29 de junho de 2005

Leitura crítica

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Dois artigos mexeram comigo hoje, na Agência Carta Maior. Um é de Emir Sader, outro de Flavio Aguiar. Vou me concentrar, nesta análise, no artigo de Sader, entitulado "Nada será como antes".

Sader, desde o início, manteve uma postura duramente crítica ao governo Lula. Acho que inclusive exagerada, meio sectária, como alguém que prefere fechar-se numa "postura" do que debater idéias de forma aberta e democrática.

Às vésperas das eleições de 2004, seu coração petista ficou em alvoroço e, então, sentimento e razão entraram em conflito, causando alguns embaraços ideológicos e contradições retóricas em seus artigos.

Nunca se recompôs totalmente deste turbulento período eleitoral, em que houve um primeiro grande embate entre os quatro maiores partidos do país: PT, PSDB, PMDB, PFL. Aliás, vale notar que o clima político que teremos em 2006, de uma forma geral, ficou mais ou menos definido em 2004.

Em seu artigo, ele reafirma seu apoio irrestrito ao movimento social, repetindo, em palavras mais sofisticadas, o teor do manifesto divulgado pelo MST, CUT e entidades afins, condenando a crise e instando o governo a mudar a política ecônomica.

Inicialmente, achei um excelente artigo, que toca ao coração de qualquer pessoa, jovem ou velho, com histórico de esquerda. Refletindo melhor, agora, penso que ele foi repetitivo e simplório. É um texto para ler e gostar, e que pode até ser usado como instrumento de pressão política para o governo adotar uma política fiscal mais flexível. No entanto, falta consistência técnica, o que é fatal para um cientista social. É fácil falar que o governo deveria fazer isso e aquilo. O mais difícil é apresentar dados técnicos mostrando como se poderia fazer isso. Pessoalmente, eu acho que ele tem toda razão. O governo deveria usar a crise política para dar uma guinada populista em seu governo.

Hoje em dia, após ver tanta miséria nas ruas, não tenho vergonha de ser um defensor do populismo. Até o governo Garotinho & Rosinha, não condeno totalmente o populismo deles; acho, naturalmente, muito errado o uso eleitoral. O que critico no Garotinho, sobretudo, é a política de segurança. Essa semana mais um garoto inocente, um trabalhador, funcinário do Bobs, foi morto no Leblon por, segundo moradores, que sabem das coisas, por policiais. Bandidos não teriam nenhum motivo para matar o rapaz - a menos que ele fosse um dedo-duro, hipótese longínqua para quem conhece o comportamento do carioca pobre nos dias de hoje. Enfim, são milhares de casos, tantos que a chacina da Baixada, a maior da história do estado, está quase esquecida.

O erro que vejo no artigo de Sader é que, sabendo quem é o autor, achei que ele anda sendo superficial, o que, repito, é fatal para um cientista, pois seus textos, embora agradem e tenham aprovação do leitor de esquerda, pode resultar nulo para um leitor neutro ou conservador.

Escrever somente para um público, seja de esquerda ou de direita, é um erro técnico e político. Não ajuda quem você quer ajudar e não agride eficazmente o mal que você quer atacar.

É preciso tomar cuidado com "cacoetes" e "jargões" esquerdistas, até porque, para a maioria dos brasileiros, esses conceitos já estão ultrapassados. Na verdade, esse sempre foi o erro principal de importantes segmentos da esquerda brasileira; e que, somente após ter sido detectado e consertado, pôde levar Lula à vitória.

Falta, agora, aos intelectuais que defendem os movimentos sociais, uma atitude mais inteligente e pragmática, no sentido de elaborar construções teóricas que sejam eficazes na luta para mudar, não somente a política econômica conservadora do governo Lula, mas a própria mentalidade conservadora, muitas vezes reacionária, da sociedade brasileira. É preciso aprender a se comunicar com "o outro", com aqueles que não pensam de maneira ideológica, e que formam a esmagadora maioria da opinião pública nacional.

28 de junho de 2005

Crise já começa a dividir o país

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Vale a pena acompanhar os últimos acontecimentos com a consciência crítica, observando como os grandes meios de mídia, com todos suas ferramentas (colunistas, repórteres, cartunistas e comediantes), conseguemdesconstruir biografias e histórias de luta pela justiça social.

De uma hora para outra, o réu deixou de ser Roberto Jefferson e virou o PT, mostrando que a tática do ex-presidente do PTB foi bem sucedida. Assim como Hitler e as lideranças nazistas, Jefferson soube usar a hostilidade de poderosos segmentos econômicos (mídia, classe média) contra o governo Lula, e transformou-se, sem maiores culpas, através de denúncias vazias, no pretexto para o clima de desestabilização política que domina o país.

A estratégia foi muito inteligentemente aplicada e está realmente causando estragos e confusão na opinião pública. Tendo optado por se tornar um partido de massas, o PT tem milhões de filiados e simpatizantes. Não pode, evidentemente, controlar a vida ética de cada um.

Soma-se a isso declarações e artigos oportunistas de intelectuais "esquerdistas" adversários do governo que usam o momento para ferir mais fundo seus desafetos. É impressionante como certos "medalhões" se escondem atrás de um falso "esquerdismo" ilustrado para disfarçar seu próprio ócio político e vazio filosófico.


Entretanto, há um outro lado na história, como sempre. Movimentos sociais, intelectuais progressistas e um setor da mídia menos comprometido com as elites (como a Carta Capital e muitos sites) perceberam a manobra para enfraquecer o governo Lula e estão se posicionando, por uma questão de equilíbrio, de outro lado.

A divisão política que as elites sempre temeram, após ver os estragos que fez na Venezuela e faz na Bolívia; e que o próprio Lula tem tentado, de todas as formas, evitar desde o início de seu mandato; esta divisão se esboça, não ainda de forma irreversível, mas já representando uma situação ao mesmo tempo perigosa e promisssora, já que traz altos riscos políticos e econômicos; podendo se tornar, contudo, um momento de ruptura política que Lula sempre achou prudente evitar em sua primeira gestão.

A ver. Pelo menos, não dá mais para negar que a História continua viva no Brasil.

Dois artigos para entender a crise

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Selecionei dois artigos que, a meu ver, ajudam a compreender a crise. São textos sérios, ponderados, sem passionalismo político.

Um é esse, da Agencia Carta Maior.
Outro é esse, da Carta Capital.

26 de junho de 2005

A versão de Genoíno

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24/06/2005 - A onda de denúncias vazias

O Brasil está sendo assolado por uma onda de denúncias vazias e irresponsáveis. Essa onda é pilotada, nos bastidores, por setores da oposição e escudada por setores da imprensa. Veja-se, por exemplo, que o depoimento do deputado Roberto Jefferson na Comissão de Ética na Câmara dos Deputados serviu de peça de propaganda do programa de TV do PSDB. O objetivo central da campanha é eleitoral. Trata-se de massacrar e sangrar o PT e o governo Lula para tentar batê-los nas eleições presidenciais do ano que vem.

Nessa onda de denúncias vazias existe um único fato e muitas versões – algumas fantasiosas, outras deliberadamente mentirosas. O fato: um funcionário de carreira dos Correios foi flagrado recebendo uma propina e afirmando que fazia parte de um esquema de arrecadação de recursos pilotado por Roberto Jefferson, então presidente do PTB.

A partir deste único fato, sentindo-se ameaçado pelas investigações, Roberto Jefferson inventou duas grandes inverdades. A primeira: a de que o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, pagava uma mesada aos deputados do PP e do PL. A segunda: a de que o PT teria feito um acordo com o PTB, de repasse de recursos financeiros, e que teria repassado R$ 4 milhões para os petebistas. Sobre estas duas inverdades, Jefferson apresentou várias versões. Sobre a mesada aos deputados, primeiro afirmou genericamente que eram os deputados do PP e do PL. No depoimento à Comissão de Ética da Câmara sugeriu que eram apenas os líderes dos partidos que recebiam a suposta mesada. Por fim, indicou que seriam cerca de 80 deputados os receptores do dinheiro.

Quanto ao suposto acordo do PT com o PTB, quando o assunto veio à tona há alguns meses, Jefferson emitiu uma nota oficial em nome do seu partido e escreveu um artigo na Folha de S;Paulo negando o acordo. Depois, disse que o acordo teria existido e que o PT não repassou nenhum recurso. Finalmente, afirma que o PT teria repassado R$ 4 milhões. Quando Jefferson está dizendo a verdade, diante de tantas versões sobre as suas invencionices? É possível dar credibilidade a tal conduta? Setores da imprensa e parte da opinião pública, no entanto, adotaram sem questionamento as denúncias de Jefferson.

