Mauro Santayana, no Jornal do Brasil.
O melhor que devemos fazer, diante de novas manifestações contra a decisão soberana do Brasil em negar a extradição de Batistti, é atender à recomendação dos velhos sábios: deixar que os protestos entrem por um ouvido e saiam pelo outro. Quando a Itália concedeu boa acolhida a Salvatore Cacciola, o Brasil se manteve em silêncio, tendo em vista a sua condição de cidadão italiano. Esperou-se a boa oportunidade, e ela surgiu quando Cacciola foi passear sua impunidade no Principado de Mônaco.
É natural que a direita e parcela da esquerda da Itália se sintam ofendidas pela decisão assumida – dentro de sua inteira potestade e responsabilidade – pelo presidente Lula. Inaceitável é a posição de personalidades do governo, que confundem o Estado com seus sentimentos pessoais ou posições ideológicas. É interessante registrar que poucas pessoas conhecem o tratado de extradição (sempre citado pelos que exigem a entrega de Batistti à Itália). O tratado, em seu artigo II, que trata da recusa de extradição, diz, claramente, que ela não será concedida “se o fato pelo qual é pedida for considerado, pela parte requerida, crime político”.
Quem é juiz para decidir se o crime foi político, ou não, é a parte requerida: o governo brasileiro (letra e).
O item seguinte (f) traz uma razão adicional para esse entendimento, ao acrescentar que a parte requerida poderá negar a extradição, se tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política , condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados.
Assim como o presidente Lula, em nome do Estado, do qual era constitucionalmente chefe, negou a extradição, poderia tê-la concedido, se assim entendesse como de interesse do país. Ele tomou decisão soberana, em nome do povo, como seu mais importante mandatário. Que o governo italiano, atendendo ao clamor das presumidas vítimas de Batistti, busque a extradição, é compreensível. Mas é necessário que aceitem a decisão brasileira, assim como aceitaram, antes, a de Mitterrand ao asilar, na França, o mesmo Batistti por dez anos.
A facção política a que pertencia Batistti era minoritária entre as que atuavam na Itália no fim dos anos 70. As Brigadas Vermelhas, que sequestraram e mataram Aldo Moro, não agiram de forma a atender o Partido Comunista, que negociara com aquele político democrata-cristão o famoso Compromesso Storico – criava a aliança entre os dois partidos para governar a Itália. Hoje, ninguém mais duvida que a direita democrata-cristã, de Giulio Andreotti, o principal adversário de Aldo Moro no partido, foi a maior beneficiada pelo crime. Nos anos 70, quando Moro foi assassinado, o hoje ministro La Russa – o mais irado inimigo do Brasil no caso Batistti – já era notório militante da extrema-direita.
O grupinho a que pertencia Batistti era insignificante do ponto de vista político, e poderia ter sido instrumento da própria direita. Se o seu processo foi farsa, ou não, não importa ao nosso raciocínio, embora ele tenha sido condenado por dois assassinatos cometidos em cidades diferentes e distantes, no mesmo dia.
Enquanto alguns manifestantes protestavam ontem, diante da nossa embaixada, na Piazza Navona, a poucos metros, na via lateral, o Corso del Rinascimento, outros pediam a libertação de Cesare Batistti. E importantes jornalistas e políticos italianos buscam diminuir a importância do dissídio diplomático – a partir do próprio primeiro-ministro, Berlusconi, que defendeu ontem a continuidade do bom entendimento entre a Itália e o Brasil. Ao mesmo tempo, a União Europeia se nega a transformar a causa italiana em um problema daquela comunidade de nações.
5 de janeiro de 2011
Em nome da serenidade
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