E o Globo continua sua saga anti-impostos. Nada que espante muito. Em 1954, o Globo afirmava, orgulhoso: "em suma, desejamos falar sempre por aquela imensa maioria de brasileiros que o sr.João Gourlart, em seu arrivismo oratório, denomina 'os reacionários' ".
Chato eu vir aqui cumprir o papel de advogado do diabo, quer dizer, dos impostos, mas me preocupa observar como esta nova bandeira da oposição vai, aos poucos, tomando corpo. O que está em jogo não é somente a questão tributária, mas os altos interesses nacionais. A classe média, mais uma vez, entra como massa de manobra das elites. A classe média brasileira é muito abestalhada. Acha que é rica em relação aos pobres e pobre em relação aos ricos. Ideologicamente, é o segmento mais cobiçado pelas diferentes forças partidárias, midiáticas, políticas. De fato, é fundamental, para uma determinada força política, conquistar a classe média. Não para alcançar o poder, pois quem decide eleição hoje é o voto do pobre e as doações de campanha dos ricos. O apoio da classe média, todavia, é importante para consolidar o poder no longo prazo. Por isso, o DEM, orientado pelo arguto César Maia, está procurando se firmar como o partido da classe média.
No entanto, do meu ponto-de-vista, o que acontece é uma grande operação de iludir a classe média, de fazê-la pensar que ficará melhor ao lado dos ricos do que dos pobres. A grande mídia, por exemplo, tenta se vender como defensora dos interesses da classe média quando, em verdade, seu único interesse está na classe alta. A disparidade de renda entre a reduzida mas poderosa classe alta e a classe média, no Brasil, é abissal. E a classe média, deslumbrada com suas conquistas materiais diante da maioria pobre, não enxerga com clareza essas diferenças, até porque não são exploradas pela mídia.
A manchete do Globo de hoje (domingo, 16/03/2008) é: Brasileiro paga mais IR que contribuintes de países ricos. Bem, em primeiro lugar, temos uma mentira, ou desinformação, logo desmentida no subtítulo: "Seis das nações de IDG mais alto têm impostos menor para a classe média". Não se trata de brasileiros, mas de classe média. Tudo bem, distorção sem tanta importância. Passemos para a matéria principal, na capa do caderno de Economia.
O jornal traz uma tabela (imagem no início do texto) com seis colunas. São elas: nome dos países selecionados, posição no ranking do IDH (desenvolvimento humano), taxa de analfabetismo, expectativa de vida, renda per capita anual e alíquota do IR (Imposto de Renda) da classe média.
A colunas que interessa diretamente à matéria é a da alíquota do IR, que mostra que a classe média brasileira paga 27,5% de IR enquanto a classe média da Islândia (país número 1 do ranking da ONU) paga somente 23,5%. Outros países também tem alíquota menor que a do Brasil.
O que a matéria omite é o seguinte: a renda per capita da Islândia é de US$ 36.510 anuais, contra US$ 8.402 no Brasil. Ou seja, o islandês que paga 23,5% de IR desembolsa, por ano, US$ 8.397, enquanto o brasileiro gasta anualmente US$ 2.310 de IR. Considerando que o preço de uma aspirina é igual no Brasil e na Islândia, o poder de compra dos impostos, per capita, são muito superiores na Islândia do que no Brasil. Em termos absolutos, portanto, o islandês paga um IR mais de três vezes superior ao que paga o brasileiro.
A matéria diz que a classe média paga impostos por serviços públicos que não usa, reiterando o lugar comum de que os impostos no Brasil são altos e o serviço público é uma droga. Sobre o primeiro item, outra balela. A classe média usa, e muito, o serviço público, e quando paga plano de saúde ou educação privada, tem desconto no IR. O segundo item é uma idiotice, porque se o serviço público no Brasil é ruim, é evidente que não é cortando sua fonte de recursos que ele vai melhorar.
Acho interessante que se discuta a questão tributária no Brasil. Mas seria interessante que a imprensa fizesse pressão para que o Legislativo aprovasse uma reforma tributária que tornasse a cobraça de impostos mais racional e mais justa no país. Ora, e o que diz Miriam Leitão? Escuta essa: "O Brasil não fez até agora, nem fará, estas reformas este ano. Do ponto de vista legislativo, 2008 está quase terminando". Estamos na metade de março! E o Congresso esteve em recesso até o dia 2 de fevereiro! Como Leitão quer que o Congresso aprove uma das mais importantes reformas estruturais em tão pouco tempo? Por que ela, como força política que é, como quarto poder, não incentiva que a reforma tributária seja aprovada este ano? Por que não interessa a ela que o Brasil efetivamente se modernize?
