7 de outubro de 2011

Desindustrialização, onde?


Continuo monitorando os índices da indústria brasileira. A acusação de que o Brasil estaria se desindustrializando me preocupou muito, porque, se fosse verdade, então seria um problema sério, que me obrigaria inclusive a rever minha simpatia pelo governo do PT.

Outro dia mesmo li no jornal uma notícia de que a produção industrial havia caído em agosto ou setembro. Essas matérias informam muito pouco, e sempre distorcidamente, porque nunca nos proporcionam uma visão mais abrangente. Até os fatores sazonais são omitidos do leitor. Há meses em que a produção industrial declina, todos os anos, outros em que sobe, por isso é importante sempre você ter em mente um prazo mais longo, para enxergar mais claramente.

Então eu voltei ao IBGE, onde já temos dados históricos consolidados, com atualização até agosto de 2011, para a produção industrial brasileira. Preparei uma tabela cujos dados completos podem ser vistos aqui.

Eis que me deparo com um quadro curioso, mas não surpreendente. Ele é muito bem vindo neste momento, em que os tucanos parecem decididos a fazer um trabalho melhor de "comunicação", tentando provar aos brasileiros como o governo FHC foi bom. Pois bem, ofereço-lhes - aos tucanos - uma estatística que vai ajudá-los a esclarecer melhor o povo.

Em janeiro de 1995, o índice mensal da produção industrial brasileira de bens de capital ficou em 111,56. A base deste índice, que é igual a 100, é a média de todo ano 2000. Pois bem, repetindo, em janeiro de 1995, este índice estava em 111,56. Passam-se oito anos de governo, e em dezembro de 2002, o índice despencou para 84,47!

Vocês se lembram da imprensa fazendo estardalhaço com esses números à época? Pois deveria ter feito, porque o setor de bens de capital é sempre o mais importante de um país. É a base da indústria. É o setor que produz as máquinas. Tipo: uma fábrica que produz máquinas que serão usadas na indústria de alimentos, ou tecidos, ou automóveis. Quando um governo quer investir na industrialização, ele começa sempre investindo no setor de bens de capital.

Deve-se olhar portanto sempre a evolução do setor de bens de capital para se ter uma ideia clara da situação da indústria brasileira. Problemas pontuais, como os enfrentados pelos setores têxtil e calçadista, sempre vão acontecer, sobretudo enquanto houver anomalias cambiais no mundo, como é o caso da China. É muito difícil para uma indústria brasileira produzir uma roupa a um custo mais baixo que uma chinesa. No longo prazo, porém, com uma economia internacional regulada com inteligência, e corrigidas as anomalias cambiais, esses desequilíbrios vão se resolvendo. Por enquanto, a solução é fazer o que o governo já começou a fazer, embora talvez com excessivo atraso, que é identificar os setores mais prejudicados pela concorrência desleal estrangeira e adotar políticas específicas de fomento.

Fala-se muito do câmbio forte como um fator que estimula a desindustrialização. No entanto, as economias mais industrializadas do mundo há décadas possuem os câmbios mais fortes: Japão, EUA, Inglaterra, Alemanha.

O papo de desindustrialização, aventado inclusive por alguns sindicalistas do ABC paulista, é muitas vezes uma demanda apenas corporativa. Um lobby, melhor dizendo. E o governo muitas vezes se sensibiliza. Há momentos, todavia, em que é preciso deixar que a livre concorrência faça a sua parte. Não se pode culpar o câmbio ou a política industrial do governo em casos em que há simplesmente a incompetência do proprietário de uma fábrica. Não se trata de defender o capitalismo cruel, mas de respeitar um mínimo e necessário darwinismo econômico. Até porque o governo tem recursos limitados, e seria injusto aplicar verba numa empresa falida por incompetência em vez de construir um hospital.

O que o governo pode e deve fazer é gerir uma boa política social, proporcionando aos trabalhadores prejudicados pelo fechamento de uma fábrica um seguro-desemprego com valor digno e cursos de recapacitação, em todo o período que estiver sem trabalho. O absurdo fundamental de um Estado moderno é permitir que uma família não tenha renda. Isso prejudica o próprio capitalismo, porque essas pessoas também não vão consumir nada. Por isso as principais economias capitalistas do planeta são as que possuem os maiores programas sociais. Os EUA, a fortaleza global do capitalismo, tem um programa de Fome Zero desde o final da segunda guerra, com distribuição de tickets de alimentação para dezenas de milhões de americanos.

