10 de junho de 2009

A truculência de Serra



(Sobradão decadente, mas conservando ainda beleza e elegância, dos arredores da Lapa)



(esquina da Lavradio com Mem de Sá, Lapa)

As notícias sobre a violência policial na USP mostram o grave risco que a estabilidade democrática brasileira e o frágil equilíbrio social atingido nos últimos anos sejam enviados para as cucúias caso o governador José Serra vença as eleições presidenciais em 2010.

Leiam o relato de um professor da USP sobre o caso.

Não, não se trata de "estudantes" vagabundos que não deixam outros estudarem. Ocorreu uma greve de funcionários, o governador mandou a polícia militar para o local, e professores e alunos aderiram à greve em protesto.

Serra continua sem falar nada. Mudo. E não há questionamentos na mídia. Não há editoriais ou colunistas abordando o tema. A mídia também se emudece. Quer dizer, a mídia procura minimizar o caso, não humanizando as reportagens com relatos dos personsagens envolvidos.

O que me impressiona é que não é o primeiro conflito semelhante causado pela truculência do governo paulista. O governo de José Serra alimenta uma agressividade latente, uma brutalidade desumana, uma hostilidade constante, contra o funcionalismo público paulista. Há um fundo ideológico nesses sentimentos. Em todos os comentários pró-Serra que lemos em blogs observamos sempre esse desprezo contra o funcionalismo público. E há um preconceito partidário repugnante. As demandas trabalhistas dos funcionários sempre são atribuídas ao jogo partidário. O grevista, na tosca visão ideológica alimentada pela grande mídia e pelo próprio governador de SP, não é um cidadão que almeja condições melhores de trabalho; não, ele é um petralha desprezível querendo desgastar a gestão Serra. Na questão da polícia, Serra atribuiu os conflitos entre a PM e a Polícia Civil ao PT e à CUT, embora os sindicatos e os trabalhadores que vivenciaram o imbróglio tenham garantido que essas entidades não tinham nada a ver com isso. Eu fico pensando: e quando grevistas ou manifestantes pertencerem ao PT? É ilegal? Isso os torna menos dignos? Menos honestos e sinceros em suas demandas por melhores condições de trabalho? O fato é que, por uma razão óbvia, os trabalhadores organizados, em sua grande maioria, pertencem à agremiações de esquerda; são opositores, portanto, das forças conservadoras que detêm o poder em São Paulo; isso não legitima, porém, nenhuma truculência; os trabalhadores possuem o direito democrático de se filiarem ao partido que desejarem, e isso não pode desmerecer a sinceridade de suas demandas trabalhistas. Quando empresários ou grandes agricultores fazem lobby junto ao governo para exigirem tal ou qual auxílio, com vistas a manterem o nível de emprego de suas atividades, ninguém lhes indaga o partido de sua preferência; são representantes de setores econômicos importantes e a sociedade entende a necessidade de ajudá-los de vez em quando.

O mais grave é que a brutalidade contra professores, médicos, trabalhadores, sem-terra, sem-teto, é encarada pelos correligionários de Serra como virtude política e apanágio ideológico.

Um blogueiro Judas tenta minimizar o fato alegando que a PM apenas "cumpria ordens judiciais" e que, não o fizesse, aí sim é que Serra estaria agindo ditatorialmente. Ora, o juiz ordenou a reocupação por pedido da reitora, aliada de Serra e indicada por ele; e mesmo assim, a decisão final sempre fica por conta do governador, que pode solicitar o cancelamento da ida da PM e, em última instância, orientar as forças de segurança para que evitem, a todo custo, agressões contra estudantes e trabalhadores.

Aí a mídia trata uma situação em que policiais com armas de fogo, escudos, bombas de gás lacrimogênio e gás pimenta, cacetetes, além de todo treinamento (e os inevitáveis vícios daí decorrentes) para combater bandidos perigosos, atacam jovens estudantes e trabalhadores desarmados e sem nenhum preparo (ou mesmo intenção) militar, como "enfrentamento", ou como se os policiais estivessem apenas reagindo às "pedras" lançadas pelos estudantes.

