11 de maio de 2008

O paradoxo Brasil e suas soluções

Uma das lições que se tira ao ler Wanderley Guilherme dos Santos, autor de Paradoxo de Rousseau, é que extrapola-se a dicotomia algo enfadonha entre socialismo versus capitalismo ou direita versus esquerda. Santos resgata autores, teorias e contextos históricos que permitem pensar a política numa dimensão maior, como se subíssemos ao topo de uma montanha e pudéssemos visualizar, lá de cima, os conflitos ideológicos e jurídicos que deram forma às democracias modernas.

Chamou-me a atenção, especialmente, a observação de Santos sobre o caráter biológico da política. Trata-se de um conceito muito sólido e que ajuda a explicar porque determinados aspectos das sociedades são tão firmes. Santos observa que não há razão para desconectar a história das civilizações do progresso natural de todo ser vivo. "A demiurgia evolucionária" ou o caráter evolucionista que converteu a ameba num macaco seriam os mesmos que levaram os homens a organizarem-se em sistemas democráticos de governo.

Em Paradoxo de Rousseau, Santos volta a um tema que lhe é caro. Dismistificar os problemas políticos brasileiros. "Julgam-se, diz ele, às vezes com excessivo rigor estas instituições nacionais na suposição de que não sejam assim no resto do mundo ou, ainda, segundo uma concepção idealizada de como deviam funcionar." Em diversos livros, Santos traz dados de outras nações e outras épocas para mostrar que a problemática brasileira é uma problemática comum à qualquer democracia. No entanto, analisando-se a realidade política brasileira em profundidade, observa-se que há um avanço acelerado das condições democráticas.

Esse avanço, todavia, não deve ser confundido com melhora das condições sociais. Santos mostra que as democracias não foram criadas, em essência, para sanar problemas econômicos ou sociais. A razão de ser da democracia é uma questão essencialmente política que, por sua vez, liga-se ao milenar e dilacerante dilema entre liberdade individual e interesse coletivo.

Aí voltamos à questão ideológica. Santos mostra que é possível fazer o debate ideológico num diapasão bem mais elevado, erudito e científico do que a rasteira (embora igualmente importante) discussão partidária. O debate político não foi inaugurado por Marx, nem pelo advento do socialismo, mas já era objeto de controvérsias desde os tempos de Sólon. Como conciliar interesses privados e coletivos, por exemplo?

O paradoxo de Rousseau surge nesse momento: "o que cada cidadão deseja como soberano (o governo de que é elemento constitutivo) - a saber, impostos com que financiar a produção de bens públicos, redistribuição de renda com o objetivo de minimizar a desigualdade etc. - esse mesmo cidadão repudia como súdito, pois, nesta capacidade, deseja pagar o mínimo de impostos, desaprova egoísticamente ver sua renda diminuída em benefício de quem quer que seja etc. E o que aspira como súdito - subsídios especiais, isenções tributárias etc. - é para ele inaceitável, em sua capacidade de soberano, como programa de governo universalista."

Temos aí uma descrição, em linguagem científica, do gérmen da luta de classes, a qual, no entanto, é descrita sem mocinhos ou bandidos, sem julgamento moral, mas como paradoxo inerente aos pactos sociais democráticos.

A evolução política dos países hoje ricos, analisa Santos, não deve servir de referência para países em desenvolvimento, por causa do contexto totalmente diferente em que aquela se deu. No entanto, é interessante notar que aqueles países evoluiram espetacularmente justamente porque não se prenderam a manuais econômicos, mas adaptaram-se politicamente às contingências econômicas e sociais dos novos tempos. Com isso, fica a lição para os que pretendem possuir fórmulas mágicas para o Brasil ou protestar que governos não tenham "projetos". Por mais que a planificação possa ter utilidade, a dinâmica das economias é tão intensa e mutável que o melhor governo é justamente aquele que consegue tomar decisões de forma criativa, adaptando-se as circunstâncias. E o melhor termômetro sobre a validade das decisões assim tomadas não deve ser se cumpriram à risca as regras indicadas em manuais, mas sim o sucesso em reduzir os obstáculos (pobreza, principalmente) que emperram o desenvolvimento nacional.