Voltando aos índices industriais, repare que estes cresceram de 88,41 em dezembro de 2001, para 209,45 em agosto de 2011. Ou seja, enquanto na gestão tucana o setor de bens de capital sofreu um acentuado declínio, nos quase dez anos de governo petista, o mesmo setor mais que duplicou no Brasil (cresceu 140% para ser preciso)! E pode-se constatar facilmente que avançaria ainda mais não fosse o recuo em 2009, provocado pela profunda crise financeira que abalou o mundo.

Nos outros setores da indústria, temos números parecidos: estagnação durante o governo FHC, e forte expansão na era Lula. E o que é melhor: a indústria continua crescendo este ano, com destaque para o setor de bens de capital, que é, como eu já disse, a menina dos olhos quando se trata de industrialização.






PS: Esse post foi publicado no blog do Nassif, e alguns comentaristas contestaram-no dizendo que esse aumento na produção de bens de capital teria se dado apenas por crescimento de encomendas de empresas como Vale. Bem, a Vale é a maior empresa privada do país, e se ela está encomendando máquinas, isso é ótimo. É óbvio que a industrialização brasileira é liderada por suas principais empresas. A Vale decidiu, após muita pressão do governo, e talvez mais ainda em função do interesse de suas concorrentes em montar siderurgias por aqui, investir na transformação do ferro em aço. Enfim, a pior coisa que pode acontecer é a gente transformar um assunto desse em papo de botequim, como sempre acontece quando as pessoas se limitam a fazer observações tais como: lá em Pindamonganba, fecharam 3 fábricas no ano passado! A atividade industrial hoje é muito dinâmica e concorrida, em vista do alto nível de especialização em que se encontra o capitalismo mundial. É normal, infelizmente, o fechamento de fábricas. O que deve nos preocupar, porém, é o nível geral da indústria no Brasil, e sobretudo, reitero, com o setor de bens de capital, que é a base da indústria.

Então eu retornei outra vez ao IBGE e achei a tabela abaixo (dados completos aqui), com a evolução dos diferentes segmentos do setor de bens de capital nos últimos anos.


Por ela, pode-se ver que um setor de bens de capital que vem sofrendo queda nos últimos anos é o do aparelhos de comunicação (celulares, etc). É lamentável, mas visto que o Brasil sempre produziu quantidades insignificantes destes equipamentos, não é nada que provoque nenhuma mudança drástica em nossa economia ou nas taxas de emprego. O mais grave mesmo é a queda no setor de materiais elétricos, que vinha apresentando um crescimento substancial até o fim de 2008; no longo prazo, porém, este setor também vem crescendo, já que o índice passou de 96 em dezembro de 2002 para 150 em agosto deste ano.

Eu não quero tapar o sol com a peneira. Tenho consciência que deve ter fábrica fechando em algumas partes do Brasil. A concorrência global é feroz. Estou questionando (questionando, não negando) a tese da desindustrialização, que ainda não vi refletida em nenhuma estatística. A pior coisa que pode acontecer com um país é sofrer um processo de desindustrialização, mas isso é diferente de haver mudanças, até mesmo estruturais, na realidade industrial de um país, com declínio de um setor e aumento em outros. Isso faz parte do capitalismo e reflete esse darwinismo econômico que é inevitável e cujos efeitos sociais devem ser tratados atentamente pelo Estado em questão, através de uma política trabalhista voltada a amortecer seus danos.

9 comentarios

Anônimo disse...

Pena que estes números não apareceram durante a campanha presidencial de 2010. Iriam ser de grande valia.

Renata Arruda

Eduardo Vereza disse...

Valeu pelo conteúdo, Miguel. Isso é que o está faltando na blogosfera, conteúdo próprio!

Rogério Floripa (Pra não homenagear Floriano) disse...

Desindustrialização só pra turma da Roda Presa.


Documentário - A Sociedade do Espetáculo
Ressalta o aspecto de espetacularização dos feitos, em qualquer sociedade,seja ela neoliberal ou socialista. http://fwd4.me/07qO

SPIN IN PROGRESS disse...

Parabéns pelo texto, bastante informação e de fácil compreensão por parte de quem não fala economês, abraço

Anônimo disse...

Aí, Miguel, notícia recente que reforça a sua tese.

