7 de maio de 2007

Quebrando o gelo

Residi quatro meses na França, de novembro último a março deste ano, e acompanhei o processo eleitoral. A esquerda francesa não morreu com a derrota de Segoléne. Ao contrário, a esquerda deu uma grande demonstração de força. A elite financeira européia não esperava que a esquerda francesa chegasse tão perto. Agora, é preciso compreender que a França, de fato, tem um problema grave entre seus jovens, que não querem mais trabalhar. Grande parte espera completar dezoito anos para começar receber mesada do governo. Desempregados ganham mais que empregados em função simples. A esquerda não soube responder a isso com a lucidez necessária.

Os grandes perdedores desta eleição francesa, realmente, são os imigrantes, milhões que vivem e trabalham na França, alguns há décadas, mas que não tem direito ao voto, uma distorção que deveria ser corrigida. Derrota porque a politica sarkoziana para os imigrantes é brutal, preconceituosa, contra-producente, policialesca, aumentando uma fratura social já profunda entre nacionais e estrangeiros.

Na Itália, a esquerda no poder está quase conseguindo aprovar uma lei que dará direito de votos aos imigrantes estabelecidos legalmente, uma inovação que poderá se disseminar em toda Europa, amortizando a revolta desses segmentos, causada em parte por se sentirem excluídos do sistema democrático, marginalizados cidadãos de segunda classe, apesar de trabalharem tanto ou mais que os “patrícios”.

A direita francesa levou um susto muito grande e, se não quiser sumir do mapa em alguns anos, como aconteceu com o PFL brasileiro, por exemplo, terá que amenizar algumas de suas propostas mais radicais.

Necessário explicitar que a vitória de Sarkozy ecoa bastante melancolicamente pela França. Uma vitória de Segonele despertaria as ruas de Paris. Com Sarkozy, temos, no máximo, um registro de soirées regadas à champagne e caviar nos edifícios de luxo.

A questão do tempo de trabalho, limitado na França a 35 horas por semana, acabou se tornando uma grande armadilha para a esquerda francesa, visto que o país tem uma gigantesca micro burguesia prejudicada por esse tipo de legislação, e outra massa enorme de trabalhadores estrangeiros, empurrados para a informalidade também em função desse tipo de lei, e os quais, de qualquer forma, possuem uma cultura de vida totalmente voltada ao trabalho e não compreendem restrições como essa, que criminalizam o trabalho, ou que o vêem como obrigação desagradável.

A Segoléne prometia reformar, para o bem, a legislação trabalhista francesa, mas não conseguiu transmitir credibilidade neste ponto. A esquerda francesa ficou com a pecha de conservadora, de defensora do status quo, enquanto a direita prometeu mudanças e modernização. Uma derrota deve ser sempre analisada e digerida com inteligência e humildade, para ser transformada em algo positivo. Entretanto, é preciso olhar as coisas também por seu lado bom. Um novo socialismo está nascendo e se consolidando na Europa. Na Itália, a esquerda está no poder, com Romano Prodi na liderança e vem fazendo um bom governo, na opinião de alguns italianos bem informados com quem tenho conversado. Bem diferente do caos institucional que representou os anos Berlusconi. Prodi liderou um processo de união das esquerdas italianas com o centro, mais ou menos o que o PT fez com o PMDB e que Segoléne tentou fazer, infelizmente muito tarde, com o centro francês. Mais importante: a esquerda européia vem se organizando e ganhando força continentalmente, construindo aos poucos uma massa crítica, teórica, moral, filosófica e mesmo artística. Na literatura, por exemplo, oargeliano Yasmina Khadrab recupera o prestígio do romance narrativo francofônico, superando em parte a dicotomia história X linguagem que beneficiou somente o último elo da equação, contribuindo para o alienamento das classes intelectuais, narcotizadas com uma literatura cada vez mais hermética, egoísta, vazia e, por isso, mesmo, elitizada. No Brasil, ainda nos ressentimos da ausência deste tipo de romance.

Este novo socialismo vem se reconstruindo ideologicamente, de uma forma muito espontânea, conquistando governos importantes, como Espanha, Itália, e quase ganhando a França.