Em sua coluna de hoje, aliás, Miriam Leitão superou a si mesma em matéria de agourar o futuro do país. Olha só que pérola: "O Brasil não está preparado para nenhum cenário (...) Se tudo der certo, haverá colapso (...) Se for contaminado [pela crise americana], o país enfrentará uma crise (...)"
É isso mesmo. O futuro é ruim mesmo se "tudo der certo". Essa é a Miriam Leitão que eu conheço. Parabéns por essa injeção de otimismo.
E ontem (sábado, 15/03), o Globo publicou um editorial interessante, sugestivamente intitulado "Um bicho papão". O próprio título revela a infantilização do leitor "ideal" do Globo, identificado como um anti-lulista, reacionário, "homem de bem", furioso, admirador do capitão Nascimento. Embora leve o chapéu "Outra opinião", o texto de Sacha Calmon, advogado, retrata fielmente as opiniões mil vezes repetidas do jornal. Olha o que diz o texto: "na verdade, a estabilidade deve ser creditada à macroeconomia do real, jamais aos diretores do BC lulista". Está aí a velha retórica, infantil, birrenta, de continuar atribuindo qualquer fator positivo da economia atual a governos passados e tudo de ruim ao governo atual. Leiam esse raciocínio: "Os norte-americanos baixam juros e tributos para crescer o setor privado (...)". Sacha se refere às medidas recentes do governo americano, para controlar uma das piores crises financeiras da história recente. Olha só, Sacha usa como referência um país em crise, que está injetando dezenas de bilhões do Tesouro Nacional (our, my, your money) em bancos, um país cujo governo gastou centenas de bilhões de dólares numa guerra idiota, que resultou em 1 milhão de mortos, aumento do terrorismo, aumento dos preços do petróleo, aumento da insegurança internacional, além da destruição total de um belo e rico país.
E ainda fala de juros altos sem lembrar que, por incrível que pareça, os nossos juros estão em seu patamar mais baixo em mais de duas décadas.
Voltando à Miriam Leitão, ela volta a menosprezar o crescimento do PIB. Teve início a tarefa hercúlea de minimizar os danos políticos provocados pelo anúncio do crescimento econômico de 5,4% registrado em 2007. O Brasil deve ser o único país do mundo onde economistas e colunistas de jornal ficam tristes quando o PIB cresce. Mais uma vez, compara-se Brasil à China. Ora, meus caros, a China é comunista, tem partido único, governo absolutamente centralizado, sem liberdade de imprensa. Não tem previdência rural, e a previdência social corresponde a um valor irrisório. O Brasil cresce com democracia, com todas as liberdades e seus custos, que são altos. Também não vale comparar com a Índia, com seu sistema de castas e a sua miséria grassando, impune e não combatida, em todo país. Também não vale comparar com a Rússia, maior exportadora de petróleo do mundo, num momento em que o petróleo está quase 120 dólares o barril.
O crescimento econômico brasileiro em 2007 tem que ser comparado, em primeiro lugar, com o crescimento econômico brasileiro dos últimos anos. Em segundo lugar, tem que ser analisado em profundidade. Que regiões, que setores, que camadas sociais cresceram? Outra questão fundamental: cresceu com inflação? Considerando esses dados, o crescimento verificado no Brasil não tem paralelo no mundo. Cresceu sem inflação, cresceu distribuindo renda, incluindo milhões de pessoas no mercado de consumo, cresceram as regiões mais pobres, cresceram os setores estruturais, a indústria de base, que prepara o país para mais crescimento no futuro, a venda de computadores, que já ultrapassou a de televisores. Sem contar que foi em 2007 que o Brasil registrou a descoberta dos novos campos gigantes de petróleo e gás, o que não é, definitivamente, um detalhe insignificante a ser omitido em análises econômicas.
