9 de março de 2008

Contribuição para um debate sobre a carga tributária brasileira

Muito se tem falado sobre a alta carga tributária brasileira e, como não confio plenamente nas informações que circulam pela mídia, principalmente em temas como este, em que há interesses pesados de grandes empresas em jogo, por motivos óbvios e, de certa forma, legítimos, decidi investigar por conta própria, consultando diversas fontes. É um assunto chato e não sei se terei saco de voltar a ele posteriormente.

Trata-se de um tema de enorme relevância para a economia brasileira e, a partir do momento em que a oposição mais dura ao governo o elege como prioridade, ele necessaria e democraticamente passa a ocupar o centro dos debates. Não podemos deixar, todavia, que as forças conservadoras se apropriem tão facilmente da bandeira pela redução dos impostos.

Como disse, fiz minhas pesquisas, li artigos e consultei fontes oficiais e verifiquei que a carga tributária brasileira encontra-se atualmente em torno de 33% do PIB, segundo a nova metodologia do IBGE, ou em 38%, se usássemos o cálculo antigo. De fato, a carga tributária no país cresceu a ritmo bastante acelerado nos últimos anos, passando de 25,09% em 1993, quando se inicia o governo FHC, para 35,8%, em 2002, último ano deste. Um aumento de 42,8%. Com Lula, a carga continuou crescendo, embora em ritmo mais lento, passando dos já citados 35,8% em 2002 para 38,2% em 2007. Aumento de 6,5%.

No entanto, os números são frios e o diabo reside, como se sabe, nos detalhes. Uma característica particularmente cruel e nociva da carga tributária brasileira é o peso sobre a folha salarial, o que prejudica principalmente as pequenas e médias empresas, sobretudo aquelas que atuam em setores que usam mais mão-de-obra. O peso atual dos impostos sobre a folha salarial está em torno de 42%. Outros cálculos dão um peso de 67%. Um funcionário que ganha, por exemplo, R$ 1,5 mil por mês, custa ao empregado, além do salário, mais R$ 1,01 mil em impostos.

Há que se reduzir a carga tributária brasileira, sim, mas é preciso conhecermos bem a realidade. O governo, a oposição, a mídia e a academia deveriam patrocinar estudos para que a sociedade pudesse analisar com isenção e informação o que poderia ser feito para melhorar a qualidade da arrecadação fiscal no país.

O Brasil optou por um modelo tributária semelhante ao europeu. Os países europeus, aliás, continuam com cargas tributárias bem superiores à do Brasil. A França, por exemplo, tem carga tributária superior a 40%. A Inglaterra, país mais liberal, tem uma carga de 37%. Os países do norte da europa, modelos de qualidade de vida, são os campeões em impostos, com cargas que oscilam entre 42 e 51%.

Em artigo publicado no site da Associação Brasileira de Contribuintes (ABT), o economista Delfim Neto explica que a principal razão do crescimento da carga tributária nos últimos 20 anos foi a Constituição de 1988, na qual o país optou por uma séria de proteções sociais que não existem em outros países em desenvolvimento, com os quais jornalistas e empresários procuram comparar o Brasil, como os tigres asiáticos ou mesmo outras nações latino-americanas. Mal ou bem, com todos os problemas que conhecemos, o Brasil tem um sistema universal de saúde e educação, e uma previdência social com uma universalidade e eficiência que não existe na China ou na Índia, por exemplo, incluindo uma previdência rural totalmente subsidiada - conceito polêmico, eu sei, visto que os trabalhadores rurais efetivamente trabalharam e contribuíram para a economia nacional, mas o que significa "subsidiada" aqui é explicar que não houve contribuição financeira direta para construção de um fundo de aposentadorias rurais.

Além do mais, o Brasil é um país caro, em função de suas enormes extensões territoriais. Os recursos naturais que possuímos, como minério de ferro e terra para produzir soja, tem valor agregado muito baixo, são isentos da maior parte dos impostos e, portanto, não permitem pagam os custos enormes para assegurar a segurança, a saúde, a educação e a integridade nacionais.

Isso não é desculpa para que o país não reduza impostos. Mas é preciso ser realista sobre os obstáculos que se há de enfrentar. Temos uma Constituição que temos que respeitar. Poderíamos mudá-la. Mas creio que os brasileiros, ao votarem tão maciçamente em partidos de centro, centro-esquerda e esquerda, como PMDB, PT, PDT, PPS, PSDB, preferem um modelo de Estado que permita o bem estar social. Há que se respeitar a vontade popular.