Veja-se o caso da ex-secretária Fernanda Karina: processada pelo publicitário Marcos Valério, apresentou uma versão em depoimento à polícia civil. Depois deu uma entrevista à revista IstoÉ Dinheiro para, em seguida, recuar e não permitir a divulgação. Voltou a dar nova entrevista autorizando sua divulgação. Em depoimento à Polícia Federal, desmentiu todo o teor da entrevista. Agora voltou a reafirmar tudo novamente em entrevista levada ao ar no Jornal Nacional.

Já o funcionário dos Correios, Maurício Marinho, flagrado recebendo propina, apareceu diante da CPI dos Correios na condição de réu. Tal como Roberto Jefferson, procura inverter a posição, representando o papel de acusador. Lançou acusações generalizadas sobre os contratos dos Correios, sobre funcionários e sobre integrantes do governo. Sem nenhum indício ou evidência de verdade, setores da imprensa adotam a versão do funcionário flagrado em ato de corrupção e passam a atacar a honra e a dignidade das pessoas. Em São Paulo, um integrante do PPS acusou irresponsavelmente dois petistas de terem oferecido R$ 2 milhões para que o partido apoiasse a campanha de Marta Suplicy. Sem nenhum critério objetivo de checagem da veracidade da denúncia, ela foi divulgada pela imprensa. Foi preciso que os próprios dirigentes do PPS negassem a ocorrência da oferta de dinheiro para que setores da imprensa parassem de dar crédito à denúncia.

O que está ocorrendo, de fato, é que a dignidade e a honra política e moral de pessoas e do PT estão sendo manchadas por denúncias infundadas, sem que se faça a menor reflexão sobre isto. Setores da imprensa não adotam o menor critério objetivo para divulgar denúncias. Qualquer pessoa pode alçar-se na condição de denunciante, que lhe é dado crédito imediatamente.

O PT, no entanto, tem uma história de lutas e compromissos de defesa da democracia, da ética na política e de combate à corrupção. Como já dissemos várias vezes, o PT não é proprietário da virtude, mas tem compromissos com ela. Como partido de massas, o PT também pode abrigar pessoas que adotam condutas inadequadas com a coisa pública. Mas sempre que isto aconteceu, o partido não foi condescendente com estas práticas. Mesmo julgando que esta onda de denúncias é vazia e sem fundamento, o PT apóia todas as investigações, pois nada tem a temer. O PT irá defender sua história e sua honra até as últimas conseqüências.

José Genoino – Presidente do PT

Mais uma edição, mais lenha na fogueira

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Tem edição semanal nova no ar. Confiram. Tem um artigo sobre a guerra no Iraque & crise política no Brasil, na coluna Arte&Manhas.

24 de junho de 2005

Mentiras perigosas

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Foi um golpe sujo contra o governo Lula. Lastreada nas mentiras de Jefferson, a imprensa conseguiu provocar um terrível dano político ao PT e ao governo. O que me impressiona é o fato de que as pessoas sabem que há corrupção, mas não sabem que há, ainda em maior grau, mentira e falsidade.

E a melhor mentira, sabem muito bem os especialistas, é aquele onde se mesclam pedaços de verdade. Você faz um discurso mentiroso, com trechos verdadeiros, e quando é questionado, usa apenas o lado verdadeiro para legitimar o discurso na sua totalidade.

23 de junho de 2005

O que não mata nos deixa mais fortes

3 comentarios

Genoíno, Dirceu, Dilma Rousseff, tiveram uma larga e dura experiência de luta contra a ditadura militar. Foram presos, torturados e, anos depois, brigaram pela criação das diretas, pela fundação do PT, e entraram de vez no mundo da política. Nesse tempo todo, passaram por grandes dificuldades.

Enfim, chegaram ao poder. E agora enfrentam os problemas próprios de quem possui o poder político, mas não o econômico. A oposição está montada sobre a mídia. Os líderes da oposição não tem sequer o pudor de lerem manchetes de jornal na tribuna. Roberto Jefferson, na entrevisa ao Roda Viva, não cansava de repetir que somente a imprensa pode mudar os rumos da CPI, o que, a meu ver, significa, transformá-la num circo político que aprofunde a sensação de instabilidade política no país.

Entretanto, a estratégia da oposição, se bem compreendida pelo PT, pelo governo, e seus quadros, poderá se voltar contra ela própria. Se tiverem paciência, serenidade, para aguardarem as investigações irem até o fim. Passado o furacão, devem cobrar, na mesma moeda, a conta da mídia e da oposição.

É notável que os movimentos sociais e a intelectualidade progressista, ou de "esquerda" estavam um pouco desorientados com a chegada de Lula ao poder. Perderam o "grande inimigo", que era o Estado, histórico representante das elites. Agora, que vêem a oposição usando munição pesada contra o governante que eles ajudaram a eleger, encontram novamente um adversário contra o qual lutar. Estão enxergando, na estratégia da oposição, uma articulação maquiavélica para debilitar o governo Lula e retornar ao poder.

A articulação das elites para derrubar o governo Lula vem sendo negada com sarcasmo pelos colunistas dos grandes jornais. Falam no aumento da renda dos milionários e dos banqueiros, como se esse fato pudesse ser atribuído à Lula. No ambiente democrático-capitalista brasileiro, o que Lula poderia fazer para reduzir as taxas de lucratividade das elites. Todos sabem que o grande capitalista ganha em qualquer circunstância. A economia cresce, ele ganha. A economia cai, ele ganha. O dólar sobe, ele ganha; o dólar cai, ele ganha. Lula é eleito, ele ganha. Lula perde, ele ganha. Mesmo se dando bem, as elites tem sua ideologia, e ela não é petista. É uma ideologia conservadora e retrógrada, que criminaliza os movimentos sociais e quer retomar as rédeas do governo federal para terminar a devastação feita pelo governo FHC. Quer privatizar de vez a Petrobrás, o Banco do Brasil, quer enterrar a agricultura familiar, instituir um aparato de segurança pública fascista e brutal, como Alckmin vem fazendo em São Paulo.

Felizmente, a grande mídia não tem mais a força de antigamente. Diversos sites de prestígio, como o Agência Carta Maior, e mesmo revistas conceituadas, como a Carta Capital, estão fazendo uma cobertura mais isenta, mais ponderada, sobre o episódio envolvendo as denúncias de Roberto Jefferson.Há muitos outros sites e blogs. Claro que há o preconceito reprimido contra Lula e o PT; e que explodiu facilmente com as mentiras super-divulgadas de Jefferson. Mas esse preconceito iria explodir mais dia menos dia. A crise de hoje é a oportunidade do governo Lula se aproximar dos movimentos sociais, que mostram lealdade e são "blindados" contra a influência da grande mídia, porque experimentam, eles próprios, o veneno diário que ela inocula na opinião pública contra eles; e também dos intelectuais de esquerda, que são tantos e tão importantes, e que possuem visão crítica o bastante para ler a Folha, o Estadão, e não se envenenarem.

O governo Lula tem sido bem sucedido no campo econômico. Mas não pode esquecer que o poder nasce na política e morre na política. A crise mostrou fragilidade no campo político, e foi sorte que aconteceu há quase dois anos da eleição, dando tempo, ao governo, para reconstruir sua imagem e sua estratégia. Uma boa comunicação com o público é fundamental. Portanto, o governo precisa apoiar e incentivar jornais, revistas e sites alternativos, que mostrem uma visão independente e íntegra. Sem esquecer, contudo, que independência, como dizia Rui Barbosa, que era acusado de tendencioso por defender a abolição da escravatura, não significa passividade diante dos fatos, e que não existe imparcialidade diante da injustiça. Onde há mentira, é preciso apontá-la e condená-la; e não erigi-la como manchete de jornal, como muitos vem fazendo...

21 de junho de 2005

Comentários após ver Jefferson no Roda Viva

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Acabei de assistir aos últimos blocos da entrevista de Roberto Jefferson ao programa Roda Viva, na TVE. Muito intessante, muito instrutivo. Deviam mostrar todos esses depoimentos, entrevistas e discursos de Jefferson para crianças e jovens aprenderem a reconhecer um político mentiroso, corrupto, frio, calculista, que sabe ocultar interesses com incrível astúcia, jurando lealdade a quem já traiu, acusando a quem diz ser aliado.