O que acho curioso é os analistas afirmarem a importância do Brasil repensar o sistema tributário e quando o governo acena com a reforma tributária para este ano, não haver nenhuma pressão para que a mesma seja aprovada. Ao contrário, a oposição sinaliza com um comportamento apenas negativo, de obstruir os trabalhos legislativos, e contam com a... simpatia da mídia! É esquizofrênico, é contraditório. Tudo por quê? Para a reforma tributária não ser aprovada durante o governo Lula?
E ainda temos essas distorções da realidade tributária. O Brasil é um país caro, um país com mais de 40% de seu território ocupado pela chamada Amazônia Legal, uma região que gera pouca riqueza, mas que é crucial para o equilíbrio ambiental do mundo. Os impostos no Brasil são altos, mas é importante explicar as causas disso. Temos uma renda per capita baixa e uma grande massa populacional que paga pouco ou nada de imposto. Conforme as massas pobres forem sendo incluídas no mercado de consumo, como já está ocorrendo, e a um ritmo bastante acelerado, "a conta" do governo poderá ser dividida por mais gente. O crescimento do PIB e do PIB per capita também ajudará a reduzir a carga tributária, porque permitirá que o governo reduza os percentuais tributários sem prejudicar seu orçamento, que também precisa continuar crescendo, para fazer frente às necessidades de investimentos estrututais, sociais, ambientais e culturais.
Essa cruzada anti-tributária da mídia, do jeito que está sendo conduzida, aparenta ser apenas mais um movimento político-partidário, para jogar a classe média contra o governo. Por exemplo, se a mídia estivesse tão interessada em reduzir os tributos da classe média, ajudaria a pressionar a aprovação do imposto sobre as grandes fortunas, que existe em todos os países desenvolvidos. Aliás, essa é uma das razões principais da carga "relativamente" leve sobre as classes médias européias: suas elites financeiras são draconiamente tributadas. Porque será que a Miriam Leitão não fala sobre isso, héin?
O Globo, assim como a mídia, vem construindo, uma verdadeira mitologia anti-estatal. Essa é, a meu ver, a maior esquizofrenia da oposição partidária. PSDB e DEM querem o poder do Estado, mas compartilham dessa visão anti-estatal. O mínimo que se pede de autoridades do Estado é que valorizem o papel do Estado. Tucano-demos, além disso, são demagogos na questão tributária, visto que, no poder, foram o governo que mais elevou a carga tributária. Nos oito anos de FHC, a carga tributária cresceu 42%, enquanto nesses cinco anos de Lula, o crescimento foi de apenas 6%, com uma outra diferença básica: enquanto na era fernandista o desemprego e a informalidade da economia cresceram, nos anos lulistas ocorreu o contrário, caiu o desemprego e caiu a informalidade, o que explicaria inclusive esse aumento da carga. Sem falar das operações da PF e da Receita contra grandes sonegadores, que aumentaram muito de intensidade nos últimos anos.
Ah, detalhe, você sabia que o principal imposto do país é o ICMS, cobrado pelas federações? Ninguém quer falar nisso, né? Ninguém quer falar também que uma das metas do PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, é justamente reduzir significativamentea carga tributária no Brasil, sobretudo da União.
Nos planos do PAC, consta a redução dos gastos com pessoal, por parte da União, dos atuais 5,3% do PIB em 2007 para 4,7% em 2010. Outro detalhe, o ano com gasto recorde com pessoal foi o último de FHC, 5,4% do PIB. E os tucanos ainda tiram onda de defensores de Estado mínimo... com ajuda da mídia, essa prestidigitadora que pregou no rabo do governo Lula a faixa de "gastador e empreguista de cumpanheiros".
O principal fator, entretanto, que obriga o Estado a cobrar tanto imposto é o endividamento público do país. Ganha uma tapioca quem adivinhar qual foi o governo que mais endividou o país na história recente? Ganhou quem disse: os tucanos! Pois é, parece até birra minha, achar que tudo de ruim foi feito por FHC. Já andei elogiando o Plano Real, e a estabilidade fiscal do governo FHC, mas pensando bem, nem por isso ele merece muito crédito, já que o Real foi feito mesmo pelo Itamar Franco e a estabilidade fiscal fernadista foi apenas teórica, já que embasada inteiramente na explosão do endividamento público, interno e externo.