Abimaq: faturamento bruto mensal subiu 3,8% em agosto

Por Wladimir D'Andrade

São Paulo - O faturamento bruto mensal da indústria de máquinas e equipamentos aumentou 3,8% no mês de agosto sobre julho e 9,1% sobre de 2010, nos números, divulgados hoje pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). O faturamento no mês atingiu R$ 7,065 bilhões, enquanto nos oito primeiros meses de 2011 chegou a R$ 52,840 bilhões, o que representa alta de 9,7% sobre o mesmo período do ano passado. Os destaques no faturamento, no acumulado do ano, foram os setores de máquinas para madeira (63,5%), de máquinas agrícolas (25,2%) e de máquinas de hidráulica e pneumática (14,6%).

As exportações no mês de agosto chegaram a US$ 1,230 bilhão, o que representa alta de 36,5%, ante julho, e de 48,8%, ante agosto do ano passado. No acumulado de janeiro a agosto, as exportações cresceram 32,3% sobre o mesmo período do ano passado, resultando em um faturamento de US$ 7,497 bilhões. A alta foi puxada pelos setores de máquinas para petróleo e energia renovável (164,6%), máquinas para logística e construção civil (64,7%) e infraestrutura e indústria de base (38,1%).

As importações, por sua vez, somaram em agosto US$ 3,089 bilhões, que representam alta de 28,8% sobre julho e de 17,3% sobre agosto do ano passado. No acumulado do ano, os produtos que chegaram ao País somaram US$ 19,633 bilhões, que equivalem a um aumento de 26,3% sobre os oito primeiros meses de 2010. Nas importações, foram destaque os setores de máquinas para agricultura (66,1%), máquinas para indústria de transformação (49,8%) e máquinas para logística e construção civil (37,5%).

Com esses resultados, a balança comercial da indústria de máquinas e equipamentos atingiu o saldo negativo de US$ 12,136 bilhões no acumulado do ano até agosto. Já o Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci) na indústria de máquinas e equipamentos atingiu 83,1% em agosto, ante 83,7% no mesmo mês do ano passado. O emprego no setor em agosto ficou praticamente estável em relação a julho: a alta foi de apenas 0,1%.

Agência Estado - Uma empresa do Grupo Estado - Copyright © 2011 - Todos os direitos reservados.

http://veja.abril.com.br/noticia/economia/abimaq-faturamento-bruto-mensal-subiu-3-8-em-agosto

Anônimo disse...

Outra matéria que reforça seus argumentos.

Indústria brasileira de máquinas e equipamentos fatura R$ 52,8 bilhões em oito meses

A indústria brasileira de máquinas e equipamentos faturou R$ 52,8 bilhões de janeiro a agosto deste ano, o que representa um crescimento de 9,7% em comparação com o mesmo período do ano passado. Segundo balanço divulgado hoje (5) pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), em agosto as vendas aumentaram 9,1%, ante o mesmo mês do ano passado, com faturamento de R$ 7,06 bilhões. Na comparação com julho, houve alta de 3,8%.

Apesar do aumento do faturamento no acumulado deste ano, destaca a entidade, o setor enfrenta déficit na balança comercial, que atingiu US$ 12,1 bilhões no período, valor 22,8% superior ao registrado nos oito primeiros meses de 2010. As importações de bens de capital mecânicos alcançaram em 2011 a cifra de US$ 19,6 bilhões e as exportações US$ 7,5 bilhões.

De acordo com a Abimaq, o nível de empregos diretos gerados pelo setor em agosto foi 5,9% superior ao do mesmo mês do ano anterior e 0,1% acima de julho último, totalizando 262.902 trabalhadores registrados.

http://www.jb.com.br/economia/noticias/2011/10/05/industria-brasileira-de-maquinas-e-equipamentos-fatura-r-528-bilhoes-em-oito-meses/

Anônimo disse...

Uma pena que o formato de comentários do blogspot não permita o debate e a interatividade entre os leitores, como ocorreu com esta postagem no Luis Nassif

http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/desindustrializacao-onde

Paulão

Anônimo disse...

Ai, publiquei um comentário sem querer usando a conta do Miguel (estou na casa dele). Já apaguei. Bem, enfim, como eu ia dizendo, Paulão, dá para debater por aqui sim, embora de fato a falta de uma ferramenta de resposta, atrapalhe.

Cristina

Miguel do Rosário disse...

Valeu, Cris. Paulão, eu tentei instalar o Intense Debate, mas o sistema de importar comentários está temporariamenente desativo. O que implicaria em perder todos os comentários anteriores. Francamente? Tô cansado de mudar o blog. Só me estrepo quando faço isso. Acho melhor deixar tudo como está e esperar que o blogspot melhore as ferramentas.

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