Também é interessante o interesse canino da imprensa na figura de Jefferson. Realmente, o mundo é hoje muito melhor. Se estivéssemos na China, Rússia ou Cuba revolucionárias, seria fuzilado sem piedade. Se estivesse nos EUA da guerra fria, certamente morreria engasgado com o próprio vômito, se residisse num país árabe, não duraria horas. Hoje em dia, o estrago político provocado por Jefferson ao governo, ao PT, PP, PTB, PL e ao Congresso Nacional, poderá ser compensado por uma salutar reforma política, dentre outras mudanças profundas no trato com a coisa pública.

Uma primeira grande novidade é a proposta de Genoíno, presidente do PT, sobre a eliminação gradual dos cargos comissionados, ou seja, aqueles que são ocupados por "indicados" pelos partidos que estão no poder. Genoíno defende que todos os cargos sejam ocupados por funcionários de carreira, concursados. Será uma grande lavagem na própria alma do Estado brasileiro.

Agora, é lamentável - apesar de inevitável e mesmo natural num ambiente democrático de lutas políticas - que a opinião pública esteja se deixando levar tão facilmente pelo caminho traçado pelas direitas. Está se desenhando, no Brasil, um clima similar, com suas respectivas diferenças, ao que ocorreu na Venezuela. Trata-se de um jogo arriscado, onde a direita pode ganhar espaço e controlar o país por mais vinte anos; ou pode levar ao acirramento ideológico, obrigando o governo Lula a romper o pacto social que fez com o grande empresariado e ligar-se mais intimamente com os movimentos populares.

Entretanto, acho que, diferentemente da Venezuela, Lula não só tem muito mais a perder, como suas chances de atravessar, vitorioso, como Chávez, as trincheiras de uma guerra política deste tipo, são muito menores.

Em primeiro lugar, o empresariado brasileiro é infinitamente mais poderoso, mais numeroso, que o venezuelano. Nossa classe média também é muito mais significativa. E, suprema desigualdade, o pobre brasileiro é o mais ignorante e despolitizado das Américas; além de ser fortemente controlado por uma rede de televisão de inegável qualidade artística, que é a Globo, distantemente da TV venezuelana, cujos programas voltados ao consumo de massa são de qualidade sofrível.

Existe, porém, uma esperança, que é tão mais poderosa quanto mais difícil de ser concretizada, em função dos elemementos citados no parágrafo anterior. Esta esperança seria uma enorme revolta popular, uma grande manifestação do povo brasileiro em apoio ao presidente, repudiando a volta da direita ao poder.

Voltemos à entrevista de Jefferson. Um repórter do Estadão, muito argutamente, levantou uma interessante questão ao deputado. Começou afirmando, ao mesmo tempo em que pedia a confirmação de Jefferson, que os deputados do PTB eram conservadores, com o que o entrevistado concordou prontamente. O repórter lançou então sua pergunta: aos deputados conservadores do PTB, como aos conservadores em geral no país, não seria de grande interesse um deblace estrondoso de um governo de esquerda, de forma a consolidar, junto à opinião pública, o prestígio de políticos e da própria ideologia conservadora para os próximos 20 anos?

Jefferson pareceu abalado com a pergunta, mas, como sempre, soube sair-se espertamente. Disse que o governo Lula implementava uma política ortodoxa que seria tão neo-liberal quanto a de Fernando Henrique. Falou isso de forma crítica, como se estivesse acusando o governo, no que se revelou tremendamente contraditório, visto que tinha acabado de afirmar a face conservadora do PTB e o fato do partido ser aliado do governo.

Ora, está notório que a estratégia de Jefferson é atacar o governo Lula. Mente ele quando diz que se trata de uma cruzada pessoal contra José Dirceu. Mente ele quando jura não pretender atacar o presidente. Ele tem é medo de Lula, que, como presidente e detentor de plenos poderes delegados pelo voto popular, poderia esmagá-lo pra sempre, extirpando-o da vida pública brasileira. Poderia fazê-lo com um discurso bombástico, terrível, mas creio que Lula deixará isso como última saída. Não valeria a pena, neste momento, descer ao nível de Jefferson. Dirceu, agora simples deputado, é que terá a missão de lutar o bom combate contra Jefferson.

Tenho pra mim que o mensalão quem pagava era o próprio deputado Roberto Jefferson, com o dinheiro obtido em alguma estatal onde havia gente do PTB, como a BR Distribuidora, a vice-presidência da Caixa, o IRB ou mesmo os Correios. Deixemos que a Polícia Federal averigue.

A opinião pública brasileira é dócil, fácil de manipular. Temos uma classe média desestruturada, egoísta, despolitizada, amargurada com tudo e todos. Uma classe alta astuciosa e, ao contrário da classe média, muito politizada, com jovens (ao contrário do passado) abraçando com fervor as novas ideologias conservadoras. Vide o fã clube do Olavo (uma espécie de novo Hitler em embrião, que se alimenta de crises e histerias anti-comunistas), mesmo com todos seus tiques psicóticos, dizendo que a ONU (criada pelos EUA) quer implantar um novo "governo mundial" comunista, que a mídia brasileira é, na sua maioria, esquerdista (que piada), além do bordão enjoado do tal Fórum de São Paulo, do qual participaram as Farcs e o PT.

Temos ainda uma grande massa desorganizada, cética, sem informação, sem respeito às instituições. "Político, policial, autoridade, é tudo corrupto", diz a voz das ruas, não sem alguma razão. Por fim, temos uma imprensa impecavelmente profissional, muito mais que na Venezuela, e que saberá se comportar com mais astúcia e maquiavelismo do que os inocentes do El Universal. A imprensa no Brasil é boa, os jornalistas são bons, mas são empregados mais preocupados em se destacarem junto aos chefes e donos do jornal (todos ultra-conservadores) do que efetivamente contribuirem para a causa da justiça social.

Enfim, as forças políticas estão se acomodando, muito confortavelmente, muito naturalmente, do lado de lá do balcão. Lula ainda tem o apoio de um amplo setor industrial, que assiste chocado mas relativamente tranquilo, seus primos financistas e fazendeiros fazerem o jogo do PSDB e PFL.

Aliás, existem duas grandes bancadas que não estão nada satisfeitas com o governo Lula. A rural e a bancada armamentista. Lula e o PT não criminalizaram o MST, mesmo com toda a pressão de grandes grupos de mídia. Pelo contrário, o movimento cresceu e cresce a olhos vistos, com apoio, explícito ou discreto do governo, do partido governista e parcela expressiva da opinião pública.

Mesmo sendo bem tratada pelo governo, que libera gordos financiamentos a juros mais baixos, a bancada rural tem visto Lula inerte na questão do câmbio. Queria um câmbio mais favorável à exportação. Lula, com sua experiência de operário, sabe que a moeda nacional valorizada é interessante para o assalariado. E, depois de passar por um risco de implosão cambial no início de seu governo, vê inclusive com bom humor essas elites pedirem intervenção estatal para conter a valorização do Real.

A insatisfação com Lula entre a poderosa classe agrária, portanto, cresce. Essa bancada se confunde com a bancada da "bala", que está apavorada com a proximidade da lei do desarmamento, que poderá deflagrar uma revolução na segurança pública no país, ao mesmo tempo que encerrará gloriosamente uma era de exércitos privados, mantidos pelos grandes fazendeiros desde o século XVII, quando exterminavam índios.

Quem não se enganem, há grandes interesses em jogo.

A extrema esquerda, como já venho escrevendo há tempos, tornou-se uma caricatura no Brasil, assim como em todo mundo. Apoiou o "não" na França, com o discurso anti-globalização, sem ter a coragem de admitir que, no fundo, agiu de má fé contra os países mais pobres da União Européia. Votou "não" por medo do "encanador" polonês, numa atitude repulsivamente covarde e estúpida, porque o encanador polonês já está lá e vai continuar chegando, com a diferença de que, com a nova Constituição, seria legalizado e ganharia o mesmo salário que o francês, e agora continuará ilegal.