Política brasileira

No Brasil, temos uma oposição perdida, sem propostas, sem esconder uma excitação doentia com o início da CPI do Apagão Aéreo. Esqueceram do fiasco político que representou as últimas CPIs, em que os parlamentares mais escandalosos, embriagados com o espaço que ganharam em jornais, sofreram estrondosos (e merecidos) fracassos eleitorais. Não aprendem com a derrota. Poderiam estar fazendo uma oposição saudável, propositiva, propondo alguma coisa útil ao país, mas não, preferem continuar batendo na mesma tecla, ainda iludidos com o apoio ridículo que recebem dos setores golpistas da imprensa.

O mais recente capítulo da novela lacerdista de nossa imprensa golpista é sua campanha contra a quebra de patentes dos remédios contra Aids. Lembro que houve uma época em que circulou a informação errada que o Serra tinha feito isso. A imprensa louvou a atitude dura do então ministro da Saúde, que ameaçou quebrar as patentes mas acabou se satisfazendo com a redução dos preços, o mesmo que ocorreu no primeiro governo Lula. Agora, finalmente, a patente foi quebrada. O Brasil vai poder aumentar a produção e exportar remédios, inclusive para África, a preços mais humanos. A mídia entende quando os EUA fazem isso: os EUA quebraram sem hesitar as patentes dos produtos que combatem o Antraz, a terrível bactéria usada como arma química. Agora, digam-me, o que vem matando mais gente: Aids ou Antraz? Alguém lembrará disso na imprensa?

Notícia pescada na net: "O Laboratório Farmacêutico de Pernambuco, Lafepe, em parceria com o Instituto de Tecnologia de Fármacos (Farmanguinhos) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro, produzirá 30 milhões de unidades do remédio até o final do ano. Com a iniciativa, o medicamento terá o custo reduzido em até 40%. O produto será distribuído pelo Ministério da Saúde para todo o país como parte do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids."

Não aprendem

Essa oposição cega e desvairada da imprensa resulta apenas na perda de credibilidade da própria e uma blindagem do governo que não ajuda o governo, visto que seria interessante uma imprensa imparcial que criticasse o governo de maneira justa e pontual, contribuindo para o funcionamento dos serviços públicos.

Na vizinhança

Também tem sido muito interessante acompanhar a grita dos editorialistas tupis contra Chávez e Evo Morales. Nunca ouvi falar que os nossos jornais tenham se preocupado com os antigos governos tenebrosos, corruptos e incompetentes de Venezuela e Bolívia. Foram décadas e décadas de corrupção, miséria e submissão aos interesses estrangeiros e nossa imprensa nunca deu atenção a nossos vizinhos.

Na Europa e no mundo inteiro, embora ainda muito mal informados, Chávez e Morales são admirados, não apenas pela esquerda histórica, geralmente formada por minorias fragmentadas, mas por esta enorme corrente política, presente em toda parte, que podemos chamar “centro nacionalista”, que sempre admira lideranças que defendem os interesses de seus próprios países.

2 comentarios

Patrick disse...

Vou repetir aqui o comentário que fiz no blogue de Eduardo Guimarães:

O jornalista Greg Palast, no seu livro "A melhor democracia que o dinheiro pode comprar", conta como são esses "investimentos" da indústria farmacêutica. O AZT era uma droga de uso veterinário desenvolvido pelo Departamento de Agropecuária do Governo americano (ou seja, pago pelo contribuinte). Não havendo mais interesse em seu uso, sua patente foi colocada em leilão a preço de banana (como se fosse leilão de sucata), tendo sido comprado por um grande laboratório. Depois de alguns anos é que se descobriu sua aplicabilidade no combate da AIDS.

José Carlos Lima disse...

Miguel,

você conhece as músicas da cantora portuguesa Mariza. Eu não conhecia. Devido a uma sessão de youtubeterapia cheguei à cantora. Tão estranho este tal de you tube ! Confira no no meu blog. Aqui o link:

http://curandeia.blogspot.com/2007/05/8-i-solido-vi-ou-fado.html

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