A projeção do PAC é reduzir o endividamento público brasileiro dos atuais 48,3% do PIB (2007) para 39,7% ao final de 2010. Se o governo conseguir isso, e torçamos para que consiga (xô urubus), ganharemos bilhões para investir e desonerar impostos. A classe média brasileira, apesar do Globo e da Miriam Leitão, terá a possibilidade de ser mais feliz. Isso se deixar de ser otária e parar de acreditar que o Globo defende seus interesses. O que o Globo defende, seus trouxas, são os interesses dos milionários! Parem de acreditar que a mídia apenas defende o capitalismo, etc. O trabalhador humilde é o esteio de qualquer capitalismo que se preze. Nenhum capitalismo se consolida sem um vigoroso mercado consumidor, ou seja, sem tirar as pessoas da pobreza, sem dar acesso aos bens e serviços do mundo moderno. Portanto, há que se fazer política social, industrial, tributária e monetária visando o trabalhador simples e a classe média.
Parte de nossa direita é composta por um setor infantilizado, arrogante, deslumbrado com suas estantes (pensam que são os únicos que lêem e escrevem bem), que se acham moralmente superiores. São viúvas de uma guerra fria obsoleta, tristes por constatar que, sob governos de esquerda, o capitalismo sul-americano se humaniza, se consolida, se fortalece; tristes por ver que o socialismo que combatiam também se modernizou, tanto em linguagem quanto em objetivos. O socialismo aprendeu a conviver com a democracia e a liberdade; mais ainda, o socialismo aprendeu a conviver com a propriedade, não mais considerada um bicho-papão, mas um direito do cidadão, e que, desde que fiscalizada pelo Estado, desde que pague os devidos impostos (justos, não extorsivos), não constitui um mal à sociedade. Isso assusta e confunde a direita.
Chato eu vir aqui cumprir o papel de advogado do diabo, quer dizer, dos impostos, mas me preocupa observar como esta nova bandeira da oposição vai, aos poucos, tomando corpo. O que está em jogo não é somente a questão tributária, mas os altos interesses nacionais. A classe média, mais uma vez, entra como massa de manobra das elites. A classe média brasileira é muito abestalhada. Acha que é rica em relação aos pobres e pobre em relação aos ricos. Ideologicamente, é o segmento mais cobiçado pelas diferentes forças partidárias, midiáticas, políticas. De fato, é fundamental, para uma determinada força política, conquistar a classe média. Não para alcançar o poder, pois quem decide eleição hoje é o voto do pobre e as doações de campanha dos ricos. O apoio da classe média, todavia, é importante para consolidar o poder no longo prazo. Por isso, o DEM, orientado pelo arguto César Maia, está procurando se firmar como o partido da classe média.
No entanto, do meu ponto-de-vista, o que acontece é uma grande operação de iludir a classe média, de fazê-la pensar que ficará melhor ao lado dos ricos do que dos pobres. A grande mídia, por exemplo, tenta se vender como defensora dos interesses da classe média quando, em verdade, seu único interesse está na classe alta. A disparidade de renda entre a reduzida mas poderosa classe alta e a classe média, no Brasil, é abissal. E a classe média, deslumbrada com suas conquistas materiais diante da maioria pobre, não enxerga com clareza essas diferenças, até porque não são exploradas pela mídia.
A manchete do Globo de hoje (domingo, 16/03/2008) é: Brasileiro paga mais IR que contribuintes de países ricos. Bem, em primeiro lugar, temos uma mentira, ou desinformação, logo desmentida no subtítulo: "Seis das nações de IDG mais alto têm impostos menor para a classe média". Não se trata de brasileiros, mas de classe média. Tudo bem, distorção sem tanta importância. Passemos para a matéria principal, na capa do caderno de Economia.
O jornal traz uma tabela (imagem no início do texto) com seis colunas. São elas: nome dos países selecionados, posição no ranking do IDH (desenvolvimento humano), taxa de analfabetismo, expectativa de vida, renda per capita anual e alíquota do IR (Imposto de Renda) da classe média.
A colunas que interessa diretamente à matéria é a da alíquota do IR, que mostra que a classe média brasileira paga 27,5% de IR enquanto a classe média da Islândia (país número 1 do ranking da ONU) paga somente 23,5%. Outros países também tem alíquota menor que a do Brasil.