Os Estados Unidos têm uma carga tributária em torno de 25% do PIB. Mas qual o PIB americano? US$ 13,7 trilhões. Isso significa, grosso modo, que o governo americano tem um orçamento US$ 3,42 trilhões. A carga tributária no Brasil corresponde a 33% do PIB, segundo a nova metodologia do IBGE, que convém respeitar por ser mais racional (desconta a devolução do imposto de renda aos contribuintes, o que não era contabilizado antes). O PIB brasileiro em 2007 foi de US$ 1,07 trilhão, de forma que a carga tributária equivale a aproximadamente US$ 353 bilhões. Trocando em miúdos: o governo americano tem mais de 3 trilhões de dólares para pagar segurança e obras, num país onde o setor privado investe pesado, enquanto o governo brasileiro tem 353 bilhões para aplicar num país onde o setor privado é, historicamente, anímico em termos de investimentos.

Com esses dados, podemos fazer a seguinte comparação. A carga tributária per capita nos EUA é de US$ 11,26 mil por habitante, contra US$ 1,91 mil no Brasil. Podemos ver pelo lado negativo, de imaginar cada americano pagando esse dinheirama toda para o governo, anualmente. Ou podemos ver pelo lado positivo, de imaginar o governo americano aplicando, em pesquisas, segurança, educação, ordem institucional, essa verba para cada cidadão. Como sabemos que grande parte deste dinheiro financia guerras e acabam na conta de grandes corporações militares privadas, a conclusão sobre a carga tributária nos EUA não é tão otimista.

Seja qual for o ângulo, a comparação entre as cargas tributárias per capita de Brasil e EUA torna o debate mais complexo e mostra que nossa carga, embora alta na relação com o PIB, não representa muito em termos per capita ou mesmo em valores absolutos. A carga tributária brasileira, em outras palavras, é alta porque o PIB nacional ainda é baixo em relação ao tamanho de sua população, e porque temos leis previdenciárias e trabalhistas muito mais rigorosas do que em outros países, como China e Índia, onde os trabalhadores ganham mal e suas aposentadorias são ínfimas. Na China, ainda se estuda a inclusão dos trabalhadores rurais no sistema de previdência social.

Finalizando, acho que o debate sobre a carga tributária no país é saudável e necessário. Mas é preciso enfrentá-lo sem radicalismos e, sobretudo, embasado na realidade e nas necessidades nacionais. O próprio crescimento e dinamismo atual da economia brasileira mostram que, se a carga tributária continua sendo um problema, seria exagero acusá-la de estar impedindo o desenvolvimento econômico e social do país. Em todos os países e em todos os tempos, os empresários sempre reclamaram dos impostos. A sociedade deve buscar aumentar a sua competitividade e desenvolver a economia sem prejudicar os serviços públicos de que a população necessita, sobretudo a parte mais pobre da população, mais dependente da estrutura do Estado.

Links:
1) Lista dos países com maior carga tributária, na relação com o Produto Interno Bruto.
2) Artigo do Delfim Netto, falando sobre a carga tributária e a Constituição de 1988.
3) Carga tributária no Brasil de 1991 a 1997.
4) Carga tributária no Brasil de 1998 a 2002 (página 16).
5) Carga tributária no Brasil de 2001 a 2005 (página 9).

2 comentarios

Anônimo disse...

Miguel,
Ao ler artigos como esse da carga tributária, imagino que são sinais de que estamos saindo das operações ditatoriais para as divergências democráticas.
Trabalhei num semanário de oposição à ditadura entre 73 e 77. Discordâncias eram resolvidas na censura. E como "a cultura de uma época é a cultura da classe dominante", quando quis tornar pública polêmicas que corriam soltas entre intelectuais de "esquerda" fui censurado por uma parte dela. Justamente por quem detinha posições de poder na área, os nomes já virados griffes. Medalhões da esquerda. Tais monstros sagrados resolveram pressionar o dono do semanário onde era editor de cultura: "só voltaremos às "suas" páginas se não houver mais confronto patrocinado pelo incômodo editor".
É o velho costume da casagrande: não sabem debater, só bater. Obrigado pela riqueza de suas análises democráticas. Será por não ter sido criado na ditadura?
Júlio César Montenegro
jcmontenegro@globo.com

Anônimo disse...

Miguel,

Parabéns pela excelente pesquisa! Meus cerca de 200 leitores diários aqui no RS irão saber disso! ;)

[]'s,
Hélio

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