição crítica em relação a seus chefes. Isso é negativo e emburrecedor. Claro que o chefe tem que ser chefe, mas o jornalista não deveria ser submetido a condições degradantes de trabalho, sendo humilhado do jeito que é, com baixos salários e com a faca sempre no seu pescoço. Deveria ser mais difícil demitir um jornalista e quando se o fizesse, a indenização deveria ser maior. Isso eu defendo. Isso seria uma grande conquista, que poderia melhorar o astral nas redações e torná-las menos submissas aos desmandos desses novos capitões-do-mato que impões suas alucinações mensaleiras, e tendenciosas, ao povo brasileiro.

Cássio Augusto disse...

Cara... parabéns pelo seu Blog... encontrei ele pela NovaE... e estamos na mesma luta!!!

Juliano Guilherme disse...

Miguel, acho que você me convenceu. O Lula realmente está ganhando muitos pontos quando age c/elegância e é até magnânimo, de certa maneira. Deixa a mídia desnorteada porque ñ consegue transformá-lo num Chaves. Espero que seja isso e não medo da mídia(no caso do Lula não no seu), eu não tenho certeza. Eu só acho que essa contestação à renovação seria algo inédito e serviria p/mostrar ao cidadão comum que a Globo não detém um direito inquestionável e eterno, monárquico praticamente. Se vocÊ for perguntar na rua, aposto que as pessoas não sabem que a tv é um conceção pública e que pode ser questionada. Mas concordo inteiramente que não pode partir do governo isso.Vamos continuar amanhã c/cerveja que é mais legal.abraço

Miguel do Rosário disse...

os movimentos sociais vão questionar.

http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=800

wilson cunha junior disse...

Participo do MSM, idealizado pelo Eduardo Guimarães. Acho que tem tudo pra ser um movimento legítimo e inteligente. Não gritamos "fora globo" ou coisa que o valha. Penso que o Juliano ao defender pelo menos um protesto para lembrar que um meio de comunicação é uma concessão pública tem o direito de agir assim. Eles passaram da conta né Miguel? Lembro de alguns posts seus emocionantes nos dando força pra encarar essa luta. Ela parece que vai começar. Se já começa perdida? Talvez. Mas como tu dissestes num desses posts, essa também é uma luta que não se abandona.

Miguel do Rosário disse...

wilson, a luta não começa perdida. ao contrário, ao ser iniciada, significa que conseguimos já a vitória mais importante, que é a conscientização cidadã e o fato de que não basta votar, tem que participar. Além da consciência de que a mídia precisa ser contestada, sobretudo no Brasil, onde ela possui esse triste histórico golpista.

José Carlos Lima disse...

"Diga o fraco: eu sou forte" (Joel 3:10)

Anônimo disse...

Excelente sua reflexão sobre a coragem. Estive dia 15 diante da Folha no grupo organizado pelo Eduardo. Como é gratificante um ato tido como de coragem, mas que deveria ser uma prática amiude. A alegria que senti quebrando o marasmo das atitudes foi impar. Comparo ao dia em que fui ao Vale do Anhangabau em 84... lembram?
Douglas Quina - Mogi Guaçu - SP

Vinicius Santucci Rossini disse...

Parabens pelo seu blog
concordo contigo !
tbm tenho essa dúvida na cabeça , e tbm estou optando pela contra-informação
no meu blog escrevi sobre isso e acredito no poder da internet para acabar com o monopólio da informação
leia se tiver algum tempo
www.ovulgo.blogspot.com

Zeca Junior disse...

Miguel, sangue bom, descobri seu blog um dia desses e agora passo sempre por aqui. Até por ser jornalista com 15 anos de redação e ter, ainda em 2004, decidido arrumar outro ganha-pão por não suportar mais a sacanagem que é uma empresa midiática no Brasil, compartilho de quase todos os seus pontos de vista relacionados ao assunto. Gostaria de sugerir um livro vital para entendermos o processo que se desenrola atualmente no Brasil: "O dia em que Getúlio matou Allende", do veterano repórter Flávio Tavares. Um relato impressionante sobre o período entre a Era Vargas (muito mal estudada no país) e o golpe de 64. Lendo esse livro a gente compreende como esse denuncismo histérico, hipócrita e falso moralista já se tornou um mal crônico da imprensa brasileira. Saudações de Brasília, saudades da Cidade Maravilhosa e muita saúde para você continuar nos iluminando com a sua lucidez.
Hélio Franco

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