O que a matéria omite é o seguinte: a renda per capita da Islândia é de US$ 36.510 anuais, contra US$ 8.402 no Brasil. Ou seja, o islandês que paga 23,5% de IR desembolsa, por ano, US$ 8.397, enquanto o brasileiro gasta anualmente US$ 2.310 de IR. Considerando que o preço de uma aspirina é igual no Brasil e na Islândia, o poder de compra dos impostos, per capita, são muito superiores na Islândia do que no Brasil. Em termos absolutos, portanto, o islandês paga um IR mais de três vezes superior ao que paga o brasileiro.
A matéria diz que a classe média paga impostos por serviços públicos que não usa, reiterando o lugar comum de que os impostos no Brasil são altos e o serviço público é uma droga. Sobre o primeiro item, outra balela. A classe média usa, e muito, o serviço público, e quando paga plano de saúde ou educação privada, tem desconto no IR. O segundo item é uma idiotice, porque se o serviço público no Brasil é ruim, é evidente que não é cortando sua fonte de recursos que ele vai melhorar.
Acho interessante que se discuta a questão tributária no Brasil. Mas seria interessante que a imprensa fizesse pressão para que o Legislativo aprovasse uma reforma tributária que tornasse a cobraça de impostos mais racional e mais justa no país. Ora, e o que diz Miriam Leitão? Escuta essa: "O Brasil não fez até agora, nem fará, estas reformas este ano. Do ponto de vista legislativo, 2008 está quase terminando". Estamos na metade de março! E o Congresso esteve em recesso até o dia 2 de fevereiro! Como Leitão quer que o Congresso aprove uma das mais importantes reformas estruturais em tão pouco tempo? Por que ela, como força política que é, como quarto poder, não incentiva que a reforma tributária seja aprovada este ano? Por que não interessa a ela que o Brasil efetivamente se modernize?
Em sua coluna de hoje, aliás, Miriam Leitão superou a si mesma em matéria de agourar o futuro do país. Olha só que pérola: "O Brasil não está preparado para nenhum cenário (...) Se tudo der certo, haverá colapso (...) Se for contaminado [pela crise americana], o país enfrentará uma crise (...)"
É isso mesmo. O futuro é ruim mesmo se "tudo der certo". Essa é a Miriam Leitão que eu conheço. Parabéns por essa injeção de otimismo.
E ontem (sábado, 15/03), o Globo publicou um editorial interessante, sugestivamente intitulado "Um bicho papão". O próprio título revela a infantilização do leitor "ideal" do Globo, identificado como um anti-lulista, reacionário, "homem de bem", furioso, admirador do capitão Nascimento. Embora leve o chapéu "Outra opinião", o texto de Sacha Calmon, advogado, retrata fielmente as opiniões mil vezes repetidas do jornal. Olha o que diz o texto: "na verdade, a estabilidade deve ser creditada à macroeconomia do real, jamais aos diretores do BC lulista". Está aí a velha retórica, infantil, birrenta, de continuar atribuindo qualquer fator positivo da economia atual a governos passados e tudo de ruim ao governo atual. Leiam esse raciocínio: "Os norte-americanos baixam juros e tributos para crescer o setor privado (...)". Sacha se refere às medidas recentes do governo americano, para controlar uma das piores crises financeiras da história recente. Olha só, Sacha usa como referência um país em crise, que está injetando dezenas de bilhões do Tesouro Nacional (our, my, your money) em bancos, um país cujo governo gastou centenas de bilhões de dólares numa guerra idiota, que resultou em 1 milhão de mortos, aumento do terrorismo, aumento dos preços do petróleo, aumento da insegurança internacional, além da destruição total de um belo e rico país.
E ainda fala de juros altos sem lembrar que, por incrível que pareça, os nossos juros estão em seu patamar mais baixo em mais de duas décadas.
Voltando à Miriam Leitão, ela volta a menosprezar o crescimento do PIB. Teve início a tarefa hercúlea de minimizar os danos políticos provocados pelo anúncio do crescimento econômico de 5,4% registrado em 2007. O Brasil deve ser o único país do mundo onde economistas e colunistas de jornal ficam tristes quando o PIB cresce. Mais uma vez, compara-se Brasil à China. Ora, meus caros, a China é comunista, tem partido único, governo absolutamente centralizado, sem liberdade de imprensa. Não tem previdência rural, e a previdência social corresponde a um valor irrisório. O Brasil cresce com democracia, com todas as liberdades e seus custos, que são altos. Também não vale comparar com a Índia, com seu sistema de castas e a sua miséria grassando, impune e não combatida, em todo país. Também não vale comparar com a Rússia, maior exportadora de petróleo do mundo, num momento em que o petróleo está quase 120 dólares o barril.