É a mesma coisa no Brasil. A extrema esquerda se tornou um partido da classe média corporativa. Tornou-se sectária e o que é pior, alienou-se das classes populares. Distancia-se cada vez mais do povo. Os partidos da extrema esquerda no Brasil cometeram suicídio polício, implodiram, por sua própria incompetência, arrogância, falta de humildade e criatividade no trato com o povo. A extrema esquerda foi contra Chávez, foi contra Fidel, foi contra todas as revoluções. Isso vale para aqueles deputados que se entitulam "a esquerda do PT" e que foram responsáveis pelo vergonhoso fracasso que resultou na eleição de Severino Cavalcanti para presidente do Congresso Nacional. Fracasso que, no fundo, está por trás da crise atual.

Historicamente, a verdadeira esquerda é ponderada, não sectária, sabe falar a linguagem do povo, sabe mudar, sabe evitar um confronto desnecessário com as elites, porque sabe que sempre quem sai perdendo é o pobre. Mas na hora da luta, não foge, não trai seus companheiros, diferentemente dos extremistas que assumem ar valentão quando o momento é de paz e botam o rabo entre as pernas quando chega a hora de mostrar de que lado se está. Preferem atacar os próprios companheiros do que lutar contra os verdadeiros inimigos do povo.

Os extremistas são hipócritas. O cara de esquerda honesto, íntegro, dos dias de hoje, é aquele que se preocupa menos com suas idéias e mais com o bem estar da população.

A inflação está controlada e o salário mínimo está em 127 dólares, recorde dos últimos 20 anos. O Bolsa Família está em quase 40 dólares, um nível muito superior aos R$ 15 do Bolsa Escola de FHC, que equivaliam a menos de 6 dólares por pessoa.

É isso que importa.

Tenho grande confiança na nova ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, mulher de enorme integridade, inteligência invejável e capacidade de argumentação insuperável.

Vamos torcer para que o governo consiga superar essa crise e continuar a tocar os milhares de projetos que ainda precisam ser implementados.

Está na hora de cada um sair de cima do muro. Está na hora daqueles 53 milhões que votaram em Lula mostrarem que não querem o PSDB de volta. E que não será nenhuma crise arquitetada nos porões do Estadão, da Folha, da Veja ou do Globo, pra não dizer no escritório de FHC, que mudará isso.

Mas, acima de tudo, está na hora daqueles que tem o dom da palavra, escrita ou falada, de entrarem em contato com as pessoas de baixa escolaridade, que não tem acesso às entrelinhas do que a grande mídia diz, que não tem acesso às mídias alternativas (as quais, de qualquer forma, também estão, na maioria, nas mãos da hipócrita classe média), e explicar um pouco do que está acontecendo.

Explicar que é ridículo transformar Roberto Jefferson no presidente do Superior Tribunal de Justiça, e que acusar sem provas é a coisa mais leviana que qualquer pessoa sã pode fazer. E que todos, até se prove o contrário, são inocentes perante a lei. É assim que devemos ver figuras como Dirceu, Delúbio Soares ou Silvio Pereira. Até que apareçam provas consistentes e sejam julgados, eles não devem ser tratados como culpados.

Por outro lado, o PT não pode se ver como coitadinho. Ele é o maior partido do Brasil, com maior número de deputados federais, com inúmeras prefeituras, com o domínio do governo federal. Tem capacidade plena, portanto, para se defender e atacar seus inimigos. O tempo dos sonhos, da esperança, já acabou. Não quer dizer que foi em vão. Mas existe um tempo de esperança e outro de realização. Existe um tempo de sonho e outro de ação. É hora da esquerda brasileira, representada pelo PT, viver a realidade cruel da política, lutando, brigando, não mais por sonhos, mas por projetos de governo, por novas leis, por mudanças qualitativas na educação e na saúde. Está na hora do governo Lula promover um choque de realizações. Está na hora de Lula parar de chorar, dar um murro na mesa e gritar: agora vamos à luta companheiros!

17 de junho de 2005

Mais um artigo sobre a crise

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A crise e olho do ciclope

Por Miguel do Rosário*

A ideologia não está morta. Todo homem ou mulher possui uma visão metafísica do mundo que, queira ou não, constitui uma ideologia política e moral. A ideologia não é uma escolha, mas uma condição psicológica natural do ser humano pensante.

Entretanto, a ideologia não é uma coisa única, ou dupla, como acreditam cândidos seguidores do neo-liberalismo ou românticos idealistas revolucionários. Toda chatice pedante e histérica da filosofia pós-moderna, que até hoje nos atazana a vida com seu viés mal disfarçado de sectário conservadorismo, pelo menos revelou esta faceta cruel e complicante do universo político da humanidade: existem milhares, talvez milhões de ideologias diferentes, que seguem distintos padrões e variáveis.

Compreender essas tendências políticas e procurar ordená-las é uma obrigação ética de todo cidadão, em qualquer democracia que se preze no mundo. A tarefa é tanto mais difícil quanto mais avançado se encontra o capitalismo. O capital gosta de confundir, porque essa é a melhor estratégia de quem dispõe do poder sem o inconveniente de ter um rosto para levar uma bofetada.

Encontramos ideologias combinadas em diversos setores e indivíduos, o que não é doentio nem errado, como pensam puristas que hoje foram ultrapassados pela dinâmica da democracia: políticos que pensam modernamente, que mesclam ideologias, que sabem que a vitória contra a miséria é a principal bandeira de qualquer político, seja ele socialista, capitalista, neo-liberal, tucano, garotinista, esses é estão ganhando mais apoio apular.

Qualquer político hoje que transmita com eficiência e credibilidade a imagem de que vai atuar pelos mais pobres consegue vantagem no voto. Essa é uma mudança importante na cultura política que se operou no Brasil desde a eleição de Lula. Não esqueçamos de que os partidos de centro esquerda cresceram de maneira vigorosa desde o fim da ditadura militar, ao mesmo tempo em que partidos conservadores, como o PFL, murcharam no mesmo período, sobretudo nas duas últimas eleições.

O PFL, apesar de perder força no voto popular, voltou a encontrar apoio junto a alguns segmentos das elites financeiras, principalmente daquelas ligadas à agricultura e à exportação. Inicialmente apavorada com a eleição de Lula (o dólar chegou a 4 reais ao final de 2002), depois tranquilizada pela estabilidade econômica e pelo rigor fiscal do governo, essas mesmas elites esboçam agora um movimento de acomodação junto aos partidos da direita, mostrando que a reeleição de Lula em 2006 não será nada fácil. Mas vencê-lo será mais difícil ainda; não só pela força de Lula, que possui não só muita força aqui dentro como ganhou uma nunca antes vista projeção internacional, como pela debilidade da oposição, que não tem políticos com apelo popular; os melhores quadros do PSDB e PFL são figuras facilmente identificáveis com as elites, o que é prejudicial na delicada questão de conquistar o coração do eleitor pobre, classe média baixa e classe média média.

O maior problema dos analistas, nos dias de hoje, é que a dinâmica da história atingiu um ponto crítico em que não é possível entendâ-la somente a partir do estudo do passado. Se isso era verdade na época de Marx, que via as transformações econômicas da sociedade européia projetarem uma gigantesca sombra de transformações políticas e culturais, é mais verdade ainda atualmente, em que as revoluções industrias, tecnológicas e culturais se sucedem numa rapidez vertiginosa.

Mas, felizmente, diminuiu o nervosismo confuso e desesperador que culminou no pós-modernismo. O surto de irracionalismo que se propagou como epidemia nos anos 80 e 90, misturando a cultura do caos dos anos 60 com a cultura do dinheiro das décadas seguintes, já está relativamente controlado. Nas universidades, surgem aos poucos, inteligências mais prudentes, mais ponderadas em suas análises, mais respeitosas com o passado, humildes em relação ao presente e ambiciosas em relação ao futuro.

Nunca se vendeu tanto a Crítica da Razão Pura no Brasil. Hoje compra-se no sebo por dez ou vinte reais qualquer livro de filosofia. A Estética de Hegel finalmente foi traduzida para o português, cujas obras, aliás, começam a ganhar novas e numerosas traduções. "Ah, não vão entender mesmo", ou "apenas uma minoria de professores e intelectuais é que vão ter acesso", podem dizer alguns. Não é bem assim. Os professores que conseguirem entender serão melhores professores e serão prósperos profissionais. E os que não entenderem não ficarão mais burros com isso; muito pelo contrário, toda vez que você lê uma coisa que não entende, você está se expondo ao sol de um desafio, e está recebendo uma nova carga de energia neurológica. O cérebro ativa as ligações nervosas de acordo com a necessidade.