Ora, o vestibular da USP é um dos mais difíceis do Brasil. Então, por mais revoltados que sejam os estudantes (e todo estudante universitário é revoltado; é uma condição biológica e, portanto, passível de tolerância e compreensão), eles representam uma das elites intelectuais mais importantes do Estado de São Paulo. É incrível, é trágico, é risível, que sejam tratados com tamanha truculência.

Se o governador de São Paulo fosse alguém de outro partido, a imprensa certamente estaria voltando todas as suas baterias contra ele, e com razão. Por que é um absurdo e como tal deve ser tratado. O fato da imprensa abafar, minimizar e distorcer os acontecimentos, apenas reforça um sentimento que se torna cada vez maior: o de que os grandes jornais perderam o pouco escrúpulo que tinham em aparentar um mínimo de isenção e honestidade e ética.

Há outro fator, porém, que explica o desprezo das elites paulistanas e seus jornais para com os estudantes da USP. É que, há algum tempo, esta elite desistiu, de uma vez por todas, em matricular seus filhos em universidades públicas, e com a ascenção social de milhões de brasileiros, houve uma democratização natural da USP. A presença de jovens pertencentes às famílias mais ricas diminuiu bastante na USP e em outras universidades públicas. Então, pau neles!

Que seja! Serra e seus asseclas na mídia, na internet e na sociedade continuam a subestimar a inteligência, a força e a cultura do povo brasileiro! E quando falo povo, não esqueçam, incluo aí as suas vanguardas intelectuais. Pra continuar a tendência dos últimos posts, termino com uma citação, desta vez de Glauber: "mais fortes são os poderes do povo!"

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O professor Hariovaldo e seus comentaristas, como sempre, realizaram uma cobertura impagável dos acontecimentos.

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Depois da Associação Brasileira de Imprensa e da Ordem dos Advogados do Brasil defenderem o blog da Petrobrás, o Globo finalmente descobriu alguém disposto a atacar a iniciativa: o filósofo Roberto Romano! Que novidade! O "especialista em ética"! O sacerdote supremo da grande imprensa! Quem falta entrevistar agora? Marco Antonio Vila?

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Legal a crônica do Carrara, sobre as mazelas políticas recentes.

5 comentarios

Anônimo disse...

Miguel,
não acho aquele seu post sobre ´ética´ - viria a calhar, agora, no blog da Petrobras - aquele q "foi bom enquanto durou"...

Miguel do Rosário disse...

Você fala desse post? Eu falo do Romano nele, e de ética.

http://oleododiabo.blogspot.com/2009/05/espinoza-protegei-nos-dos-tartufos.html

Anônimo disse...

esse mesmo!

"Bah!

É o que eu penso quando leio clichês. Se existe uma coisa que realmente me dá vontade de falar Bah! é um clichê. Os piores, naturalmente, são os clichês moralistas.

E vem o Globo entrevistar, mais uma vez, o tal Roberto Romano, professor e doutor em ética. Bah! Que maravilha!" em 11 de maio

Miguel, vc escreveu isso há um mês! (pressentimento?) no entanto, já é possível confirmar no blog da Petrobras - vai conferir a ´ética´ do referido. Tks!

Anônimo disse...

Miguel, parabéns em atraso pelo seu níver. Desejo a você muita saúde, sucesso e grana! Grande abraço Ísis

Anônimo disse...

Miguel, aliás, essa turma que fala em ética tem um telhado de vidro enoorrrme...

Por exemplo: a Globo, como concessão pública e fundação, não deveria ter as contas abertas para o povo, a bem da ética e da transparência?

E os grandes veículos de mídia, também não deveriam prestar contas à sociedade? É razoável o governo de SP bancar a Editora Abril sem licitação?

Marcos

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