O crescimento econômico brasileiro em 2007 tem que ser comparado, em primeiro lugar, com o crescimento econômico brasileiro dos últimos anos. Em segundo lugar, tem que ser analisado em profundidade. Que regiões, que setores, que camadas sociais cresceram? Outra questão fundamental: cresceu com inflação? Considerando esses dados, o crescimento verificado no Brasil não tem paralelo no mundo. Cresceu sem inflação, cresceu distribuindo renda, incluindo milhões de pessoas no mercado de consumo, cresceram as regiões mais pobres, cresceram os setores estruturais, a indústria de base, que prepara o país para mais crescimento no futuro, a venda de computadores, que já ultrapassou a de televisores. Sem contar que foi em 2007 que o Brasil registrou a descoberta dos novos campos gigantes de petróleo e gás, o que não é, definitivamente, um detalhe insignificante a ser omitido em análises econômicas.
O que acho curioso é os analistas afirmarem a importância do Brasil repensar o sistema tributário e quando o governo acena com a reforma tributária para este ano, não haver nenhuma pressão para que a mesma seja aprovada. Ao contrário, a oposição sinaliza com um comportamento apenas negativo, de obstruir os trabalhos legislativos, e contam com a... simpatia da mídia! É esquizofrênico, é contraditório. Tudo por quê? Para a reforma tributária não ser aprovada durante o governo Lula?
E ainda temos essas distorções da realidade tributária. O Brasil é um país caro, um país com mais de 40% de seu território ocupado pela chamada Amazônia Legal, uma região que gera pouca riqueza, mas que é crucial para o equilíbrio ambiental do mundo. Os impostos no Brasil são altos, mas é importante explicar as causas disso. Temos uma renda per capita baixa e uma grande massa populacional que paga pouco ou nada de imposto. Conforme as massas pobres forem sendo incluídas no mercado de consumo, como já está ocorrendo, e a um ritmo bastante acelerado, "a conta" do governo poderá ser dividida por mais gente. O crescimento do PIB e do PIB per capita também ajudará a reduzir a carga tributária, porque permitirá que o governo reduza os percentuais tributários sem prejudicar seu orçamento, que também precisa continuar crescendo, para fazer frente às necessidades de investimentos estrututais, sociais, ambientais e culturais.
Essa cruzada anti-tributária da mídia, do jeito que está sendo conduzida, aparenta ser apenas mais um movimento político-partidário, para jogar a classe média contra o governo. Por exemplo, se a mídia estivesse tão interessada em reduzir os tributos da classe média, ajudaria a pressionar a aprovação do imposto sobre as grandes fortunas, que existe em todos os países desenvolvidos. Aliás, essa é uma das razões principais da carga "relativamente" leve sobre as classes médias européias: suas elites financeiras são draconiamente tributadas. Porque será que a Miriam Leitão não fala sobre isso, héin?
O Globo, assim como a mídia, vem construindo, uma verdadeira mitologia anti-estatal. Essa é, a meu ver, a maior esquizofrenia da oposição partidária. PSDB e DEM querem o poder do Estado, mas compartilham dessa visão anti-estatal. O mínimo que se pede de autoridades do Estado é que valorizem o papel do Estado. Tucano-demos, além disso, são demagogos na questão tributária, visto que, no poder, foram o governo que mais elevou a carga tributária. Nos oito anos de FHC, a carga tributária cresceu 42%, enquanto nesses cinco anos de Lula, o crescimento foi de apenas 6%, com uma outra diferença básica: enquanto na era fernandista o desemprego e a informalidade da economia cresceram, nos anos lulistas ocorreu o contrário, caiu o desemprego e caiu a informalidade, o que explicaria inclusive esse aumento da carga. Sem falar das operações da PF e da Receita contra grandes sonegadores, que aumentaram muito de intensidade nos últimos anos.
Ah, detalhe, você sabia que o principal imposto do país é o ICMS, cobrado pelas federações? Ninguém quer falar nisso, né? Ninguém quer falar também que uma das metas do PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, é justamente reduzir significativamentea carga tributária no Brasil, sobretudo da União.
