Sei que parece idiota ser otimista o tempo todo, mas a gente precisa, no mínimo, olhar as situações sob ângulos diversos. Se a imprensa apenas foca no lado negativo, meu impulso é tentar avaliar sob outra perspectiva - no caso, positiva. A questão da alta do preço dos alimentos, por exemplo. Os jornais estão dando muita ênfase no preço do arroz. Entrevistam pessoas nos supermercados que, obviamente, protestam contra o fato. No entanto, matutei alguns argumentos interessantes que mostram um outro lado da coisa e gostaria de compartilhar com vocês.
Em primeiro lugar, o arroz é o alimento mais disperdiçado no Brasil. Qualquer um que come em restaurantes, populares ou não, observa que a travessa de arroz contém, na maioria das vezes, uma quantidade superior ao que um ser humano pode ingerir. Nas casas, o arroz é sempre feito em grandes quantidades, sendo sempre o produto que mais sobra e é jogado fora. Não é por outro motivo que instituiu-se a tradição de jogar arroz sobre noivos e surgiu a expressão "arroz de festa".
O arroz, no Brasil, sempre foi barato demais. Claro, o problema é que sempre houve gente tão pobre que não tinha dinheiro nem para o arroz. Mas o problema da alimentação no Brasil, há tempos, é uma questão de proteína e não de carboidratos. A prova é a obesidade crescente da população brasileira nos últimos anos.
É preciso considerar ainda a crise crônica, terrível, da agricultura familiar, que se concentra, basicamente, em produzir alimentos. Tirando o café, cuja tradição e características permitem a produção familiar, os grandes produtos agrícolas para exportação, como soja, algodão, milho, cana-de-açúcar e laranja, exigem capitais e tecnologia que praticamente vetam a produção familiar, a qual fica restrita aos produtos alimentícios, setor no qual ela contribui com mais de dois terços da oferta brasileira.
A agricultura familiar, portanto, é fundamental para a segurança alimentar no país. Emprega milhões de pessoas e ajuda a distribuir renda. Os preços agrícolas extremamente baixos, todavia, têm levado os agricultores familiares a uma situação de extrema penúria. Nos países ricos, esse setor é fortemente subsidiado. No Brasil, não. A alta dos preços dos alimentos, portanto, tem esse aspecto positivo, de injetar renda no campo, particularmente na agricultura familiar, oxigenando-a e permitindo que ela possa se modernizar. Sobretudo, permitirá ao agricultura familiar ter uma vida um pouco melhor. Quebra-se assim o ciclo crudelíssimo, comum à história brasileira, de financiarmos a melhora econômica dos centros urbanos com a miséria ascendente das áreas rurais.
O brasileiro pode, muito bem, suportar uma relativa e controlada valorização dos alimentos, desde que a sua renda suba ainda mais, o que permitirá um ganho duplo ao país. Considerando que o Brasil é o segundo maior produtor agrícola do mundo, o fortalecimento da agricultura familiar permitirá que ela ganhe escala, organize-se em cooperativas e possa ganhar o mundo. Os preços agrícolas têm sido deprimidos artificialmente há décadas, por conta dos subsídios cada vez maiores dados por governos de países ricos. Uma política que se revelou catastrófica, pois impediu o aumento da produção sobretudo da África, continente com enorme potencial agrícola, em virtude de seu clima, mão-de-obra e terra disponíveis e a ausência de alternativas econômicas.
A alta do preço dos produtos agrícolas, embora possa trazer mau estar econômico passageiro, principalmente às classes mais baixas, representa uma injeção de ânimo nas regiões agrícolas brasileiras, notadamente nas dedicadas à agricultura familiar. Cândido, o otimista personagem de Voltaire, era realmente muito ridículo. Mas se o famoso satírico francês, por um artifício fantástico de viagem no tempo, lesse as colunas de Miriam Leitão, seguramente inventaria um outro personagem ainda mais burlesco...