A teoria de Santos, aventada em diversos livros, traz à tôna os paradoxos e conflitos naturais e insolúveis do convívio humano, analisando-os com um pessimismo estóico - ou seja, não melancólico, já que o pessimismo melancólico supõe uma visão romântica e idealizada do ser humano e da história. Essa é a qualidade fundamental do pessimismo de Santos. É um pessimismo viril, seco, tolerante, e não a feminóide choradeira contra o capitalismo, contra os poderosos, ou, para citar um chavão ainda mais irritante, "contra tudo o que está aí".

O mundo como é hoje não é resultado somente do capital, cuja importância deve ser respeitada mas não mistificada, como fazem alguns pessimistas profissionais, que confundem pessimismo com derrotismo ou, pior ainda, com socialismo. O mundo é resultado de milhões de anos de evolução natural. Não é possível separar a história do homem da dinâmica evolucionista, sob o risco de aplicarmos o velho creacionismo à história e à dinâmica política. Assim como a vida humana não teve início com Adão e Eva, a política não começa com Capitalismo e Socialismo.

A democracia tem paradoxos. Mesmo em tese, mesmo funcionando idealmente, traz inúmeras deficiências conceituais que agridem tanto a liberdade individual quanto o interesse coletivo. No entanto, representa o que há de mais moderno na evolução civilizacional. Além disso, Santos descarta, definitivamente, qualquer tolo pessimismo ou salvacionismo em relação ao Brasil. As instituições brasileiras são tão ruins ou boas quanto as de qualquer outro país democrático. Em diversos aspectos, são melhores do que as de muitos países dito "desenvolvidos". Não se deve, sobretudo, fazer julgamentos apressados, ou conceber que uma democracia com o porte da brasileira, possa se desenvolver sem percalços, ou como se fosse possível, a qualquer jovem e grande democracia, não sofrer crises constantes, as quais são inerentes ao funcionamento da democracia.

No entanto, isso não significa festejar as crises. Masoquismo nenhum é bem vindo. Santos tem sido um dos mais corajosos críticos (e, neste ponto, não está mais sozinho, como esteve em 1962, quando foi praticamente o único a prever o golpe de Estado de 64) do abuso de poder da mídia e, em alguns casos, dos tribunais superiores. Se crises políticas são inerentes à democracia, isso não significa que sejam saudáveis, ou mesmo necessárias. As sociedades precisam mobilizar-se constantemente para que essas crises não produzam dano político, econômico e social. No caso do Brasil, isso supõe a criação de instâncias que exerçam o contra-peso ao poder desestabilizador da grande mídia. Essas instâncias, a meu ver, estão, em grande parte, proliferando-se na internet.

Segundo pesquisa do FGV, o internauta brasileiro é líder mundial no ranking de tempo médio mensal na net, com 22 horas e 24 minutos. O segundo colocado é os EUA, com 19h52, seguido de França, com 19h40 e Japão, com 18h29. Considerando que, segundo a mesma pesquisa, o número de internautas no país alcançou 40 milhões em 2007, com o acréscimo de 7 milhões de pessoas somente no ano passado, conclui-se que a importância da web, particularmente da blogosfera, na rotina cultural e política da sociedade brasileira não deve ser menosprezada.

1 comentário

Anônimo disse...

Gostei muito do artigo, exceto por um deslize: "viril" como sinônimo de forte, "feminóide" conotando fraqueza de caráter, são termos datados e, ao menos aos meus ouvidos de mulher, injuriosos.
No mais, gosto muito do WGS (de quem tive a honra de ser aluna no IUPERJ) e também me agradam as análises deste Blog.

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