16 de janeiro de 2011

Jornalismo em cheque

A Globo e o El País: jornalismo em xeque

D







Por Maurício Caleiro, em Cinema & outras artes.

Em termos de comunicação, a estratégia que garantiu ao ex-presidente Lula se reeleger e terminar seu segundo mandato com 87% de aprovação popular - a despeito de oito anos de oposição cerrada da mídia, incluindo espasmos golpistas - concentrou-se no seguinte tripé:

  1. Desconcentração da mídia, com a verba publicitária federal espraiada em pequenas e médias publicações e emissoras de rádio;

  2. Internet (notadamente blogosfera e redes sociais);

  3. Marketing político de primeiro nível, não restrito a campanhas eleitorais.


Mídia internacional

Além desses fatores, a cobertura que grandes veículos da imprensa internacional fizeram da personalidade política de Lula e de seu governo, contraposta à má-vontade e às distorções preconceituosas da mídia nativa, não só tornou evidente o quanto esta oferecia uma visão improcedente dos fatos, como forneceu – à história, ao público internacional e a estratos mais antenados no próprio Brasil - um atestado da eficiência de sua gestão inédito na grande mídia.

Tal atestado, por sua vez, contradiz as acusações de populismo que, através, de ilações entre altas taxas de aprovação e programas de inclusão social como o Bolsa-Família, a mídia corporativa esforçava-se por pespegar em Lula, adotando-as como a explicação virtualmente exclusiva para o sucesso de sua gestão.

Rancor dos derrotados

A vitória eleitoral de Dilma Rousseff representou a derrota do projeto político abraçado pela mídia corporativa nativa. Pois, como escrevi no início da campanha eleitoral, em artigo no Observatório da Imprensa, as eleições de 2010, de caráter eminentemente plebiscitário, não oporiam apenas o projeto de inclusão social em bases pós-keynesianas encarnado pelo lulopetismo e o retorno à ortodoxia neoliberal tucana, mas a efetividade da influência eleitoral da mídia corporativa versus a diversificação desconcentrada e contra-discursiva da internet e dos pequenos media.

Derrotada uma vez mais, resta à velha mídia procurar minar a estratégia comunicacional governista. Na internet, a briga é por uma regularização draconiana, representada pelo projeto do senador Eduardo Azeredo (acusado de ser a fonte primária do mensalão tucano). Já em relação à desconcentração das verbas publicitárias federais, pouco pode fazer, no curto prazo, para revertê-la novamente ao modelo concentrador de que sempre se beneficiou.

Fontes não confiáveis

No entanto, credenciar-se novamente como fonte da imprensa anglo-européia poderia significar a chance tanto de impedir que Dilma se beneficie desta por seus próprios méritos (como ocorreu com Lula) como, assim, criar um fator de chantagem, digo, de pressão para demandar maiores verbas federais para suas publicações.

Por tais razões é importante a reação sistemática dos brasileiros contra matéria publicada hoje pelo usualmente sóbrio El País, da Espanha, ecoando uma edição claramente mal intencionada e JORNALISTICAMENTE CRIMINOSA da Rede Globo – na qual altera cenas da primeira reunião ministerial, em Brasília, com imagens da tragédia. Ou seja, conecta artificialmente dois eventos espacialmente apartados e de diferentes naturezas de modo a, por interesses políticos, manipular emocionalmente os espectadores, num ato de incrível baixeza e falta de profissionalismo.

No texto, o correspondente de longa data Juan Arias – um especialista em Vaticano e escritor de livros com temática espiritual, incluindo um sobre Paulo Coelho – se diz impressionado e indignado pelas imagens. Um jornal do prestígio internacional do El País não pode manter em um país com a atual importância estratégica do Brasilum correspondente que não só se mostra incapaz de identificar o tendenciosismo da imprensa, mas compra como legítima – e se deixa impressionar por – uma montagem descontextualizada e artificial de imagens que a ética jornalística condena.

É preciso protestar

Ainda antes antes de saber que Eduardo Guimarães publicara um post conclamando seus leitores a escreverem ao jornal espanhol, protestando, enviei ao El País o seguinte comentário:
“Não é necessário ser um gênio para perceber que não é honesto confundir a atmosfera particular de uma reunião ministerial com a reação de um presidente ante o sofrimento humano causado pelas enchentes. Além disso, o fato é que a reação efetiva de Dilma Rousseff para amenizar os efeitos da tragédia foi rápida e objetiva, visitando as zonas afetadas e autorizando a liberação do equivalente a U$450 milhões. A imprensa brasileira, desde a eleição de Lula da Silva em 2002, atua como um partido político e não pode ser levada a sério. Sinto muito que um jornal supostamente sério como o El País“compre” a campanha infame que os meios corporativos brasileiros movem contra Rousseff. Reproduzir suas mentiras significa enganar aos leitores do jornal – como o correspondente Juan Arias, se realmente tem consciência do que ora acontece no Brasil, deveria saber”.

Gostaria de, como fez Eduardo, convidar mais pessoas a protestarem. Ressalvo, no entanto, a importância de ser educado e argumentativo, ao invés de se utilizar da agressividade xenófoba que se lê em alguns comentários. Ofender os espanhóis pelo erro do jornal não é inteligente nem adequado (pense: você acharia justo ser ofendido pelo que a mídia brasileira publica?). Não dominando o idioma, talvez seja conveniente valer-se de um tradutor na internet (não são perfeitos mas ajudam), de maneira a fazer com que os leitores espanhóis entendam nossas razões e eventualmente apóiem nosso protesto. O importante é fazer, através do volume de cartas e da sensatez das argumentações, o editor do jornal espanhol convencer-se de que erraram - e feio.





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