Dito isto, prendamos um pouco a respiração (para o cheiro não nos ferir o olfato) e mergulhemos na situação nacional. Os brasileiros não podem fugir à discussão política; se estivéssemos na França, na Suíça, na Dinamarca, poderíamos sim esquecer tudo isso e nos dedicarmos somente à viajar o mundo. Aliás, essa não deixa de ser uma boa coisa a fazer; mas se você é duro como eu e tem que ficar aqui no Brasil, trabalhar, construir uma vida e inventar uma visão de mundo, por mais idiota que ela seja, então temos que botar a cachola para funcionar de vez em quando e pensarmos nossas políticas, local, estadual e federal.

Precisamos furar o olho do ciclope, que é a mídia. O ciclope, como vocês sabem, é um gigante de um olho só, que foi derrotado por Ulisses, segundo a história contada na Odisséia, com um golpe em seu olho único, que o deixou cego. Como o ciclope, a mídia é poderosa, enquanto nós, indivíduos, somos apenas humanos. Mas a mídia não é invencível. É uma entidade dinâmica, ligada visceralmente ao corpo social, do qual depende. Como o ciclope, tem um grande olho projetado sobre o mundo; mas esse olho pode ser furado. Nós, simples cidadãos, temos, assim como o protagonista de Homero, nossas próprias armas: inteligência, engenho e arte.

Qual a vantagem para o Brasil desta crise política? Simples: paralisar o país. Paralisar o quê?, perguntam todos, se o governo Lula não está fazendo nada? Pois bem, vamos começar pelo referendo de armas, uma das leis, proposta e elaborada pelo Ministério da Justiça em conjunto com entidades como OAB, e diversas Ongs de prestígio. Enquanto a oposição histérica de um PFL decadente e minguado popularmente, e de um PSDB apavorado com o crescimento do partido governista, gastam munição política para a criação de CPIs que a Polícia Federal, como bem prova sua atuação independente e eficiente dos últimos tempos, poderia investigar sem estardalhaço, sem prejuízo para a opinião pública, prendendo somente os culpados, sem manchar a reputação de todos deputados e senadores federais; enquanto isso, a votação para o referendo de armas, que poderá significar numa grande melhora na segurança pública nacional, vai sendo adiada do Congresso. Ou seja, a crise paralisante interessa também aos lobbistas do setor armamentista.

Que pensam que a CPI pode fazer? Todo mundo sabe, quase toda a CPI acaba em pizza. Isso porque político não é investigador, nem tem preparo para lidar com os artifícios jurídicos usados pelos criminosos de colarinho branco, que se aproveitam da atmosfera de circo criada para esconder o dinheiro roubado no exterior. O que tirou Collor do poder foram as investigações da polícia federal, as contas reprovadas pelos Tribunais de Conta, a gritaria da opinião pública, a falta de apoio na Justiça e, por fim, a maciça movimentação dos principais partidos do país, da direita à esquerda, que uniram forças contra o presidente.

Mais alguns dias de paralisação e o referendo de armas poderá ser adiado somente para 2007, visto que deve ser votado e aprovado agora para ser realizado em setembro deste ano. Em 2006, por ser ano de eleição, será muito mais difícil aprová-lo. Este é um grande projeto de Lula que poderá trazer enormes benefícios para a segurança pública no país; já que a redução do comércio de armas, já comprovaram Inglaterra, Suécia, Dinamarca, Alemanha, qualquer país do mundo que se preze, excetuando os EUA, onde a indústria bélica tomou o poder, é condição sine qua non para diminuir a criminalidade.

O Brasil precisa de estabilidade. Esses histéricos do PSDB e PFL deviam, em vez de querer ganhar no grito, melhorarem seus discursos e governarem melhor onde estão instalados. Até onde eu sei, seus governos tem batatas quentes demais nas mãos para jogarem pedras nos vidros do governo Lula.

Alckmin tem que resolver o problema da Febem, do sistema carcerário do estado, da violência urbana, da reforma agrária em terras estaduais, da agricultura familiar, da saúde paulista, do ensino médio estatal, responsabilidade do Estado.

César Maia, prefeito do Rio, também tem que mostrar mais serviço antes de sair por aí posando de grande administrador. Além de se revelar uma figura anti-social do ponto-de-vista político, visto que arruma brigas constantes com o governo estadual, com o federal, com grandes empresas, com todo mundo. E não tem conseguido sanar ou mesmo estabilizar a situação social da cidade. Enquanto seus guardas municipais espancam e saqueiam camelôs indefesos, turistas estrangeiros são assaltados por meninos de oito anos em Copacabana. Por que não usar a guarda municipal para proteger o turista e tratar os camelôs como cidadãos, trabalhadores, que estão ali para sobreviver, para não roubar? Como se pretende convencer o sujeito a não roubar, a não matar, se lhe impede de trabalhar no mercado informal, única opção viável para o desempregado sem maiores preparos acadêmicos ou técnicos? Se a prefeitura distribuísse bolsas de estudo em centros profissinalizantes para os camelôs que expulsa das ruas, aí sim eu entenderia a sua política. Mas o que se faz agora é enviar os camelôs de hoje para as trincheiras do crime amanhã. Uma alternativa lógica seria ajudar os camelôs a ingressarem no mercado forma, através de leis municipais que os integrem num plano de previdência, que criem sindicatos fortes, honestos e atuantes, e assim vai. O camelô deveria ser incorporado ao projeto de turismo no Rio de Janeiro, já que o turista internacional que visita a cidade quer ir na Rocinha, quer conhecer as favelas e contribuir de alguma forma para o bem estar local.

A crise política gerou um fato interessante, naturalmente minorado pela grande mídia: os movimentos sociais e os sindicatos estão se unindo na defesa do presidente Lula. O movimento social no Brasil não é mais bobo; já identificou o dedinho da direita na fabricação da crise atual.

Quanto à extrema-esquerda propriamente dita, que tem tentado crescer às custas da crítica desclassificada ao presidente Lula, acho que seria muito mais inteligente, do ponto-de-vista de sua sobrevivência política, se concentrasse suas baterias na conquista de cadeiras locais, através da comunicação direta com as comunidades locais, que tão afastadas se sentem de seus representantes. Perderam essa oportunidade em 2004. PSTU e outros radicais tomaram uma surra histórica no voto (e isso apesar da "onda" esquerdista que vem varrendo os países latinos) ao amarrarem suas plataformas políticas às grandes questões nacionais e mesmo internacionais. As funções a que pleiteavam, como vereadores e prefeitos, só permitem, na prática, a solução de emergências estritamente locais. Por isso, o povo os identificou como charlatões que estão ali apenas para defender suas corportações e não lutar nas pequenas mas cruciais lutas que as comunidades vivem diariamente no trato com as autoridades e elites locais.

Os segmentos éticos da política nacional precisam entender que o desenvolvimento da República só ocorrerá quando tivermos um corpo republicano mais saudável, com corpos legislativos mais confiáveis e mais produtivos. Isso começa nas cidades, com melhores vereadores; chega nos Estados, com deputados estaduais mais honestos e atuantes; e termina no Congresso Nacional e no Senado, com políticos comprometidos com justiça social, justiça esta que alguns conservadores ignorantes confundem como uma causa das esquerdas, quando é, acima de tudo, a idéia central da Constituição Brasileira. Aliás, distribuir uma versão popular e resumida da Constituição Brasileira, a começar pelos colégios, passando por sindicatos e universidades, como fez Mao na China e faz Chávez na Venezuela, não seria má idéia.

Somente a justiça social poderá fortalecer as bases econômicas do Brasil, preparando-o para enfrentar os desafios do mundo moderno. A distribuição de renda é importante para as indústrias, e até os bancos serão obrigados a se curvar às vantagens de existirem 190 milhões de clientes potenciais e não somente uma classe média reduzida e empobrecida. É a força do próprio capital em contradição com os interesses dos que possuem o capital. As elites não querem o desenvolvimento porque a desigualdade é poder. Quando você entra numa festa com cem reais no bolso e ninguém mais tem mais do que dez reais, você será o "patrão" da festa. Agora, se você chegar, na mesma festa, com cem reais, e tiverem outras pessoas, umas com 80 reais, outras com cinquenta reais, mais um cara com a mesma quantidade de grana que você, o valor do seu dinheiro não será tanto. Você terá que apelar para suas qualidades pessoais para conquistar as garotas. As elites não querem "apelar" para suas qualidades pessoais. Os jovens de classe alta e classe média alta querem continuar sendo privilegiados, com seus empregos maravilhosos, seus carros do ano, seus apartamentos em condomínios de luxo no Rio e São Paulo, suas festas alucinadas, regadas a drogas e mulheres venais.