Nos planos do PAC, consta a redução dos gastos com pessoal, por parte da União, dos atuais 5,3% do PIB em 2007 para 4,7% em 2010. Outro detalhe, o ano com gasto recorde com pessoal foi o último de FHC, 5,4% do PIB. E os tucanos ainda tiram onda de defensores de Estado mínimo... com ajuda da mídia, essa prestidigitadora que pregou no rabo do governo Lula a faixa de "gastador e empreguista de cumpanheiros".
O principal fator, entretanto, que obriga o Estado a cobrar tanto imposto é o endividamento público do país. Ganha uma tapioca quem adivinhar qual foi o governo que mais endividou o país na história recente? Ganhou quem disse: os tucanos! Pois é, parece até birra minha, achar que tudo de ruim foi feito por FHC. Já andei elogiando o Plano Real, e a estabilidade fiscal do governo FHC, mas pensando bem, nem por isso ele merece muito crédito, já que o Real foi feito mesmo pelo Itamar Franco e a estabilidade fiscal fernadista foi apenas teórica, já que embasada inteiramente na explosão do endividamento público, interno e externo.
A projeção do PAC é reduzir o endividamento público brasileiro dos atuais 48,3% do PIB (2007) para 39,7% ao final de 2010. Se o governo conseguir isso, e torçamos para que consiga (xô urubus), ganharemos bilhões para investir e desonerar impostos. A classe média brasileira, apesar do Globo e da Miriam Leitão, terá a possibilidade de ser mais feliz. Isso se deixar de ser otária e parar de acreditar que o Globo defende seus interesses. O que o Globo defende, seus trouxas, são os interesses dos milionários! Parem de acreditar que a mídia apenas defende o capitalismo, etc. O trabalhador humilde é o esteio de qualquer capitalismo que se preze. Nenhum capitalismo se consolida sem um vigoroso mercado consumidor, ou seja, sem tirar as pessoas da pobreza, sem dar acesso aos bens e serviços do mundo moderno. Portanto, há que se fazer política social, industrial, tributária e monetária visando o trabalhador simples e a classe média.
Parte de nossa direita é composta por um setor infantilizado, arrogante, deslumbrado com suas estantes (pensam que são os únicos que lêem e escrevem bem), que se acham moralmente superiores. São viúvas de uma guerra fria obsoleta, tristes por constatar que, sob governos de esquerda, o capitalismo sul-americano se humaniza, se consolida, se fortalece; tristes por ver que o socialismo que combatiam também se modernizou, tanto em linguagem quanto em objetivos. O socialismo aprendeu a conviver com a democracia e a liberdade; mais ainda, o socialismo aprendeu a conviver com a propriedade, não mais considerada um bicho-papão, mas um direito do cidadão, e que, desde que fiscalizada pelo Estado, desde que pague os devidos impostos (justos, não extorsivos), não constitui um mal à sociedade. Isso assusta e confunde a direita.
Obrigado!
Realmente o que estraga o leite do brasileiro é esse creme xantilí velho, essa nata mofada. A base tem que ferver pra desinfetar até em cima...
Parabéns Miguel por mais este excelente texto com rica análise da nossa realidade e dos interesses escusos que se escondem por trás das campanhas da grande mídia. O bom é que estas campanhas vão e voltam e o país continua indo para frente com a políticas e decisões do nosso presidente (para desespero das Mirian Leitão da vida!).
Não tive acesso ao conteúdo da matéria para estudá-la melhor, mas me parece claramente que há algum erro fundamental. Os países citados, principalmente os nórdicos, mantêm alíquotas de até 50% do imposto de renda, além de cobrarem o imposto sobre grande fortunas de quem tem patrimônio superior a 300 mil euros.
O lance, a mentira como sempre, é que estão confundindo a alíquota topo, comparando com o percentual efetivo de outros países. No Brasil, ninguém paga de fato 27,5% de IR, porque você deduz mais de 500 reais desses 27,5%, a imensa maioria das pessoas paga menos de 10% efetivos. E você ainda tem a oportunidade de descontar 20% na declaração anual e receber parte do que pagou de volta.
Depois eles reclamam que o Movimento dos Sem-Mídia fica processando eles... não páram de mentir. Ou então que a gente acha que jornalista só escolheu essa profissão porque não tinha cálculo, afinal ou é má fé ou burrice matemática. O que vocês acham?
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