19 de dezembro de 2007

Ecologias e o Deus do velho Chico




Até que ia ser engraçado. Talvez essencial. O bispo estadunidense fazendo greve de fome para forçar o Bush a assinar o protocolo de Kioto. Aliás, o próprio papa podia fazer greve para os EUA saírem do Iraque.

Melhor. Essa é genial, escutem. O tal bispo nordestino podia fazer greve de fome para forçar o papa a liberar a camisinha. Muito mais importante de que implicar com a "transposição do São Francisco". Essas greves do bispo pelo menos tem uma utilidade. Servem para a gente ficar de olho nessa transposição. Aí está a importância. A primeira greve do bispo serviu para revisar o projeto para o desvio de apenas 1% das águas do São Francisco, e da represa de Sobradinho, que tem água sobrando. Lembre-se que 99% das águas do velho Chico continuarão sendo despejadas em seu milenar destino: o mar. Diariamente, o nordeste, uma das áreas mais secas do mundo, com problemas de fome e sede e doenças terríveis decorrentes deste déficit hídrico, diariamente o nordeste, através do rio São Francisco, que cruza a região bem no meio, todo dia o Nordeste despeja milhões de litros de excelente água potável, de água útil à agricultura, à vida, às indústrias, à dignidadae e à loucura, à existência dos nordestinos, à liberdade, despeja essa água toda no oceano Atlântico, o qual, definitivamente, não precisa de mais água, pelo contrário, está com problema de excesso de água, por causa do derretimento das geleiras do pólo norte. Portanto, nada mais natural que o nordeste, que precisa desesperadamente de água para agricultura e indústria e consumo humano, que use a água que tem. É direito do nordeste usar a água do São Francisco como lhe apetecer. A água do São Francisco vai toda pro mar. O oceano precisa mais dessa água que as populações nordestinas? O que que a Letícia Sabatella entende de economia hídrica, meu Deus? O MST agora é contra o uso da água, meu Deus? A criação de um grande pólo agrícola no nordeste é uma necessidade econômica vital para a superação da miséria na região. São Paulo é rica porque tem uma base agrícola sólida, pujante e crescente. O nordeste também pode ter isso e as águas do São Francisco devem ser usadas. Todo país do mundo, desde 10 mil anos pra cá, utiliza as águas dos rios, que são inteiramente despejadas inutilmente no mar, para usar na agricultura. O velho Chico terá orgulho de ajudar o nordeste a aumentar a sua produção de vinho e melancias. Escutem Luiz Gonzaga.

É simplesmente imbecilidade criticar o uso de água para ativar economicamente uma região, para resolver um problema estrutural profundo do sertão nordestino, a falta de água, dizer que a água vai ser usada por agronegócio e indústrias. Primeiro que é mentira. No projeto está claro que a água vai ser usada pelos municípios todos. E qual a bronca com o agronegócio? O nordeste tem um enorme potencial agrícola, e deve ser explorado por quem está afim de trabalhar. Na realidade, a agricultura sofre muito preconceito por parte da esquerda brasileira. O próprio trabalhador sofre preconceito na esquerda. Só artista pode se dar bem. Só presidente e empresário. Trabalhador, agricultor, esse aí não pode ser rico.

Esse é, para mim, o maior ponto-fraco da esquerda que precisava ser repensado. A grande maioria dos agricultores brasileiros não é de milionários, mas de caras que andam no fio da navalha e, diante da ausência de uma compreensão, por parte da esquerda, de sua dignididade profissional (e isso desde os tempos de Lenin) procuram proteção junto aos partidos políticos conservadores.

O nordeste é uma região que precisa se transformar. O Brasil precisa desenvolver o sertão para criar um mercado interno maior. O mercado interno brasileiro está crescendo bem, mas ainda é 100 vezes menor que o norte americano. Este crescimento tem que vir de baixo para cima, para ser saudável e sustentável, conforme as leis do capitalismo mais clássico.

A direita brasileira deve compreender que, de acordo com os princípios basilares do capitalismo, a economia nacional só irá atingir um patamar superior de desenvolvimento quando possuir um mercado interno similar aos demais países desenvolvidos. Para isso, no caso dos países com graves problemas sociais, urge resolvê-los, porque eles inviabilizam o crescimento econômico sustentável.

