20 de janeiro de 2011

Dias quentes sem jornal

(Basquiat)

Verão turbulento no Rio. Sem meio termo: ou temos o sol nos fervendo os miolos, a temperatura tão alta que parece diluir o sangue, ou então surgem nuvens enormes e escuras ao fim da tarde, primeiro ameaçando, depois cumprindo a ameça, alagando as ruas, ensopando os pedestres, paralisando o trânsito.

Nem desço à portaria para pegar os jornais. Prefiro terminar de ler o romance de Denis Lehane. Engraçado como todo livro de gênero (policial, terror, etc) perde força sempre que a história caminha para uma solução. Lembro de um livro do Stephen King que eu estava achando muito bom, Os Estranhos, com descrições divertidas e envolventes de personagens e situações. Quando a narrativa atinge o ponto onde os monstros começam a aparecer, a graça se esvai. O livro torna-se falso, infantil, pretensioso. A mesma coisa vale para esse Lehane.

Gosto particularmente das descrições da cidade, que se torna um personagem quase vivo na história. Quando o mistério sobre o desaparecimento da menina começa a ser desvendado, porém, a narrativa até ganha vida, a gente sente vontade de ler mais rápido e tudo, mas o texto perde em termos literários. E o problema não é uma queda súbita na técnica, mas na própria história. Talvez por não ser convincente. Talvez por ser vulgar. Na ânsia de criar um embate final, o autor simplifica o antagonista, torna-o um vilão maniqueísta. Afloram falhas de verossimilhança que provocam certo desencanto no leitor. Ele lê mais rápido agora não apenas por curiosidade, mas para terminar logo o maldito livro.

Interesso-me muito, todavia, por todo o tipo de técnica literária, e leio os romances policiais com a mesma atenção com que o faço lendo Dante Alighieri. Observo os movimentos, as pausas, as digressões constantes depois de cada diálogo. As descrições que humanizam as paisagens e criam uma atmosfera.

Há tempos tenho a impressão que a "alta literatura" teria muito a ganhar se descesse de vez em quando de seu pedestal e examinasse as técnicas literárias presentes nos romances policiais. Com certeza, teríamos livros menos chatos.

Um romance policial como os de Denis Lehane possui, além disso, uma pesada dose de crítica social, mas sem julgamento, sem tomada de posição. A postura do autor está mais para o desencanto, fazendo a linha decadente, o que aliás combina bem com o momento histórico vivido pelos Estados Unidos.

No Brasil, tenho notado, há muitos anos, uma grande falta de habilidade narrativa. O déficit neste sentido é tão grande que inúmeros escritores desistiram abertamente de trabalhar a questão do conteúdo, preocupando-se prioritariamente com a forma da linguagem. Alguns passaram a defender a primazia da forma sobre o conteúdo, talvez tentando, sem disso se aperceber, melhorar um pouco a nossa auto-estima.

Isso tem que mudar. O Brasil precisa de histórias. De romances que descrevam o desespero e a euforia nas grandes cidades, o desregramento da juventude nos municípios médios, o fim da paz nas cidadezinhas. Há tanta coisa para contar! Crimes, crepúsculos, edifícios abandonados, praias, canais sujos, tempestades, prostituição, máfias, crianças brincando nas ruas, crianças fumando crack nas ruas, não faltam elementos para compor uma nova literatura realista de que o país tanto precisa para se autoconhecer.

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