Não foi o Lula que mudou. Nem ele pode mudar nada sozinho. Ele é só um representante eleito pelo voto popular, que um dia vai ser substituído por outro. Lula sempre foi o que era, um cara do povo, um sindicalista lutando com os instrumentos que a democracia colocou em suas mãos. Sindicalista que se preza tem que se comunicar bem o patrão, sem trair a confiança dos trabalhadores. O importante não é dizer bravatas, falar mal dos Estados Unidos e tal; e sim conseguir melhorar a renda do trabalhador. O importante foi ter elevado o salário mínimo para mais de cem dólares, quando chegou a menos de quarenta na época de FHC, após a desvalorização do real em 1999; mesmo em 1994, com o Real super-valorizado, o salário mínimo era bem inferior à 100 dólares, com o agravante de que FHC estava pendurando a estabilidade na conta do FMI e da dívida interna, enquanto Lula conseguiu romper, dignamente, o contrato com essa entidade e está reduzindo, aos poucos, a dívida interna. E controlando a inflação, que é o mais importante. É isso que o povo quer que continue fazendo: controlando a inflação e aumentando o salário mínimo; aumentando o salário mínimo e controlando a inflação; esse é o mantra que soa como música para as classes populares; e que poderá, se firme e contínuo, deflagrar um grande boom no consumo, detonando uma saudável geração de empregos na indústria e no comércio, criando o mesmo ciclo virtuoso que viveram todos os países que se desenvolveram: Japão, EUA, europeus, tigres asiáticos.

Se eles podem, nós também podemos. País que tem a riqueza cultural que o Brasil tem, com Pixinguinha, Cartola, Noel, Chico Buarque, Bezerra da Silva, Chico Science e Guimarães Rosa, pode tudo. Termino citando Raulzito, que expressou, através do rock'n'roll, o desejo de liberdade e justiça social da nação brasileira: "o que eu quero/ vou conseguir/ o que eu quero vou conseguir/ porque quando eu quero todos querem/ todo mundo pede mais/ e pede bis".

* Miguel do Rosário é escritor, editor de Arte & Política, colunista da Novae. Lançou em março deste ano o livro Contos para Ler no Botequim, que pode ser adquirido no site do autor.

14 de junho de 2005

Jefferson não apresenta provas

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Realmente, o discurso de Roberto Jefferson mostra que há pessoas que desenvolvem um cinismo que chega a ser admirável, não fosse não nocivo à saúde política do país. Noto, felizmente, que está se articulando, com intelectuais de grande prestígio, jornalistas de sites alternativos, e mesmo em parte da grande imprensa, uma rede de proteção ao Lula.

A estatratégia da oposição e a politização do noticiário não agradam a grande parte da sociedade brasileira. Não colaria aqui um golpe midiático, apesar de sempre causar danos à estabilidade política, contra o presidente e o partido do governo, da mesma forma como se tentou fazer na Venezuela.

Até porque o governo Lula é visto como uma esquerda moderada, prudente, respeitada e respeitadora junto ao público internacional, que evita discursos inflamatórios apenas para agradar jovens universitários de classe média e funcionários públicos corporativistas.

Aliás, a atual crise política está sacudindo o pensamento politico nacional, que está sendo obrigado a acelerar não só reforma política, mas o próprio debate ideológico central, o qual ainda está para ser resolvido, que consiste na atualidade dos termos direita e esquerda.

Que é ser esquerda hoje em dia? É ser do PSOL? É ser da esquerda do PT? Ou é ser contra o PFL, o PSDB. É ser contra o Pallocci ou a favor dos pobres?

Acho que muita gente que se auto-entitula de esquerda está preocupado demais com suas próprias idéias de laboratório do que com a solidariedade real com as pessoas e com o desenvolvimento econômico do país.

Entristecem-se quando vêem a taxa de desemprego cair porque sabem que perdem mais um argumento para se colocarem "contra tudo que está aí". Não vêem que a construção de qualquer projeto político nunca poderá se realizar sem uma postura construtiva e ousada da sociedade.

12 de junho de 2005

Reflexões sobre a crise

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Em momentos de crise, só a filosofia traz respostas consistentes. Politicos, jornalistas e opinião pública raramente enxergam os acontecimentos com isenção histórica. Critica-se, louva-se, comenta-se com base somente no dia a dia; ninguém se esforça em elevar o pensamento além do turbilhão confuso dos acontecimentos para contemplar, com lucidez filosófica e distanciamento histórico, o panorama político do mundo atual.

Como já escrevi em outra ocasião, o homem é cobaia da história. O progresso da humanidade sempre ocorreu às custas do sangue dos indivíduos reais. As guerras mundiais foram grandes aulas de civilização para o mundo, mas a que preço? Mais de vinte e quatro milhões de mortos. O comunismo também foi um das coisas mais importantes para a história, ao preço de outros milhões. O capitalismo tem sido outra experiência e tanto, ao custo de bilhões de mortos de fome ao longo dos séculos.

Dito isto, comentemos a atual crise política que vive o Brasil. Sempre achei que a filosofia tinha uma função mais alta do que patrocinar enfadonhas teses de cursos de pós-graduação. Hegel, Kant, Marx, Sócrates, todos os grandes pensadores relacionaram a filosofia com a política de seu tempo; e assim acho que devemos fazer agora.

Por trás das manchetes dos últimos dias, por exemplo, vemos a explosão de um desejo fortemente reprimido pelas elites brasileiras: derrubar o governo Lula. Desde o início, parte da mídia tenta explorar as contradições inevitáveis de um governo, projetando uma luz fortíssima sobre ações conservadoras e omitindo informações sobre os programas mais progressistas do governo. Com isso, visava enfraquecer o governo junto à sua matriz originária, de esquerda. Conseguiu.

Entretanto, as pesquisas de opinião comprovaram que os segmentos sociais realmente politizados e com tendência esquerdista, são numericamente insignificantes. A esmagadora maioria da sociedade brasileira não é politizada; esquerdista então, é uma parcela ínfima (e o imbecil do Olavo ainda se preocupa...). Cumpria, portanto, atacar a credibilidade de Lula junto à esse segmento que, se não liga muito pra política, é deveras sensível à questão moral. E nada como um escândalo de corrupção, mais uma vez deflagrado por uma ação provocativa - os empresários que compraram o funcionário dos Correios, Maurício Marinho, foram lá com o objetivo confesso de fazê-lo cair numa armadilha.

Evidentemente, não há inocentes nessa história. Marinho era corrupto, ao aceitar a propina; os empresários ou políticos que patrocinaram a armadilha queriam produzir um motivo para chantagem; a oposição quer um palanque para ganhar espaço em 2006; e a imprensa quer escândalos para vender mais, afora seus interesse de classe.

A filosofia, porém, nos permite ver o que há por trás dos fatos; melhor dizendo, nos permite ver as entranhas dos fatos e contemplar os seus desdobramentos no futuro.

Por exemplo, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, vem enfrentando, desde o ínício de seu mandato, uma pesada campanha difamatória, que conseguiu envenenar ao extremo a opinião da classe média, não só em seu país como em toda a América Latina. Por outro lado, essa campanha deflagrou o apoio dos movimentos sociais e da população de baixa renda, que soube identificar o logro e aumentou seu apoio ao presidente que tanto ama.

A mesma coisa pode acontecer com Lula. Ao tentar transformá-lo numa vítima, a imprensa conservadora e a oposição podem convertê-lo num mártir. Estão subestimando o poder simbólico de Lula para as massas e para os movimentos sociais. A estratégia de atacar Lula por todos os lados, com base em depoimentos duvidosos de políticos corruptos, como Jefferson, já está fazendo com que diversos setores se articulem em defesa do presidente.

A própria Carta Capital, que em outros momentos, também soube criticar duramente o governo Lula, já está identificando a conotação golpista por trás do histerismo que tomou conta do discurso da oposição. Esses políticos iludem-se tremendamente com o apoio que vêem na mídia conservadora, confundindo esse apoio com respaldo popular.

