Dois artigos mexeram comigo hoje, na Agência Carta Maior. Um é de Emir Sader, outro de Flavio Aguiar. Vou me concentrar, nesta análise, no artigo de Sader, entitulado "Nada será como antes".
Sader, desde o início, manteve uma postura duramente crítica ao governo Lula. Acho que inclusive exagerada, meio sectária, como alguém que prefere fechar-se numa "postura" do que debater idéias de forma aberta e democrática.
Às vésperas das eleições de 2004, seu coração petista ficou em alvoroço e, então, sentimento e razão entraram em conflito, causando alguns embaraços ideológicos e contradições retóricas em seus artigos.
Nunca se recompôs totalmente deste turbulento período eleitoral, em que houve um primeiro grande embate entre os quatro maiores partidos do país: PT, PSDB, PMDB, PFL. Aliás, vale notar que o clima político que teremos em 2006, de uma forma geral, ficou mais ou menos definido em 2004.
Em seu artigo, ele reafirma seu apoio irrestrito ao movimento social, repetindo, em palavras mais sofisticadas, o teor do manifesto divulgado pelo MST, CUT e entidades afins, condenando a crise e instando o governo a mudar a política ecônomica.
Inicialmente, achei um excelente artigo, que toca ao coração de qualquer pessoa, jovem ou velho, com histórico de esquerda. Refletindo melhor, agora, penso que ele foi repetitivo e simplório. É um texto para ler e gostar, e que pode até ser usado como instrumento de pressão política para o governo adotar uma política fiscal mais flexível. No entanto, falta consistência técnica, o que é fatal para um cientista social. É fácil falar que o governo deveria fazer isso e aquilo. O mais difícil é apresentar dados técnicos mostrando como se poderia fazer isso. Pessoalmente, eu acho que ele tem toda razão. O governo deveria usar a crise política para dar uma guinada populista em seu governo.
Hoje em dia, após ver tanta miséria nas ruas, não tenho vergonha de ser um defensor do populismo. Até o governo Garotinho & Rosinha, não condeno totalmente o populismo deles; acho, naturalmente, muito errado o uso eleitoral. O que critico no Garotinho, sobretudo, é a política de segurança. Essa semana mais um garoto inocente, um trabalhador, funcinário do Bobs, foi morto no Leblon por, segundo moradores, que sabem das coisas, por policiais. Bandidos não teriam nenhum motivo para matar o rapaz - a menos que ele fosse um dedo-duro, hipótese longínqua para quem conhece o comportamento do carioca pobre nos dias de hoje. Enfim, são milhares de casos, tantos que a chacina da Baixada, a maior da história do estado, está quase esquecida.
O erro que vejo no artigo de Sader é que, sabendo quem é o autor, achei que ele anda sendo superficial, o que, repito, é fatal para um cientista, pois seus textos, embora agradem e tenham aprovação do leitor de esquerda, pode resultar nulo para um leitor neutro ou conservador.
Escrever somente para um público, seja de esquerda ou de direita, é um erro técnico e político. Não ajuda quem você quer ajudar e não agride eficazmente o mal que você quer atacar.
É preciso tomar cuidado com "cacoetes" e "jargões" esquerdistas, até porque, para a maioria dos brasileiros, esses conceitos já estão ultrapassados. Na verdade, esse sempre foi o erro principal de importantes segmentos da esquerda brasileira; e que, somente após ter sido detectado e consertado, pôde levar Lula à vitória.
Falta, agora, aos intelectuais que defendem os movimentos sociais, uma atitude mais inteligente e pragmática, no sentido de elaborar construções teóricas que sejam eficazes na luta para mudar, não somente a política econômica conservadora do governo Lula, mas a própria mentalidade conservadora, muitas vezes reacionária, da sociedade brasileira. É preciso aprender a se comunicar com "o outro", com aqueles que não pensam de maneira ideológica, e que formam a esmagadora maioria da opinião pública nacional.
29 de junho de 2005
Leitura crítica
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