Resumindo: não tenho os argumentos técnicos, mas tenho minhas observações das explicações técnicas e acho que as obras de desvio de 1% das águas do São Francisco, diante do potencial de melhora da situação hídrica de centenas de municípios do nordeste, são bem vindas. Bispo, sua missão está cumprida. Chamou a atenção. Junte-se à Garotinho, que também fez greve de fome contra o PMDB, contra o Lula, nem lembro mais, ficou uns dias de jejum (no caso dele, estava mesmo precisando) e depois desistiu. Mas não vale comparar o nobre bispo (embora um pouco neurótico) com o destrambelhado Garotinho.

*

A Letícia Sabatella falou sobre o custo alto da obra. Ora, Letícia, o Lacerda gastou menos para fazer o aterro do flamengo, com objetivos puramente de lazer.

20 comentarios

Patrick disse...

A transposição do Rio São Francisco é uma tolice. Uma tolice muito cara. Não só na construção, mas também na manutenção. Esse é um dos crimes ocasionados pela mídia totalmente contaminada pelo anti-lulismo a qualquer preço: perdemos a capacidade de crítica quando o governo federal comete uma insanidade. Estou aqui em Mossoró, Rio Grande do Norte, a 80 km do Vale do Açu. É a região com maior disponibilidade hídrica do estado. A Barragem Armando Ribeiro Gonçalves fica lá. Pois é, adivinhe para onde vai a água da transposição? Para a região mais seca do Nordeste, o Seridó (entre a Paraíba e o RN)? Não, vai justamente para o Vale do Açu, para garantir a expansão das áreas irrigadas nas fazendas das multinacionais bananeiras que praticam todo tipo de abuso trabalhista. E aqui do lado, no vizinho Ceará, qual o destino da transposição? Assegurar água para uma siderúrgica que a Vale do Rio Doce vai construir em parceria com o maior grupo desse setor na Coréia do Sul. Bom, e quem vai pagar a mega conta de energia elétrica para bombear toda essa água? Nós, consumidores das empresas de distribuição de água nordestinas. É a verdadeira face do sistema tributário brasileiro defendido a unhas e dentes por Estadão, Globo & Cia: impostos para a plebe; bolsa família para as megacorporações. Caro Miguel, se tem alguém agindo com correção nessa história é Dom Cappio. Pena que o atual estado de envenenamento na mídia tenha levado você a defender o contrário.

Patrick disse...

Sugiro ainda a leitura de entrevista do Prof. Dr. João Abner, da nossa Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde ele dá mais informações sobre a falta de lógica do projeto: entrevista de João Abner ao Brasil de Fato.

Miguel do Rosário disse...

oi patrick, eu vinha mantendo um distanciamento total desse debate, por respeito às opiniões técnicas de quem de direito. Só depois de ler esse artigo do Bernando Kucinski, da Agencia Carta Maior, arrisquei-me a opinar sobre o tema, com a minha linguagem apaixonada de praxe. O que você achou desse artigo?
http://www.agenciacartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3793

Miguel do Rosário disse...

Paraibano inicia greve de fome pela transposição *

http://www.aleporto.com.br/blog.php?tema=6&post=469

Patrick disse...

Caro Miguel, vou esclarecer alguns pontos: 1) Não estou levantando questões ambientais no meu texto 2) Se a água fosse destinada exclusivamente ao consumo humano, eu não seria contra o projeto de forma alguma; 3) Esclarecimento: o consumo de água no setor agro-industrial é muito maior do que o destinado ao consumo humano (relação de 4 para 1 aproximadamente) 4) Como eu citei na minha primeira mensagem, a água destinada ao Ceará (parte principal do projeto) e ao Rio Grande do Norte terá como objetivo atender à agricultura irrigada e a uma siderúrgica e seu respectivo parque industrial. Duas falhas no raciocínio de Bernardo Kucinski são: 1) Siderúrgica é sim uma indústria estruturadora e tal como uma refinaria é muito desejada porque gera condições propícias ao estabelecimento de um parque industrial em sua volta (e foi com isso em mente que o Porto de Pecém foi construído) 2) A meu ver, o maior erro de Kucinski foi que, ao verificar que a água será dirigida a açudes e barragens de onde se extrai água para consumo humano, extrapolou que seu destino também seria esse. Mas é exatamente o contrário, com a transposição libera-se para a agro-indústria a água que era antes destinada ao consumo humano. Esclareço ainda que, a priori, não tenho nada contra a agro-indústria, desde que ela tenha um mínimo de racionalidade do ponto de vista econômico. Da forma como ela esta sendo planejada, depende de um subsídio muito grande do poder público (o meu, o seu, o nosso dinheiro) que teria um retorno muito melhor se aplicado de maneira mais inteligente (é o que eu disse na primeira mensagem: imposto para a plebe e generosa bolsa família para as megacorporações). P.S.: vou rever o material que tenho a respeito para publicar uma declaração de Ciro Gomes sobre essa questão.