É certo que essa mesma mídia sempre soube manipular o povo brasileiro com inaudita competência, mas as coisas mudaram bastante nos últimos anos. O surgimento de novas tecnologias de informação e o próprio fato de Lula estar no poder, são fatores que modificam completamente a equação política de outrora que era: mídia = poder.

Da mesma forma que Chávez vem triunfando magistralmente sobre uma mídia golpista e uma elite retrógrada, Lula também o poderá fazer; com a vantagem de que, agora, Lula poderá contar com a experiência da Venezuela e mesmo com o apoio de Chávez, principal líder das esquerdas do continente, que saberá usar o momento atual para ajudar Lula, pagando a dívida política que tem para com o Brasil, onde ele tem bebido tanto apoio. Afinal, que outro governante tem apoiado mais sistematicamente o "companheiro Chávez" do que Lula? Um apoio, diga-se de passagem, feito com extrema inteligência e lucidez, evitando sempre transmitir à opinião pública a imagem de um apoio cego e tendencioso.

Se os escândalos de corrupção, e mais especificamente sobre o tal "mensalão", numa primeira etapa, servem como motivo de instabilidade política e palanque para a oposição, prejudicando a imagem do principal partido de esquerda do país, num segundo momento, terá consequências positivas sobre a história política brasileira, à medida que funcionará como elemento intimidador para a corrupção e obrigará o PT a estudar maneiras de resgatar seu prestígio ético junto ao público.

A imprensa tem citado sempre o fato de estarmos há apenas um ano e meio da eleição, associando isso à possibilidade de Lula não conseguir reeleger-se. Entretanto, um ano meio, como se sabe, é muito tempo num processo eleitoral. Haverá, portanto, tempo para o PT e o governo reestruturar seu discurso e sua prática política, blindando-se contra novos ataques.

Por que, no fundo, o brasileiro não liga tanto para a corrupção e sim para sua impunidade. O governo terá, portanto, oportunidade de responder com ações concretas aos recentes escândalos.

Outra coisa que fica claro é que a opinião pública tem sido totalmente confundida pela história das CPIs. A mensagem que se passa às pessoas é que somente as CPIs investigam; quando, na verdade, os congressistas não são investigadores profissionais, à diferença de polícia e ministério público, estes sim formados e especializados na apuração e repressão a atos ilícitos. A corrupção brasileira deve ser combatida, e está sendo, pelas instâncias apropriadas, que são a polícia federal e o ministério público.

Última palavra: a confissão de Jefferson de que não tem provas sobre o tal mensalão o colocou no pior dos mundos. Denegriu levianamente a imagem do Congresso, traiu da forma mais vil possível a confiança que Lula (equivocada e ingenuamente) havia posto nele e agora deverá ser, com razão, crucificado pelos congressistas respingados pela massa fétida que ele, num gesto de desespero, arremessou pra cima.

Sugestão: sobre esse assunto vale acompanhar o raciocínio de um respeitado sociólogo brasileiro, Wanderley Guilherme dos Santos. Leia aqui uma entrevista recente com ele para a revista Carta Capital.

11 de junho de 2005

Arregaçando as mangas

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Em Brasília, prosseguem as lutas políticas entre os partidos. 2006 já começou. Inicia-se um amplo processo para desmoralizar o PT, o qual, incrivelmente, vem demonstrando certa apatia em sua reação.

O PT precisa entender que não pode mais acusar as elites. Ele tornou-se um partido forte demais pra isso. Tem saúde financeira, bons quadros e, o que é o mais importante, poder. Precisa mostrar seus músculos. Não pode ser intimidado por um partido que vem minguando ano a ano nas urnas, como o PFL; nem pelo PSDB, que ainda paga o preço de oito anos de desmonte do Estado e privatização fraudulenta de estatais.

Ás vezes sinto que Genoíno está um pouco isolado. Pessoalmente, considero-o um líder extraordinário, ativo, com um raro talento redacional mesclado a uma oratória firme. No entanto, andorinhas solitárias não fazem verão. É preciso que outros quadros do partido se mobilizem, escrevam artigos, ocupem os jornais, os quais, por mais reacionários que sejam, não podemos lhes tirar o mérito de sempre abrirem suas páginas para o debate qualificado, pluralista. Os artigos de Genoíno, por exemplo, são assíduos frequentadores do Estado de São Paulo.

Chega de chorar. Chega de culpar mídia ou elites. Nesses momentos de crise política, é preciso botar as células cinzentas para trabalhar, e procurar reverter a imagem negativa que alguns setores políticos estão fazendo do governo, através de argumentações lógicas, verdadeiras, persuasivas. Falar a verdade com estilo, disso é que se trata. Entregar os pontos apenas corroborá as teses oposicionistas sobre a incompetência do governo.

Política é isso mesmo. É briga. Temos que estar sempre preparados para isto, e gostar disso. Nesses momentos de crise é que se criam excelentes oportunidades para o desenvolvimento da inteligência e da criatividade políticas. Os primeiros vinte anos da revolução russa foram de grande instabilidade e crise econômica, e foi neles que o partido se fortaleceu e tornou-se a rocha política que comandou o processo que tirou a Rússia da era feudal e colocou-a entre os países mais industrializados do mundo.

Não estou aqui pregando comunismo ou defendendo um partidismo obsoleto. Acredito na democracia e acho que cada época e cada país tem o seu destino e a sua trajetória. O Brasil, a meu ver, é um país onde os ideais democráticos e pluraristas estão profundamente enraizados. E por seu tamanho e população, nunca será possível ao Estado cuidar de todos, de maneira que o desenvolvimento econômico é condição básica e urgente para termos algo parecido a uma justiça social. Por isso, martela-se tanto na questão do emprego, do crescimento e da necessidade do controle da inflação.

10 de junho de 2005

Névoa começa a se dissipar

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A enorme e fétida nuvem que paira em Brasília começa, aos poucos, a se dissipar, embora pouca coisa se possa se distinguir. Hoje, saiu matéria no Globo, em que se explica, em parte, o escândalo que deflagrou a recente crise política.

A reportagem dá uma versão da Polícia Federal de que Roberto Jefferson teria planejado a armadilha para pegar o funcionário dos Correios, filmando-o recebendo uma propina de 3 mil reais. O objetivo de Jefferson, segundo a PF, seria reconduzir a cúpula dos Correios, que havia sido indicada pelo PTB, para o controle do partido, com o pagamento devido de gorda mesada à agremiação.

Através de intermediários, Jefferson contratou ex-agentes da Abin (Agencia Brasileira de Inteligencia) para realizar o trabalho sujo. Contudo, a coisa não saiu como ele esperava. O funcionário Maurício Marinho falou demais e citou Jefferson e o PTB, de maneira que os agentes concluíram que aquela fita valia muito mais do que o preço combinado com o deputado. Após negociações tensas com Jefferson e a recusa deste em pagar o valor devido, os agentes resolveram vender a fita para a revista Veja, que detonou o escandalo.

Acuado por todos os lados, metido numa armadilha armada por ele mesmo, Jefferson desesperou-se e tornou-se em homem bomba, fazendo declarações mentirosas com objetivo de confundir a opinião pública.

Até agora, nada é certo. Esperemos por mais fatos. O que não podemos é deixar que a oposição reacionária do PFL e PSDB faturem em cima de uma situação de instabilidade política que prejudica todo o país. Apesar de que, após a tempestade, o Brasil sairá um pouco mais experiente e conhecedor de seus podres, condição necessária para se aperfeiçoar e encontrar defesas mais eficientes contra a corrupção.

Sem falar na reforma política, que parece que, finalmente, vai sair do papel e ser votada no Congresso.

9 de junho de 2005

Confusão midiática

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A grande compota lançada ao ventilado por Roberto Jefferson nos obriga a refletir: o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, nunca poderia pagar um mensalão a deputados sem o conhecimento da cúpula do partido. Caso tal ocorresse, seria bisonho, um sinal de que o partido está sem comando. Acho difícil.

O PT tornou-se um partido rico, poderoso; e possui quadros de grande valor moral e intelectual. Possui, portanto, condições plenas para se defender e contra-atacar, no caso de estar sendo injustamente acusado do que não fez. No caso de ter pisado em alguma massa mole e mau cheirosa, terá de cortar na própria carne e mostrar ao país que não é tolerante com a corrupção.