Miguel do Rosário disse...

patrick, acho que voce está sim se deixando levar pelo preconceito contra agroindústria, que é uma atividade primária fundamental para o Brasil. Desvios de águas de rio são usados no Vietnam, Egito, China, Israel, com grande sucesso economico para as regiões que necessitam. Água para consumo humano pode ser encontrada em poços, tudo bem, mas água para indústrias e fazendas e para a infra-estrutura hídrica geral das cidades, é de importância vital para a libertação econômica do nordeste. Não importa o custo. Água é o bem mais precioso do mundo e o nordeste padece de falta de água enquanto é cruzado por um rio gigante que despeja milhões de litros no mar. O nordeste precisa de INDÚSTRIAS SIM, porque somente com a industrialização uma região pode se desenvolver realmente.

Patrick disse...

Caro Miguel, as distâncias em Israel são incomparáveis com as distâncias no Brasil. Ao citá-lo como exemplo você está defendendo Dom Cappio, pois ele defende o uso da água no entorno do Rio, tal como é feito em Israel, onde as distâncias em relação ao Rio Jordão - nos pontos mais longíquos - raramente superam os 100 km. No Egito se faz a mesma coisa, não há transposições mágicas para o meio do deserto - tudo se faz no entorno e a curtas distâncias do Rio Nilo. O custo importa sim, pois os recursos são finitos e - só para exemplificar - a região potiguar/paraibana do Seridó continua sem água sequer para consumo humano, enquanto utilizamos recursos públicos para subsidiar a Vale do Rio Doce (capitalização de cerca de US$ 140 bi na bolsa) e a Del Monte Foods (valor de mercado na bolsa US$ 2,2 bi). Sim, porque, devo lembrá-lo, quem vai pagar a conta do projeto e da conta d´água não são essas empresas, mas o distino público.

Miguel do Rosário disse...

patrick, pelo que eu sei não será uma transposição, mas uma integração das bacias hídricas da região, o que permitirá a viabilização economica de regiões antes atormentadas pela seca. O fato de outras regiões continuarem secas, isso não impede que se tente resolver o problema de outras. Não vamos misturar com o problema da Vale. O Maluf gastou mais fazendo viaduto em SP do que o governo federal vai gastar com essa obra. Gastou mais com o Pan 2007 do que com essa obra. Se vai levar água para regiões com cronicos déficits hídricos, inclusive tornando rios temporários em perenes, então, a obra é importante. Dizer que água será usada apenas para uso industrial é besteira. A água vai estar ali, à céu aberto, para qualquer um beber. De qualquer forma, o uso industrial e agrícola da água é um uso nobilíssimo. O nordeste não pode ficar vivendo de bolsa família por muito tempo, tem que ter indústria e agricultura.

Patrick disse...

Caro Miguel: 1) não existe integração de bacias hídricas quando há mão única no fluxo da água; 2) como já informei, a água não está sendo levada para regiões antes atormentadas pela seca, pelo contário, como já disse o Vale do Açu tem a maior disponibilidade de água do estado do Rio Grande do Norte; 3) a água não estará ali a céu aberto para qualquer um beber. Basta ver, apenas para observar um testemunho in loco, o documentário "Transposição do rio São Francisco e águas no Ceará - OS CURSOS DA PRIVATIZAÇÃO". Nas atuais transposições de água internas ao Ceará os moradores das áreas vizinhas aos canais são proibidos pela polícia de pegar água para consumo humano; 4) O uso nobre da água é o consumo humano, não o agro-industrial; 5) Eu mais do que ninguém no mundo quero o desenvolvimento econômico, agrícola e industrial do nordeste, mas não com a importação de modelos exógenos e que não são apropriados a nossa região. Cito como meros exemplos episódicos de projetos que aproveitam as potencialidades naturais do meu estado o aeroporto-hub de São Gonçalo do Amarante-RN e o gasoduto do Seridó. Duas obras bem mais baratas e com um benefício econômico muito maior para o estado.

Anônimo disse...

Desde quando a igreja e seus Bispos têm que se intrometer com assuntos politiqueiros, fazendo greve de fome?
Seu Bispo, o senhor não tem mais nada para fazer do que peça teatral de comicidade exagerada, ou em português claro: pura farsa? Vai rezar missa que é a sua obrigação para com Deus e o povo, seu chantagista barato. Confesse, quanto você esta ganhando para representar esta comédia ou esta pretendendo pleitear alguma candidatura para deputado?

Miguel do Rosário disse...

patrick, acabei de escrever um comentário gigante sobre o tema, mas o site saiu do ar e perdi tudo. era grande demais e não vou repetir. só digo: agroindústria é uma atividade humana, com fins humanos. Ninguém vive só de água. Sem agro-indústria, não há civilização, sem civilização não há cultura, sem cultura não há beleza, arte, leis e justiça social. O Brasil, e especialmente o nordeste, precisa se industrializar.

Miguel do Rosário disse...

e tem outra coisa. não defendo o projeto por causa que o Lula defende não. Defenderia mesmo se fosse FHC ou Serra. Acho que o Estado brasileiro tem soberania e corpo técnico para avaliar melhor do que um bispo, que aliás foi desautorizado pelo Vaticano e quase perdeu o emprego.

Miguel do Rosário disse...

nem vou ficar contra a transposição só por causa a mídia agora é a favor. e sabe que foi o juiz do Supremo que votou contra a obra? Marco Aurélio de Mello, ele mesmo, o soltador de bandido de colarinho branco e principal líder de oposição do governo Lula no judiciário.

Miguel do Rosário disse...

o mesmo marco aurélio que quer gastar 500 milhões de reais na sede nova do Tribunal Superior Eleitoral.

Patrick disse...

Caro Miguel, é fácil verificar o destino desse projeto. O que representou Tucuruí e as grandes produtoras de alumínio para o Pará? E olhe que lá, depois do gasto com a hidrelétrica, não ficou nenhuma conta permanente para a sociedade (além do desastre ambiental). Qual a classe média que foi criada no Pará? O que isso representou como distribuição de renda? A Alcoa vai muito bem, obrigado. Já o povo paraense continua no mesmo sufoco. Voltemos à transposição do São Francisco. Com a verba destinada a esse projeto - que só vai beneficiar meia dúzia de grandes empresas que gerarão algumas centenas de empregos de baixa qualidade e uma dezena de cargos de gerente (sem falar na salgada conta de energia que vai ficar para a sociedade) - seria possível fazer investimentos realmente estruturantes no Nordeste. Já falei do Aeroporto-hub de São Gonçalo (com grande potencial industrial) e do gasoduto do Seridó (que beneficiaria centenas de pequenas cerâmicas que queimam lenha na região de mais intensa desertificação do Nordeste). Mas há mais: seria possível ainda prover Campina Grande com uma estrutura de telecomunicações que lhe permitiria competir com a Índia com a enorme vantagem do fuso horário. A ferrovia transnordestina poderia ser ampliada em seus ramais paraibanos e potiguares. Na franja do São Francisco poderíamos ter uns 5 israeis, com a criação de uma forte classe média sertaneja. O Maranhão e o Piauí têm potencial para serem o novo Mato Grosso, com a vantagem logística da proximidade do Oceano Atlântico e dos principais mercados consumidores da Europa e dos EUA. Falta só infra-estrutura. Enfim, as potencialidades são ilimitadas e dói ver toda essa verba sendo utilizada num projeto caro, custoso e que vai gerar empregos de baixa qualidade; quando poderíamos ter abraçado projetos estruturantes e que poderiam criar uma classe média forte e pujante - muito mais igualitária, à semelhança da região sul - por todo o Nordeste.

O Anão Corcunda disse...

A transposição do S.F. é um dos assuntos de Estado mais importantes do Brasil no momento, e por isso precisa ser debatida ao máximo. Nisso todos concordamos. Mas parece que há inúmeras confusões, conservadoras como toda confusão, que estão impedindo o debate. E essas confusões estão em inúmeros lados.

Quando Patrick diz que o antilulismo insano da imprensa brasileira está atrapalhando o debate, está coberto de razão. Da mesma forma, não adianta sair defendendo qualquer ação do governo a torto e a direito, que a insanidade continua. Nisso todos também concordamos. Mas será que é só a imprensa e a reação a ela que estão obstruindo o debate?

Pode ser (não sei se é, acho que não, mas o assunto ainda me é complexo) que a transposição seja mau negócio para a maioria da população. Se for, mesmo assim, a posição do Dom Cáppio não ajuda em nada, muito pelo contrário, só legitima o início das obras. É a forma que ele encontrou de lavar as mãos e sair de mocinho para uma legião de crédulos. Greve de fome para um governo largar uma obra de estado é tão insano quanto o antilulismo da imprensa. Nenhum governo do mundo cederia nessa questão, chega a ser patético o destino do padre, que entra no jogo achando que a derrota é a maior vitória. Isso é masoquismo, problema sexual dele.