Não convém ao PT, nesse momento, ficar acusando a oposição, a mídia ou as elites. Ao assumir o poder federal, juntamente ao fato de ser o maior partido do Congresso Nacional, o PT hoje faz parte das elites políticas. Tem acesso aos meios de comunicação, tem o voto de confiança de muita gente, tem um gigantesco de quadro de militantes altamente mobilizado. Basta agir com determinação, agilidade e bom senso, e saberá enfrentar a situação.

Escândalos de Corrupção

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A serpente enfurecida na hora da morte
Por Miguel do Rosário

Rio de Janeiro, 7 de junho de 2005 -- O deputado federal Roberto Jefferson (PTB - RJ), acuado diante das denúncias que ameaçam implodir sua carreira política, apela para uma velha tática de guerra: o diversionismo. Para quem não sabe, diversionismo é um termo militar usado para indicar manobras militares que visam confundir o inimigo. Políticos, em geral, são aficcionados por histórias de guerra, até porque, como dizia Clausewitz, a guerra é apenas uma forma, a mais radical, de fazer política. Pode-se dizer, embora com menos exatidão, que política consiste também numa outra maneira, certamente mais saudável, de fazer guerra.

O fato é que política consiste, na prática, em disputa pelo poder. Quem não sabe isso, é ingênuo demais para esse mundo. Os filósofos vêm tentando, em vão, desde o século XVIII, destruir o sistema ideológico concebido pela Igreja Católica para manter os povos na mais absoluta ignorância, e cujo pilar central é a malignidade inerente ao poder. Os socialistas científicos, liderados por Engels, Marx e, mais tarde, por Lênin, beberam na rica bibliografia filosófica da época (Hegel, Kant, Spinoza, Thomas Hobbes) e aprenderam que o poder é uma força que não pode ser negada, mas controlada, regulada por leis e pessoas que conduzam as nações na direção da justiça social.

O maior erro dos pensadores anarquistas, inclusive Bakunin, foi querer "extirpar" o próprio poder, o que seria uma coisa tão impossível como querer "eliminar" o próprio sol. Por isso falharam. Também por isso, o anarquismo só voltará a crescer quando reeditar sua visão sobre o poder.

O poder existe. Não é bom nem mau. Mas é terrível, sedutor, e transforma as pessoas que são tocadas por ele. É como aquele anel mágico do filme O Senhor dos Anéis. Quem o toca, tem suas qualidades íntimas, inclusive aquelas mais ocultas, rapidamente amplificadas. Se o sujeito tem, no fundo de si, um lado sombrio, este lado irá florescer no momento em que tiver algum poder em mãos.

Todos somos vulneráveis, todos; mas, naturalmente, uns são mais preparados que outros para resistir ao que existe de doentio no poder. Esse preparo não é ensinado na universidade; se aprende na vida. Quando o poder cai em mãos de grandes personalidades, magnânimas, discretas, tolerantes, é uma grande sorte para a humanidade. Mas o risco de cair em mãos erradas é tão grande que inventou-se a democracia, a divisão entre os três poderes, a Constituição, tudo com vistas à evitar ao máximo a concentração do poder em uma só pessoa ou grupo.

Dito isto, voltemos ao nosso turbulento momento político. O deputado Jefferson concede entrevista à Folha de São Paulo, acusando o secretário de finanças do Partido dos Trabalhadores (PT), Delúbio Soares, de pagar um "mensalão" de trinta mil reais a deputados do PP e PTB.

Segundo análise do cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, pró-reitor da Universidade Cândido Mendes, trata-se da mesma tática do "mar de lama" que matou Getúlio Vargas e que fez Jânio Quadros renunciar.

Por exemplo. Miriam Leitão, colunista econômica do Globo, de um instante a outro, passa de uma prudente analista econômica, entusiasmada com o crescimento do país e fã confessa da política macro-econômica do governo, a pregadora do caos econômico e do apocalipse político.

A verdade é que todos estão confusos, inclusive eu, por causa da enorme compota lançada ao ventilador por Jefferson. Delúbio pagando mesada aos deputados do PP? Será verdade? Essa é a questão central, visto que deputados corruptos do PP, PTB, PMDB, é uma coisa, infelizmente, que não surpreende o mais cândido e otimista cidadão. Agora, atentemos para um fator relevante, que credibilidade tem Jefferson para fazer uma acusação destas?

O lado bom da história é que a necessidade de combater a corrupção ganha força no país e o governo sofre uma enorme pressão pública para aprofundar ainda mais o expurgo necessário das partes podres de si mesmo.

E o PT tem a oportunidade de olhar no espelho e concluir que não há alianças ou apoios políticos que compensem o desgaste público provocado por uma denúncia de corrupção.

O que precisamos, acima de tudo, é de uma sociedade vigilante, mas prudente em seus julgamentos. Não queremos uma opinião pública estupidificada pelos meios de comunicação, como ocorre nos EUA, onde o americano engole prazerosamente qualquer patriotada mal feita da Fox. Tenho esperanças, embora precárias, de que nossa classe média procurará ter uma postura mais independente diante da mídia do que a classe média venezuelana, por exemplo, que mergulhou numa obsessão doentia e preconceituosa contra um governante popular; aceitando e acreditando em toda tentativa de acusá-lo de corrupção. Não nos esqueçamos de que, após a vitória estrondosa de Chávez no referendo, a oposição acusou o governo, sem provas, de ter fraudado uma eleição, apesar da presença maciça de observadores internacionais e da chancela de Carter e da OEA, até então queridinhos dos adversários do presidente.

As elites e a grande imprensa adoram crises nas quais elas sempre saem ganhando. O salário da Miriam Leitão não está em jogo, por pior que seja a quadro político nacional. Pelo contrário, quanto maior a crise, mais o assinante do Globo se orgulha de ter feito a assinatura para poder ficar bem informado, mais se vende jornal.

Entretanto, tudo é uma questão de equilíbrio. O maniqueísmo radical, assim como a unanimidade, diria Nelson Rodrigues (cuja ilimitada ironia sempre foi confundida com reacionarismo, logo ele, o poeta dos subúrbios, o defensor do erotismo não conspurcado pela libertinagem eunuca), é sempre uma grande burrice. É preciso reconhecer o papel salutar da imprensa na questão do combate à corrupção. Por outro lado, sabe-se que Veja, Folha e Estadão, e os principais colunistas do Globo (Merval Pereira e Miriam Leitão, além do confuso João Ubaldo Ribeiro e o psicótico, estapafúrdio e grosseirão O.de Carvalho), já escolheram seu lado, o dos tucanos ou do PFL; e apostam na crise para enfraquecer a imagem de Lula e fortalecer a oposição.

Por todas essas razões, o cidadão comum deve ser prudente em suas análises, buscar sempre diversificar as fontes onde colhe informações e, sobretudo, evitar deixar-se influenciar por histerismos ou radicalismos sectários. Boatos não são verdades, por isso mesmo se chamam boatos. Tenho pra mim que quando Jefferson insinuou a existência do mensalão para integrantes do governo, o que ele queria é que deputados de seu partido fossem contemplados com essa "ajuda" de custo. Quer dizer, talvez o mensalão não existisse, e Jefferson queria que o tal fosse criado, para ele e seus asseclas. Mas isso é apenas especulação, é bom ressaltar.

Estando à beira de seu holocausto político pessoal, motivos para inventar boatos a Jefferson não faltam, e nada melhor do que inventar um que já existia. O fato de o boato ser conhecido torna-o mais veroríssimil, portanto mais poderoso. O próprio Globo aproveitou a confusão para dizer que PT e governo se contradiziam, pois o primeiro divulgou nota negando a existência do tal mensalão, enquanto o segundo admitiu ter tomado conhecimento do tal boato. Vejam que o governo não admitiu a existência do mensalão, mas apenas de que tomara conhecimento do boato, enquanto o PT, por sua vez, não disse que desconhecia o boato, mas que o tal não possuía fundo de verdade. Não há contradição.

O PT, atualmente o partido mais forte e mais rico do país, terá que fazer jus à sua pujança política e financeira, e se defender com galhardia e retidão. Esperemos que a experiência o torne mais forte, mais humilde e mais transparente; e que não use de subterfúgios ou artimanhas para sair de uma situação que, muitas vezes, exige duros sacrifícios. Que não hesite, se for preciso, “cortar na própria carne”, como disse o presidente. Mas também que não ceda a uma opinião pública envenenada com boatos sem fundamento por uma serpente enfurecida na hora da morte.