O artigo do Kucinski está muito centrado nisso, e vai no ponto. A igreja de Dom Cáppio só está atrapalhando o debate, mesmo o debate técnico. É como se a Igreja estivesse atrás de qualquer argumento para impedir a transposição, seja o argumento bom ou ridículo. E aí o Miguel coloca bem: a Igreja é uma instituição essencialmente conservadora, apesar de uns focos progressistas aqui e acolá. E não vamos esquecer que, em determinado momento, Dom Cáppio SE RECUSOU a debater com o Ciro Gomes.

Mas o Patrick traz, no meio de preciosos argumentos, algumas idéias que também só atrapalham o debate. Principalmente quando coloca uma diferença moral entre consumo humano e consumo industrial. Isso é equívoco, conservador como todo equívoco, muito grave, mas também muito comum na nossa esquerda. Ignora-se o marxismo básico: o consumo industrial é uma forma altamente sofisticada de produção destinada ao consumo humano. Consumo industrial é consumo humano. Pode ser que um belo dia todos os homens, em consenso, desistam de beber água e só queiram beber suco de caju Maguary. Beleza. O consumo humano continua, mesmo porque sem consumo ninguém existe. Não dá pra deixar de notar que esse equívoco embute um certo fundamentalismo naturebista.

Tenho a impressão que o nordeste precisa urgentemente de uma obra como essa. O próprio Patrick coloca que, se a água da transposição for destinada à maioria da população, ele é a favor da obra. Ora, Patrick, então o problema não é a obra, mas os destinos da água que será transposta! A obra tem potencial social enorme, mas por causa desse risco, que vai existir SEMPRE em TODA sociedade capitalista, de seus frutos serem desviados totalmente para o capital, precisamos então ser contra o projeto? O projeto é ótimo, mas somos contra ele porque vai ser apropriado pelo grande capital?

Aí eu volto ao texto do Kucinski e ao marxismo básico freqüentemente ignorado. O Kucinski, ao citar os luditas, faz lembrar muito bem de uma passagem em que Marx critica justamente o momento em que os operários ingleses resolvem quebrar as máquinas nas fábricas. O problema, diz o Marx muito claramente, não são as máquinas, mas o uso capitalista que se faz delas. Aí está a questão: se o problema parece não ser a obra de transposição, então porque tentar impedi-la?

Chegamos então a um ponto-chave numa questão maior que essa, que é a análise do governo Lula. Grande parte da nossa esquerda ainda está no ludismo, ainda está no século 18, no século 19. E o curioso que essa parte da esquerda é justamente a parte mais “intelectual”. A estratégia do ludismo é conservadora: ao invés de investir nos destinos das máquinas e da transposição do rio, quer sabotar tudo. Ao invés de tentar incorporar para si as inovações tecnológicas, resolve destruí-las, até mesmo para não perderem o pobre, mas único discurso que possuem. E são masoquistas que nem dom Cáppio: entram na luta para perder, porque gostam mesmo é de apanhar, de sofrer.

Para o pavor dessa esquerda, o governo Lula não é um governo de intelectuais. Para o pavor dessa esquerda, o PT desistiu de entrar para perder, resolveu botar a mão na massa e assumir a presidência. É um governo que está acelerando o desenvolvimento do capitalismo no país e está, ao mesmo tempo, por incrível que pareça, conseguindo arduamente permitir que as classes trabalhadoras se empoderem e passem a poder dizer cada vez mais os destinos que querem para o país. Talvez fazer uma revolução, talvez deixar como está, aí depende é do povo. Mas nossa esquerda intelectual tem um horror a esse negócio de povo...

Patrick disse...

A transposição do São Francisco, tal como está posta, é como a produção de biocombustível a partir de milho. Irracional. Não há nada de ludismo em ser contra a irracionalidade.

O Anão Corcunda disse...

Como todo meu post aponta, tudo depende de -como- podemos nos colocar contra uma suposta irracionalidade.

E que há posturas contrárias tão irracionais quanto, como a de dom Cáppio, que só legitimam a suposta irracionalidade.

Se alguém defende o rio S.F., seja a favor ou contra a transposição, precisa ser contra o d. Cáppio. E contra os velhos equívocos que venho tentando apontar.

Anônimo disse...

Parabéns ao Miguel, ao Patrick e ao "Anão". Meus agradecimentos aos três pelo excelente debate e por mais uma prova de que a mídia corporativa tornou-se irrelevante no trato das grandes questões nacionais. Prefiro infinitas vezes mais as postagens e respectivos comentários nos blogs.

Anônimo disse...

Parabéns pelo debate.

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